A manifestação popular foi a maior da história argentina. Milhões de pessoas se reuniram nas principais praças e avenidas de todo o país.
Só na cidade de Buenos Aires foram mais de dois milhões de torcedores, dos quais mais da metade concentrou-se na Avenida 9 de Julho, a mais larga da Argentina e tradicional ponto de manifestações do futebol.
Pelas ruas, a maioria dos torcedores exibiam orgulhosos a camisa 10 de Lionel Messi. Bandeiras, vuvuzelas, buzinas e todo tipo de demonstrações de euforia compõem o estado de graça de uma nação.
União sem fissuras
Não há registros de uma união e de um clima de confiança tão forte no país nem mesmo no bicampeonato de 1986, muito menos no campeonato de 1978, em plena ditadura. A seleção argentina em geral e Lionel Messi em particular conseguiram a proeza de superar a divisão social e a polarização política, pelo menos enquanto esta festa durar.
“Sinto uma alegria enorme. É a primeira vez que toda a sociedade, jornalistas, jogadores, torcida, todos incentivaram a seleção. Os jogadores conseguiram unir a Argentina que sempre caiu na polarização”, apontou à RFI o torcedor Luis Percul, de 58 anos.
“Em 1986, havia muita alegria, mas a equipe chegou ao México jogando mal e tendo perdido vários jogos amistosos. Poucos gostavam daquela seleção que ganhou com um gol de mão. Muitos odiavam o técnico Carlos Bilardo. Milagrosamente, fomos campeões. Agora, no entanto, jogamos muito bem, sempre sofrendo, mas jogando bem”, diferencia Luis.
Sofrimento
Rafael Santamaría, de 45 anos, também vê o país unido graças ao futebol e destaca a importância desta carícia na alma argentina, assolada por problemas econômicos.
“Acredito que esta festa vai durar muito tempo. A Argentina precisava muito ter uma alegria. Há muito que não vejo as pessoas a sorrirem assim. Viemos de problemas muito pesados. Agora vejo todos unidos e isso é fabuloso”, indica Rafael à RFI.
Ele tinha acabado de raspar a vasta cabeleira como promessa se a Argentina, finalmente, fosse campeã. Ao seu lado, a esposa Soledad, de 45 anos, destacou o valor de um grito que ficou entalado durante 36 anos.
“Nós somos um tango. Sofremos, sofremos, mas, no final, temos esta recompensa porque somos isto. Somos puro coração. E as coisas assim terminam tendo mais valor”, afirma Soledad enquanto todos ao seu redor cantam “somos campeões outra vez”.
Taça para a América do Sul
O clima de união surpreende os próprios argentinos numa sociedade marcada pela polarização política. “Esta é a primeira vez que eu vi tanta gente tão eufórica, tão confiante. Todo mundo. É uma felicidade muito grande”, festeja Maxi Bender, de 32 anos.
Filho de pai brasileiro, Maxi destaca a importância da conquista para o futebol sul-americano que agora tem 10 títulos, enquanto a Europa continua à frente com 13, um desequilíbrio atenuado com o pentacampeonato do Brasil em 2002.
“E pensar que o (Kylian) Mbappé disse que o futebol sul-americano não tinha o nível do europeu. Essa vitória é para ele ver”, dispara Maxi. “Uma Argentina campeã é muito bom para o futebol sul-americano. Os melhores jogadores da história são sul-americanos”, frisa.
“Não importa a rivalidade Brasil x Argentina. Hoje torcemos pela Argentina porque é a América do Sul”, reforça a brasileira Mariana Leite, de 32 anos, residente em Buenos Aires.
Maradona divino
Nicolás Adi, de 28 anos, desabafa emocionado com o grito de “campeão do mundo”. “Um dos meus sonhos foi cumprido. Algo que pensei jamais acontecer, aconteceu. Ainda não acredito que somos campeões. Tenho 28 anos e nunca vi a Argentina campeã do mundo. Agora, acabo de ver e ainda não acredito”, descreve Nicolás à RFI.
Durante todo o Mundial, Nicolás pedia que Diego Maradona operasse, do céu, um milagre. A cada nova vitória da Argentina, dizia que uma parte do milagre tinha sido realizada.
“O milagre aconteceu porque Diego nos ajudou, porque Diego nos escutou. Messi respondeu em campo. A equipe mostrou determinação. A torcida confiou. Tudo se alinhou”, acredita.
Glória eterna
A incógnita é quanto esse estado de graça vai durar entre os torcedores argentinos, famosos pelo fanatismo. A conquista do título, depois de 36 anos, foi classificada no país como “conquistar a glória eterna”.
“Esta festa vai durar pelos próximos três anos e meio, até o próximo Mundial. Mas no meu coração, a glória desta Copa vai durar a vida inteira. É a glória eterna de ter chegado ao ponto mais alto. Isso ninguém nos tira jamais”, garante Nicolás.
Porém, para Abdulaziz, de 37 anos, da Arábia Saudita, o milagre foi outro. Nesta final, ele torceu pela Argentina com a camisa do Messi, mas recordou o susto que a Arábia representou para a Argentina logo na primeira partida do campeonato. “A Arábia Saudita ganhou da Argentina. A Arábia ganhou do campeão”, cutuca.
Foi depois desse jogo perdido que Nahuel Ponce, de 21 anos, fantasiou-se de homem-aranha como superstição. Para esta Final, Nahuel levou vários outros torcedores vestidos de homem-aranha, já que eram necessários muitos gols para vencer a França.
“No primeiro jogo, eu não me vesti assim e a Argentina perdeu para a Arábia Saudita. Desde o segundo jogo, eu mudei e deu certo. A superstição funcionou. Já posso tirar a máscara porque os jogadores tricampeões são os verdadeiros super-heróis”, diz Nahuel. Os jogadores, agora heróis nacionais, chegam a Buenos Aires na noite desta segunda-feira (19).