Entre o calor e o frio, Isadora vira a “princesa do gelo” brasileira em Sochi

Filha de mãe mineira e pai americano, jovem que nasceu nos Estados Unidos escreve nome na história como primeira patinadora brasileira em Jogos.

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Toda vez que visita o Brasil, Isadora Williams gosta de tomar água de coco nas praias do Rio de Janeiro. Coloca os pés na água do mar, sente no rosto a brisa e a maresia. Não fosse o sotaque bem carregado, daria para dizer que é um típica garota carioca. Mas apesar da preferência pelo clima tropical, é sobre o gelo que menina nascida em Atlanta, nos Estados Unidos, estreitou ao máximo a relação com o Brasil, país de sua mãe, a mineira Alexa.

No ano passado, Isadora conquistou uma vaga inédita para a delegação brasileira na patinação artística para as Olimpíadas de Inverno. Em setembro, Isadora teve o melhor desempenho de sua carreira e ficou em 12º lugar no Troféu Nebelhorn, que valia como uma repescagem mundial do esporte. Como seis patinadoras do Top 10 já tinham vaga, a americana que tem cidadania brasileira ficou com a sexta e última vaga para os Jogos Olímpicos de Sochi. É dela o primeiro capítulo da patinação artística olímpica do Brasil.

A estreia de Isadora Williams na Rússia será nesta quarta-feira, às 12h (de Brasília), quando apresenta sua primeira coreografia, no programa curto. Se conseguir a classificação, a brasileira volta ao Palácio Iceberg na quinta-feira.

Aos quatro anos, em Ashburn, região metropolitana de Washington, a pequena Isadora dava suas primeiras - e tímidas - piruetas nos rinques de gelo. Todos os dias, o pai a levava para as aulas de patinação. Era fácil acordar a menina para as aulas, difícil era convencê-la de tirar os patins. Talvez por isso, ignorou o desejo da mãe de que jogasse tênis ou praticasse natação. A decisão ousada de defender a bandeira verde e amarela no esporte de inverno, no entanto, só veio posteriormente, quando teve a ideia de escolher o ritmo do "Tico Tico no Fubá" para embalar suas coreografias.

- Tudo começou de uma forma casual. Na época, minha treinadora me incentivou a patinar com uma música brasileira. Escolhi o "Tico Tico" e fiz uma roupa bem colorida. Eu me senti bem brasileira. Em 2008, comecei a treinar com o russo Andrey Kryukov, e foi ele quem me disse que teria boas chances de representar o Brasil. Sempre quis isso, desde muito pequena. Em 2009, fizemos um vídeo e enviamos para a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG) e fui convidada para representar o Brasil. Daí por diante, a patinação tomou outra dimensão na minha vida - disse a "brasileirinha".

A patinação artística, por outro lado, é um esporte caro. Mas nenhum gasto conseguia ser o bastante para frear a vontade da brasileira de estar nas Olimpíadas. Em 2012, Isadora se viu sem verba para competir internacionalmente e encontrou uma solução inusitada: criar um site e fazer uma campanha para a arrecadação de fundos. Após essa "vaquinha", garantiu um bronze no Golden Spin de Zagreb, na Croácia, e a vaga no Campeonato Mundial.

Vestir as cores de um país como o Brasil nos Jogos de Inverno já pode ser considerado um desafio por si só. Quando topou encarar, Isadora tinha um desejo que parecia distante: ser reconhecida no país que escolheu representar. Com a vaga garantida e às vésperas de escrever o seu nome na história, a menina já sente em parte realizada.

- Eu sabia das minhas limitações em representar um país tropical, sem tradição no esporte. Mas nunca perdi as esperanças. Nunca desisti do meu sonho olímpico. Um dia, eu disse para a minha mãe: "Será que algum dia o Brasil vai me reconhecer? Se eu tiver seis fãs brasileiros por mim já fico feliz". Eu às vezes me pergunto se o que estou vivendo agora é real. Ganhei o prêmio de melhor atleta do ano, e o COB fez uma linda festa para os atletas. Estava lá, no meio de tanta gente talentosa. Quanta honra - disse Isadora, que tenta melhorar aos poucos sua fluência na língua portuguesa.

Apesar do feito inédito, Isadora ainda é uma adolescente. Seu aniversário de 18 anos foi justamente durante os Jogos de Sochi, na semana passada. Apesar da rotina pesada com treinamento e escola, que começa antes mesmo 6h da manhã, ela tenta manter ao máximo uma vida normal. Tem um namorado, vai ao cinema, pratica ioga, lê livros e escuta muita música. Aliás, a música e a comida brasileira são uma forma de se manter conectada com o país.

- Feijão com arroz e brigadeiro são as minhas comidas preferidas. Gosto muito de ler, ir ao cinema e correr no fim de semana. Penso muito na minha família brasileira, sinto falta do contato com meus primos e tios. Adoro o clima tropical, as praias e comida e a música brasileira.

Roberto Carlos e Marisa Monte estão entre os hits preferidos de Isadora Williams. Jorge Ben Jor também é um dos mais tocados em seu MP3. Foi, inclusive, uma música famosa do cantor que fez a patinadora escolher seu time de futebol. Afinal, quase todo brasileiro tem um clube do coração.

- Eu gosto muito do Jorge Ben. Já fui até a um show dele aqui. Eu acho muito legal quando ele canta a música que diz que é Flamengo. Eu gostei e disse: "Eu também sou Flamengo". Estive com a minha família brasileira no fim do ano passado em Belo Horizonte, a metade é Galo e a outra metade Cruzeiro. A pressão foi grande para que eu escolhesse um time. Foi divertido - explica, com bom humor.

O clima quente do Brasil, no entanto, segue distante de Isadora. Para se manter em alto nível e continuar treinando com a estrutura ideal, ela deve permanecer por muitos anos nos Estados Unidos. Depois de concluir o colegial, a jovem pretende buscar faculdades que oferecem bolsas para atletas. Boa aluna, prefere matérias exatas, como física e cálculo.

A fonte de inspiração, no entanto, não está em solo brasileiro e nem americano. É na sul-coreana Yuna Kim que Isadora se espelha. A brasileira considera a atual campeã olímpica um exemplo de técnica e elegância no gelo e sonha conseguir pelo menos um de seus feitos: a popularização do esporte em seu país.

- Eu sou fã da Yuna. Ela é muito consistente tanto nos treinos quanto nas competições. É muito elegante, gosto da simplicidade com que ela executa os saltos e o programa todo. Faz tudo parecer tão simples. Para mim, ela é perfeita. Ela também veio de um país sem tradição no esporte e, hoje, a patinação é um esporte popular na Coreia do Sul. Eu também quero inspirar meninos e meninas brasileiras. Eu quero ver o esporte crescer no Brasil.

Para sua participação em Sochi, Isadora planeja saltos de maior dificuldade e uma coreografia nova no Palácio Iceberg de Patinação. O programa curto será inspirado na Espanha, e o longo, no Japão. Apesar de planejar voos altos no gelo, mantém, de certa forma, os pés no chão ao projetar seus objetivos nestes Jogos.

- Serão 30 patinadoras que vão apresentar o programa curto. Somente as 24 primeiras vão apresentar o longo. Eu quero estar entre as 24 primeiras - completou Isadora.

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