“A queda das temperaturas sem dúvida contribuiu para a morte de um sem-abrigo, durante a noite de segunda para terça-feira [19 de Janeiro], em Domont. Os serviços de socorro foram alertados, por volta da uma da manhã, por uma das pessoas sem domicílio fixo que habitualmente se recolhem numa cabana de um antigo armazém, nos arredores de Domont”, escrevia o jornal de Paris, no início de 2016.
Não se soube imediatamente quem era o homem de 43 anos que sucumbira às temperaturas na ordem dos cinco graus negativos, quando dormia na rua. Dias depois, o Bordéus anunciava a morte do seu antigo jogador Joachim Fernandez – mas seria a revista So Foot a estabelecer a ligação entre os dois acontecimentos: o sem-abrigo anónimo que morrera de frio, nos arredores de Paris, era o ex-internacional senegalês que representou os girondinos.
Apesar de nunca ter sido opção regular, Joachim fez parte de um tempo empolgante para o Bordéus. O então jovem senegalês, descrito por alguns como o “novo Desailly”, teve como colegas de equipa os já internacionais franceses Zidane, Lizarazu ou Dugarry. A temporada 1995-96 foi memorável na história do clube, com uma caminhada europeia que culminou na final da Taça UEFA, perdida para o Bayern Munique. Joachim Fernandez somou vários minutos nesse percurso, com destaque para a entrada, como suplente utilizado, no Bordéus-AC Milan da segunda mão dos quartos-de-final, que os franceses venceram por 3-0. Do outro lado estavam jogadores do nível de Maldini, Baresi, Panucci, Costacurta, Patrick Vieira, Desailly, George Weah ou Roberto Baggio.
O fim da temporada ditou a saída de Joachim do Bordéus. Seguiu-se uma época regular no Caen, que acabaria por descer de divisão, e uma incursão fracassada no futebol italiano com passagens pela Udinese, Monza e Milan (que não chegou a representar). Rumou à Escócia para vestir a camisola do Dundee United, mas o maior destaque desse período foi uma discussão com Paul Gascoigne, a quem apertou o pescoço, num jogo particular. A última etapa da carreira de Joachim cumpriu-se na Indonésia, com apenas dois jogos ao serviço do Persma Manado.
As lesões nos joelhos ditaram a despedida dos relvados e deixaram Joachim com uma sensação de vazio. O senegalês entrou numa espiral descendente, tendo-se separado da mulher. “A separação matou-o. E não poder voltar a ver o filho foi o pior para ele”, disse um amigo ao Le Parisien. Aqueles que lhe eram próximos dizem que Joachim não estava psicologicamente preparado para a vida longe do futebol e continuou a gastar mais do que tinha. Enquanto jogou, enviava grande parte do ordenado para a família no Senegal, e gastava o resto sem critério.
Não tardou a que Joachim se visse sem dinheiro e sem opções. Chegou a Domont, uma localidade nos arredores de Paris, em 2013. Ninguém suspeitou de quem seria: “Era muito discreto, para que ninguém soubesse do seu passado. Mas, a certa altura, percebemos”, confessou outro amigo. Marie, dona de um café, recordou uma pessoa “muito respeitosa”. “Todas as manhãs tomava café e fazia a higiene na casa de banho. À hora de almoço vinha comer uma salada. Queria ser como as outras pessoas. Cheguei a ter uma conta com o nome dele, e ele pagava quando podia”, acrescentou. Numa noite fria de Janeiro, Joachim não resistiu.