As mãos calejadas, responsáveis por fazer os adversários do peso-pesado "voarem" nas lutas de wrestling, agora, precisam de sensibilidade. A pegada firme no quimono para levar o oponente ao chão deu lugar à sutileza. O talento manual ainda é a base do trabalho de Rodrigo Artilheiro, multicampeão no judô, no jiu-jítsu e na luta olímpica, mas a potência foi substituída pela precisão cirúrgica. Informações do site GloboEsportes.com
Explica-se: o veterano, cuja carreira é ligada às artes marciais desde criança, se tornou escultor há um ano, nos Estados Unidos. Encarada como hobby, inicialmente, a atividade se tornou profissão.
- Eu comecei a esculpir há um ano, mas na brincadeira... As pessoas diziam que eu tinha habilidade, e eu me inscrevi em um seminário. Quando cheguei lá, eu era o único grandão. O Kevin Chambers, o escultor que viria a me ensinar tudo, percebeu e me sacaneou: "O que você está fazendo aqui? Veio fazer a segurança (risos)?". Eu respondi: "Vim aprender a esculpir (risos)". É um dom que eu não sabia que tinha. Todo mundo fica surpreso (risos). O que é isso, o Artilheiro virou escultor (risos)? As pessoas nunca imaginaram, mas é isso, tem que se reinventar - afirma o carioca, que mora em Atlanta, na Geórgia (EUA), em entrevista ao Combate.com.
Rodrigo Artilheiro, que atualmente também trabalha como professor de krav magá, a técnica de defesa pessoal criada em Israel, conta que foi em uma visita ao país que decidiu investir seu tempo na arte. O cotidiano como atleta adiou seu contato com o mundo das esculturas, porém, em 2019, aos 40 anos, decidiu utilizar a arte como "terapia".
- O pai de um amigo, que mora em Israel, participou da Guerra dos Seis Dias. Quando os israelenses voltam da guerra com Estresse Pós-Traumático e Síndrome do Pânico, são mandados para a Europa para esculpirem com argila. Eu sinto que passei por isso depois de perder meu pai (Arnaldo Artilheiro, ex-judoca). Eu me identifiquei e falei: "Acho que vai ser bom para mim". Estava quase com 40 anos, pensei que a hora de parar estava chegando. A luta nunca me deu tempo para outras atividades. E aí pensei em esculpir de vez ano passado, porque faria bem para mim. E isso se tornou algo mais sério do que um hobby, porque virou uma profissão, volta e meia me contratam para fazer algum busto. A escultura traz felicidade, esse é o maior benefício. O dinheiro é consequência, o importante é fazer o que você gosta.
O trabalho de Rodrigo Artilheiro impressiona para quem está há pouco tempo no ramo. E, embora suas referências sejam artistas plásticos renomados, suas inspirações seguem no esporte. É por isso que decidiu aliar as duas profissões e prestar uma homenagem a Helio Gracie. Foram três meses, do desenho ao produto final, para esculpir um busto de cobre do expoente do jiu-jítsu. O carioca doou a peça - de cerca de 15kg, com base em mármore - na última semana para a academia dos irmãos Valente, em Miami, onde há uma espécie de museu da modalidade.
- Tudo começa com o desenho, o 2D, porque ensina as linhas, a forma. Esculpir é desenhar no ar, então faço vários desenhos, assisto aos vídeos e vejo as fotos da pessoa em diferentes idades. Eu esculpia durante três horas e tampava a obra porque a vista estava cansada. Depois de algumas horas ou dias, eu via de novo e mexia. Quando você vê um quadro, é de uma posição só, como em uma foto. Na escultura, tem que subir na escada para ver de cima, se ajoelhar para ver de baixo, para trás, para os lados. Tem que fazer assim para ver se a perspectiva está boa de todos os pontos.
- Quando eu concluí, fiquei emocionado. O escultor coloca emoção na obra para deixá-la viva. A escultura é uma poesia sem palavras. É difícil fazer rosto humano, você busca o realismo, que é diferente da perfeição. O nosso rosto é imperfeito. É preciso calma e paciência - explicou Artilheiro, que também esculpiu Carlos e Carlson Gracie.
Em sua casa, que serve de estúdio para as obras, o pupilo de Amaury Bitetti passa horas a fio fazendo e refazendo rostos de personalidades. A mais notória, aliás, vai ser fundida em bronze. Antes do início da pandemia, ele se encontrou com CT Vivian, um dos ícones na luta pelos Direitos Civis, ao lado de Martin Luther King e John Lewis, para medir e "estudar" seu rosto. A obra de arte do herói nacional, que morreu em julho deste ano, ficará em seu museu particular, em Atlanta.
- Foi um encontro fantástico, na casa dele. Ele estava bem velhinho, conversamos um pouco, peguei a personalidade dele e tirei suas medidas para poder fazer a obra. A Denise Morse, filha dele, falou que eu capturei a personalidade dele na escultura. Fiquei muito feliz de ter sido escolhido pela família para fazer essa obra. Foi especial por ter conhecido o CT Vivian pessoalmente. Ele foi muito importante para a sociedade americana, junto com o Martin Luther King e o John Lewis. Foi uma grande honra esculpir esse grande ícone do movimento negro americano.
Em busca da "faixa preta" como escultor, Rodrigo Artilheiro repete os passos que o fizeram um lutador de sucesso: treino incessante, estudo e determinação. As artes marciais estarão sempre em sua vida e ganharam uma companhia. O futuro do brasileiro será construído através das esculturas.
- Sou obstinado, é algo que tenho desde a época de competidor, não faço nada por fazer. Já comecei a estudar para fazer uma estátua em tamanho real. A arte é um negócio profundo, e eu descobri meu dom.