Benzema renasce após pior temporada no Real Madrid e recupera status

Depois de passar anos à sombra de Cristiano Ronaldo, francês tem boa média de gols em 2018/19, com ajuda de Vinicius Junior. Mas segue dividindo opiniões: subestimado ou protegido?

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O número 9 é um dos poucos símbolos que driblaram a modernização do futebol e, ainda hoje, traz um recado praticamente universal. Ser "o camisa 9" é praticamente ter a obrigação de colocar a bola no fundo das redes, ser decisivo, artilheiro. Um homem-gol. E, por muitos anos, Karim Benzema sofreu com o peso de ostentar a 9 de um dos principais clubes do mundo sem os números - e o perfil - do centroavante tradicional. Mas a temporada 2018/19, de intensas mudanças para o Real Madrid, parece ter recuperado seu status.

Depois de ter sua pior temporada com a camisa merengue em termos de gols - com apenas 12 em 46 jogos em 2017/18, Benzema desperta novamente na torcida madridista a confiança de que possa ser decisivo. Em 39 jogos pelo Real Madrid na atual temporada, marcou 20 vezes, tendo uma média de 0,51 gols por partida. A próxima oportunidade será o clássico contra o Barcelona, na volta das semifinais da Copa do Rei, na próxima quarta-feira, às 17h (de Brasília).  Se seguir com esta estatística, o atacante de 31 anos terminaria sua jornada com média inferior a apenas três das nove temporadas anteriores: 2010/11, 2011/12 e 2015/16. Veja no gráfico abaixo o desempenho do francês desde que chegou ao Real Madrid.

Com o gol marcado na vitória sobre o Levante, no último domingo, Benzema chegou à casa dos 20 gols - marca que não atingia desde a temporada 2015/16, quando marcou 29 vezes. Em 2018/19, ele precisou de 39 jogos para chegar a esta estatística, enquanto com o mesmo número de jogos na última temporada ele havia balançado as redes apenas nove vezes.

Os números fazem com que Benzema, hoje, tenha muito mais "cara" de camisa 9 do que nos últimos anos. Tanto que o francês está na sexta colocação na disputa pela artilharia do Campeonato Espanhol, com 11 gols - enquanto na temporada passada encerrou a disputa na 55ª posição. Nada além do que um coadjuvante nas três conquistas da Liga dos Campeões merengues, hoje Benzema é protagonista. Mas o que mudou?

Fora da sombra de Cristiano Ronaldo

O primeiro item que vem à cabeça para a melhora de Karim é, naturalmente, a saída de Cristiano Ronaldo do Real Madrid. Contratado exatamente na mesma temporada que o português, Benzema chegou a travar uma disputa com Higuaín no começo de sua trajetória no Real - e saiu por cima. Mas, nos anos seguintes, perdeu o espaço de homem-gol para aquele que viria a ser cinco vezes o melhor jogador do mundo.

Reuters

Mas pode ser falha a impressão de que a saída de CR7 para a Juventus mudou as coisas para Benzema taticamente. Como Cristiano, de fato, aparecia bastante na grande área para finalizar, o francês se acostumou com uma intensa movimentação pelas laterais e até o meio de campo, carregando a bola de frente para o gol. E isso não mudou tanto na temporada 2018/19.

O mapa de calor de Benzema ao longo do Campeonato Espanhol mostra que o jogador segue atuando em todo o setor ofensivo, caindo pelos dois flancos e pisando na área. Na atual temporada, ele aparece muito do lado esquerdo e tem presença intensa na entrada da área - para tabelas e finalizações. Mas sua mancha "vermelha" já foi maior em jornadas anteriores, como 2016/17 e 2015/16. Veja na comparação abaixo, com imagens do aplicativo "SofaScore" (quanto mais escura a área, mais constante a presença do atleta).

O repórter Eric Frosio, correspondente no Brasil do diário francês L'Équipe, acredita que a saída de CR7, de fato, foi fundamental para o novo momento do camisa 9.

- Benzema tinha um problema esses últimos anos. Ele não conseguia ter estatísticas na altura de um camisa 9 do Real Madrid. Com a saída de Ronaldo, ele parou de ser o garçom do português e ele parece ter decidido assumir as responsabilidades. Sem ter a obrigação de servir o Cristiano, ele se soltou, está assumindo as responsabilidades e quer mostrar para a torcida que sempre reclamou dele - afirma Eric.

EFE/EPA/FRANCK ROBICHON

Para Fernando Kallás, jornalista do diário "As", de Madri, as mudanças que impulsionaram o desempenho de Benzema também têm origem no estado de espírito do jogador.

- Acho que é a melhor temporada dele no Real Madrid. Acho que ajudaram a saída do Cristiano Ronaldo do Real e esse vácuo que o Bale deixou, pois todo mundo esperava que o Bale que fosse ser o líder e a estrela do time. Acabou sendo o Benzema. A informação que a gente tem é que ele está com a cabeça no lugar, feliz, motivado. E que se dá muito bem com o Vinicius Junior. Ele reconhece que o Vinicius é um jogador que complementa o estilo dele, se encaixam muito bem. O tempo todo o Benzema busca o Vinicius. É a mistura do estado motivacional dele, a saída do Cristiano e o vácuo que deixou o Bale. Está jogando muito bem, e o grande problema da irregularidade e inconstância foi embora - opina Kallás.

Novo parceiro

A entrada de Vinicius Junior no time titular merengue parece mesmo ter impulsionado Benzema ao seu melhor futebol. Desde que o jovem passou a ser escalado entre os 11 iniciais, no começo de janeiro, o francês marcou oito gols em 13 partidas, elevando sua média para 0,61 tentos por jogo. Trata-se de um reflexo do bom relacionamento dos dois fora dos gramados.

Vinicius deixou claro, desde que chegou à Espanha, que foi muito bem recebido por Benzema, a ponto do francês postar fotos ao lado do jovem logo em seus primeiros treinos juntos. A joia brasileira, inclusive, disse que gosta de fazer jogadas em conjunto com o companheiro de ataque.

E a onda de elogios a Benzema não se limita a seus companheiros. O técnico Santiago Solari tem feito questão de exaltar o artilheiro de sua equipe na atual temporada. E celebrou a generosidade do atacante, que soma sete assistências até o momento.

 Dean Mouhtaropoulos/Getty Images

- Está tendo um grande ano a nível individual, está jogando muito bem. É uma referência na frente, está nos ajudando muito. Ele é muito generoso, não só no futebol, mas em sua entrega - opinou Solari.

Quase um ex-generoso

A generosidade citada por Solari, de fato, sempre fez parte das características de Benzema em campo. O próprio jogador chegou a se definir como um "camisa 9 que tem a alma de um 10", justamente por ter o costume de servir aos companheiros, como fez com Cristiano Ronaldo. Tanto que, em entrevista à "France Football" desta semana, o atacante admitiu que atuava muitas vezes para consagrar o português.

"Agora sou o líder do ataque. Antes, jogava em função de Cristiano. Sempre estava o buscando com o objetivo de ajudá-lo a marcar ainda mais gols. Eu estava em segundo plano, agora depende de mim demonstrar que quero marcar", disse Benzema.

Hoje, longe de Cristiano Ronaldo, Benzema tem números que passam bem mais perto das estatísticas do camisa 7, que marcou 21 vezes em 34 partidas pela Juventus - um desempenho abaixo do que vinha tendo nos últimos anos, quando tinha o francês de garçom.

De fato, Benzema ajudou CR7 a brilhar com a camisa merengue. E, por isso, o técnico Santiago Solari se mostrou incomodado quando perguntado sobre o francês em entrevista coletiva, afirmando que lamentava por aqueles que "descobriram Benzema na semana passada".

- Eu acho que Benzema sempre brilhou. Os jogadores que fazem os companheiros melhores têm um brilho especial. E Benzema faz brilhar seus companheiros, os faz melhores. Todo jogador que faz os companheiros melhores faz por talento, sacrifício, entrega, porque eleva o nível de compromisso do time. É um jogador que brilha.

"Temos muitos jogadores assim, e de cabeça são pouco lembrados. Parece que estão em segundo plano, mas estão no primeiro plano, brilhando com luz própria, que dá ao time competitividade, que é o que toda equipe precisa. Benzema é um desses jogadores, e creio que sempre brilhou", argumentou.

Subestimado ou supervalorizado?

Depois de surgir como promessa no Lyon e chegar badalado no Real Madrid, Benzema viu sua "moral" como centroavante diminuir, uma vez que não aparecia entre os principais artilheiros do mundo nas últimas temporadas. E, com um comportamento de certa forma explosivo fora de campo, sempre dividiu opiniões no estilo "ame-o ou deixe-o", embora seja, hoje, o sexto maior artilheiro da história do clube.

Para alguns, como Santiago Solari, Benzema foi subestimado em sua função como centroavante justamente por não marcar tantos gols quanto o esperado pela torcida. Para outros, ele sempre teve mais moral do que merecia, justamente por jamais ter deixado de ser titular de um dos times mais badalados do planeta.

- Eu não acho que ele seja subestimado ou injustiçado. Mais prestígio do que ser o atacante titular do Real Madrid, tricampeão da Champions e maior time do mundo? Esse é o maior prestígio do mundo. Ele era o titular da França até ser afastado por coisas que não têm nada a ver em campo. Ninguém duvida do potencial do Benzema. Se ele não tivesse o talento que tem, não teria continuado a ser atacante do Real Madrid. Não é injustiça ou subestimado. É o contrário. Se ele não fosse bom como é, já teria rodado há muito tempo - aponta Fernando Kallás.

Eric Frosio pensa parecido e diz que, hoje, consegue enxergar Benzema entre os cinco melhores do mundo. Antes, o colocava apenas em um top 10.

- Ele joga há 10 anos no Real Madrid. Isso prova que ele é considerado como um dos melhores, pelo menos pela diretoria do Real Madrid. Os torcedores do Real e da seleção da França criticaram o fato dele fazer poucos gols. Ele tinha o prestígio de um bom atacante, mas não de um dos melhores do mundo.

E na comparação com outros centroavantes que gozam de prestígio mundo afora, Benzema, de fato, fica para trás, como mostra o gráfico na sequência. A média de gols do francês quase sempre ficou abaixo do desempenho de atletas como Cavani, Suárez, Lewandowski, Agüero e Kane (sim, os dois últimos usam a camisa 10).

Os números, porém, parecem não incomodar em nada a diretoria do Real Madrid. Embora tenha sido alvo constante das críticas da imprensa espanhola e de torcedores merengues, Benzema, aparentemente, nunca foi contestado internamente. O presidente do clube, Florentino Pérez, deixou isso claro na atual temporada, fazendo um elogio para lá de ousado.

- Eu tenho lido em alguns veículos por anos que o Real precisa contratar um atacante, quando a realidade mostra que Karim é o melhor centroavante do mundo - disse o mandatário à "France Football".

Florentino Pérez e seus diretores de futebol não fizeram questão de trazer centroavantes de peso durante a era Benzema. Embora o Real tenha tido seu nome ligado a astros como Kane e Lewandowski, desembarcaram no Santiago Bernabéu apenas Morata - que chegou a marcar gols importantes, mas saiu em busca de espaço - e, agora, Mariano Díaz.

- A desconfiança da torcida acho que nunca chegou na diretoria, senão teriam contratado outro jogador. A preocupação sempre foi profundidade do elenco, não o time titular. Está certo que o salário do Benzema no últimos anos era altíssimo, e ele estava em baixa com os problemas da seleção francesa. Era difícil passar ele adiante, e a diretoria pode ter ficado sem alternativa senão apostar no potencial dele. Acho que ele pode ser um dos melhores atacantes do mundo no melhor dia dele. E a diretoria estava apostando nisso, que o Benzema chegasse em uma temporada como essa e fizesse o que esperava-se dele - afirma Fernando Kallás.

Benzema terá, nesta quarta-feira, a chance de provar sua boa fase como homem-gol em um jogo parar lá de importante para o Real Madrid: a volta da semifinal da Copa do Rei, diante do rival Barcelona, no Santiago Bernabéu. No primeiro jogo, as duas equipes empataram em 1 a 1. A bola rola às 17h (de Brasília), e o GloboEsporte.com acompanha o jogo em Tempo Real.

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