A sexualidade de adolescentes, homens e mulheres, não começa aos 13 anos, como os pais pensam. Visto como um grande obstáculo para a abertura de diálogo na família, o tabu é uma das armas do psiquiatra Jairo Bouer, 36, na educação sexual.
Bouer lança nesta quinta-feira, dia 6, em São Paulo, o livro "Sexo & Cia. - As Dúvidas mais Comuns (e as mais estranhas) que Rolam na Adolescência", uma coletânea de quase dez anos de artigos publicados no caderno Folhateen, que circula na Folha às segundas-feiras.
Em forma de perguntas e respostas, o livro tira as principais dúvidas sobre sexo na adolescência. Para Bouer, os pais devem ficar abertos à discussão e entender que a sexualidade dos filhos começa na infância. "Se os filhos percebem desde cedo que os pais estão abertos, quando eles chegarem à adolescência, os pais vão conseguir falar melhor", diz o psiquiatra, que é colunista da Folha.
Segundo Bouer, o trabalho não se esgota. "Na verdade, a gente não pode esquecer que trabalha com uma faixa etária que cresce e envelhece, que deixa de ser adolescente. Há dez anos, fazíamos essa coluna para quem tinha 13 ou 14 anos e hoje têm 23 ou 24. Então estão felizes, resolvidos, satisfeitos ou não, com algumas outras dúvidas, mas as coisas mudaram."
De acordo com ele, a vida sexual foi antecipada nos últimos anos. "O primeiro perigo é você confundir autonomia com irresponsabilidade. Autonomia tem um pré-requisito básico que é você se cuidar. Você tem autonomia, você é dono do seu nariz, porém, isso significa que é você quem tem de cuidar do seu nariz. Acho que corre-se o risco de confundir autonomia com falta de limite e falta de responsabilidade", afirma.
Leia trechos de uma entrevista que Bouer concedeu à Folha Online:
Folha Online - Quais perguntas feitas por adolescentes você classifica como mais sofisticadas?
O psiquiatra Jairo Bouer
Jairo Bouer - Esta geração, se a gente for pensar bem, talvez seja a mais informada de que se tem notícia na questão da sexualidade, das DSTs [Doenças Sexualmente Transmissíveis) e de camisinha. É a geração que foi mais bombardeada por informação por conta da epidemia da Aids. Temos uma revolução de hábitos e costumes que proporcionou uma liberalização da sexualidade nos últimos 20 anos. Paralelamente a isso, você tem a questão da Aids, que apareceu e se tornou uma grande ameaça e, em função disso, a gente se viu obrigado a falar de sexo, a discutir sexo, a propor sexo com segurança e a mostrar o uso da camisinha na prevenção. Eles têm mais sofisticação para as dúvidas, que deixam de ser aquelas básicas que a gente tinha antes.
Folha Online - Há quase dez anos respondendo perguntas enviadas por adolescentes à sua coluna no Folhateen, as dúvidas nunca se esgotam ou elas estão sempre se reciclando?
Bouer - Na verdade, a gente não pode esquecer que trabalha com uma faixa etária que cresce, envelhece e que deixa de ser adolescente. Há dez anos, fazíamos esta coluna para quem tinha 13 ou 14 anos e hoje tem 23 ou 24. Então, estão felizes, resolvidos, satisfeitos ou não, com algumas outras dúvidas, mas as coisas mudaram. Daí vem um bando novo de gente que tem 13 ou 14 anos. Algumas dúvidas são perenes e fazem parte da fase de vida das pessoas, e o adolescente sempre vai ter. Tenho impressão que as dúvidas se perpetuam. Está sempre chegando uma leva nova de adolescentes, gente chegando na puberdade, gente passando por transformação corporal. É um ciclo e, por isso, as dúvidas são meio perenes. E tem dúvidas que fazem parte mesmo do desenvolvimento normal da pessoa. Continuo vendo hoje as mesmas dúvidas que eu tinha há 20 anos e que eu vi há 10 anos na coluna... iguais. Algumas são um pouco mais sofisticadas porque mudou o padrão de informação. As pessoas estão mais informadas, mas algumas são muito básicas e fazem parte do desenvolvimento normal das pessoas.
Folha Online - Que tipo de dúvidas você classificaria como as básicas?
Bouer - Em relação às mudanças corporais, a ansiedade de saber se você vai ficar assim ou assado, por que seu amigo já cresceu e você ainda não, por que sua amiga já menstruou e você ainda não. Angústias e dúvidas em relação à primeira relação sexual; se vai ser bom, se não vai; se vai doer, se não vai; se eu vou conseguir, se eu vou broxar; se vou ter ejaculação precoce. Enfim, essas ansiedades das mudanças corporais e das angústias em relação à primeira transa são extremamente comuns.
Folha Online - Que perguntas você classifica como as mais sofisticadas?
Bouer - Esta geração talvez seja a mais informada sobre a questão da sexualidade, das DSTs e da camisinha, ter à disposição vários recursos. Hoje você tem vários tipos de pílulas anticoncepcionais, como pílulas de baixa dosagem, mais direcionadas para os adolescentes; tem a pílula do dia seguinte, remédios para lidar com dificuldades sexuais dos homens; tem internet, que é um elemento novo tanto de busca de informação como uma porta de entrada para que as pessoas se conheçam. Tem alguns movimentos que fazem parte desta coisa mais contemporânea. Além de tudo isso, você tem uma antecipação do início da vida sexual. Metade dos meninos e um terço das meninas com até 15 anos já tiveram uma relação sexual completa no Brasil. É um início bastante precoce.
Folha Online - A que você atribui esta precocidade e quais são as implicações e riscos dessa nova realidade?
Bouer - Liberação dos hábitos e costumes, mudança do papel da mulher na sociedade, derrubamento do mito e do tabu da virgindade para as meninas, maior possibilidade de informação, maior liberdade que as crianças têm hoje, em função dos pais estarem trabalhando e dos vínculos serem mais diversos, o que possibilita também relações de autonomia e de dependência para essas crianças muito mais cedo. Tudo isso, de alguma maneira, deve contribuir para esse início mais precoce. O grande risco é você não ter maturidade para lidar com essa precocidade. Às vezes, você tem acesso à informação, mas não consegue utilizá-la porque é muito novo, ou tem acesso à informação, mas no momento de uma decisão emocional, não tem maturidade para lidar com isso. É a garota de 15 anos que vai ficar sem graça de falar para o cara de 18 que ela quer que ele use camisinha. Esse tipo de situação é mais comum com quem é inexperiente, com quem está começando e é muito novo, por falta de maturidade, insegurança e uma questão de auto-estima. Essas coisas todas dificultam a pessoa de bater o pé e conseguir fazer o que ela que deveria fazer.
Folha Online - Maturidade depende mesmo da idade?
Bouer - Óbvio que tem gente de 18 que é completamente inseguro, tanto quanto uma menina de 15, mas, na média, essas coisas melhoram com a idade.
Folha Online - Nesses dez anos de experiência, o que você sente que evoluiu no adolescente?
Bouer - Eles são uma geração mais informada. Em segundo, acho que eles lidam melhor com a sexualidade, de uma maneira geral. Não é aquele tabu de que a menina não podia lavar a cabeça porque estava menstruada, não podia se masturbar porque ia crescer espinha e pelo na mão. Obviamente um ou outro adolescente ainda tem essa dúvida... Na última coluna, publicamos a dúvida de um menino que perguntava se fazer sexo oral podia aumentar o pênis dele... (risos) [veja a matéria em www.uol.com.br/fsp/folhatee/fm0306200216.htm]. É óbvio que tem um ou outro que continua tendo essas dúvidas. Mas hoje, eles são mais informados, vivem numa sociedade mais liberal em relação ao sexo, quebraram vários tabus e mitos e são uma geração que consegue lidar um pouco melhor a questão dos preconceitos e das diversidades.
Folha Online - Você sente algum retrocesso no crescimento e na liberação sexual?
Bouer - O primeiro perigo é confundir autonomia com irresponsabilidade. Autonomia tem um pré-requisito básico que é se cuidar. Você tem autonomia, você é dono do seu nariz, porém, isso significa que é você quem tem de cuidar do seu nariz. Acho que corre-se o risco de confundir autonomia com falta de limite e falta de responsabilidade. Outro perigo, como eles são muito precoces, é que eles ainda se sintam imaturos para lidar com pressões para o não uso de camisinha e coisas do tipo. Sinto neles também uma ansiedade de experimentar demais. Como pode tudo, como a gente é mais dono do nariz, podemos fazer o que quiser. A menina vai para a festa e fica com dez meninos; o menino vai para a festa e fica com dez meninas. Não pode zerar na festa, tem que se dar melhor do que o amigo. Isso é muito over. Óbvio que com 15 ou 16 anos você ainda tem muito mais dificuldade de juntar o emocional com o físico. Alguns conseguem, namoram e têm namoros super legais, mas, às vezes, eu acho que eles talvez se percam um pouco neste caminho e acabem valorizando demais a questão da experiência pela ansiedade, da experiência pelo físico e abram mão da questão emocional, de olhar para eles mesmos e saber se está valendo a pena: será que eu quero, será que eu gosto.
Folha Online - Pela liberdade e quantidade de informações, você acredita que esta geração será de adultos mais preparados para a vida sexual?
Bouer - Eu acho que é uma geração melhor, não tenho dúvidas: menos reprimida e com tropeços naturais de todas as gerações, mas acho que é uma geração mais tranquila para lidar com essas questões. Eles vão ter mais jogo de cintura. Óbvio que vai ter sempre gente encanada, de uma maneira ou de outra.
Folha Online - Quais são os principais "segredos" para que um jovem tenha uma boa educação sexual?
Bouer - Os "pulos de gato" para trabalhar com eles são dois: autonomia com responsabilidade e redução de danos, que também dá para ser usado em sexualidade. Fez bobagem? Acontece! Bobagem todo mundo faz, de vez em quando rola mesmo. O importante é não continuar a fazer bobagem. Está tudo beleza? Então vamos começar a se cuidar.
Folha Online - No trabalho com adolescentes, qual é a maior dificuldade?
Bouer - Vencer a primeira etapa. Às vezes, eles passam por uma fase de arrogância, de onipotência, do "isso eu já sei" e "eu não tenho problema". É mostrar para eles que todos somos passíveis de falhas, crises, bobagens e tropeços. Vencer a barreira inicial e aproximar aquela informação do universo emocional deles talvez seja o grande obstáculo.
Folha Online - Que dica você daria aos pais que querem dar uma boa educação sexual para os filhos?
Bouer - A dica para os pais é estarem abertos para a discussão, entender que a sexualidade dos filhos não começa na adolescência. Começa muito atrás. Se os filhos percebem desde cedo que os pais estão abertos, quando chegarem à adolescência, os pais vão conseguir falar melhor.
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