Depois de sofrer o grave acidente durante um treino na neve das montanhas de Salt Lake City (EUA), em janeiro de 2014, quando perdeu todos os movimentos do pescoço para baixo, a ex-ginasta Lais Souza ganhou uma condição inédita, durante o ano passado, ao ser selecionada pelo Miami Project to Cure Paralysis, instituto americano que pesquisa a cura de diversos tipos de paralisia. Aos 26 anos, ela é a paciente pioneira de um novo tratamento à base de células-tronco, que, a se confirmarem as esperanças de médicos e pesquisadores, pode expandir os limites da recuperação de tetraplégicos.
Após receber em algumas sessões injeções de células-tronco na altura da coluna onde ela sofreu a lesão, Lais contou na semana passada, em entrevista à Sportv, que pela primeira vez passou a notar sensibilidade em parte dos pés e das pernas. Algo enormemente representativo para ela, mas por ora ainda muito incipiente para que se possa prever o alcance de sua recuperação.
Passando por um drama inevitavelmente vivido em público - ela se acidentou quando estava a serviço da seleção brasileira que disputaria as Olimpíadas de Inverno em Sochi, na Rússia, e mais recentemente viu a presidente Dilma Rousseff sancionar uma lei pela qual o governo brasileiro lhe concede pensão vitalícia -, Lais esteve novamente hoje diante de grande repercussão por uma condição de sua vida estritamente privada: a declaração, em entrevista publicada na edição de fevereiro da revista "TPM" (Trip Para Mulheres), em que assume publicamente a homossexualidade.
Num país ainda distante de se livrar do preconceito, não é comum que pessoas públicas declarem abertamente que são gays - e é mais raro ainda no universo do esporte.
- Eu tenho uma namorada, sou gay há alguns anos. Já tive uns namorados, mas hoje estou gay.
Dadas a uma revista que habitualmente aborda o lado comportamental e e pessoal de seus entrevistados, as declarações ganharam grande eco durante todo o dia de hoje na internet. No fim da tarde, em mensagem enviada por sua assessora de imprensa, Lais recolocou o assunto na esfera pessoal.
- Trato isso com naturalidade. Só fiz um comentário e isso não é o foco da minha vida. Estou envolvida com o meu tratamento. E as pessoas que são importantes para mim sabem tudo da minha vida. Isso é um assunto pessoal.
Ainda na entrevista à revista, Lais contou detalhes da sua recuperação e comentou o ineditismo do tratamento a que está se submetendo.
- Sei que muita gente gostaria de estar no meu lugar, por isso quero que dê certo, por mim, mas também pelos médicos, pesquisadores e por quem vai poder se beneficiar.
Sobre o dia a dia, ressaltou o retorno do convívio intenso com a mãe, que lhe ajuda em todas as tarefas. Uma proximidade familiar que ela havia perdido desde que deixou a casa dos pais em Ribeirão Preto, com dez anos, para iniciar a carreira de ginasta em São Paulo.
- Minha mãe me dando banho, trocando fralda, dando comida... - enumerou à TPM, garantindo que os momentos de angústia são raros e passageiros, quando ela desabafa. - Mãe, por quê comigo?
A reportagem da TPM conta ainda da proximidade de Lais com a deputada federal Mara Grabilli (PSDB-SP), uma líder no Congresso na luta em prol dos portadores de necessidades especiais.
Ainda são raros os casos de atletas brasileiros que assumem publicamente a homossexualidade. No futebol profissional é algo ainda inédito no país. A jogadora de vôlei de praia Larissa e a goleira da seleção brasileira de handebol, integrante da equipe campeã mundial em 2013, Mayssa, são alguns casos recentes.
Lais sofreu o acidente de esqui em 27 de janeiro do ano passado. A ex-ginasta treinava para o Jogos Olímpicos de Inverno, quando chocou-se contra uma árvore e sofreu deslocamento entre a terceira e a quarta vértebras, esmagando a medula. Naquele momento, ela perdeu toda a sensibilidade e a capacidade de se mover do pescoço para baixo. Lais correu risco de morte, e seu drama comoveu o Brasil.
Inicialmente, foi levada ao Hospital de Salt Lake City, onde foi operada para realinhar a coluna e reativar a circulação para a medula. Uma semana depois, foi transferida para Miami, onde concluiu o tratamento.
Depois de 11 meses de tratamento na Flórida, ela retornou ao Brasil em dezembro para continuar sua recuperação.