Os dias de Nelsinho Piquet no Brasil são raros. Disputando pela segunda temporada consecutiva a Nascar Truck Series, terceira divisão da categoria de turismo norte-americana, o filho do tricampeão mundial de Fórmula 1 Nelson Piquet se apaixonou pela cultura dos Estados Unidos, onde divide uma casa com dois amigos na cidade de Charlotte, e se livrou do receio inicial de viver no país.
Nascido na cidade de Heidelberg, na Alemanha, e com carreira construída toda no automobilismo europeu, Nelsinho Piquet a folga do calendário da Nascar, e concedeu entrevista exclusiva para falar sobre a adaptação ao automobilismo norte-americano e seus circuitos ovais, a vida fora das pistas e sua saída da Fórmula 1.
"Eu me apaixonei pelo esporte, por aquela cultura, de uma maneira que eu não acredito até hoje o tanto que estou feliz e confortável. Adoro minha casa, o lugar em que eu moro, as pessoas", afirmou o brasileiro da Silverado #30, que esperava brigar pelo título, mas ocupa a nona colocação da temporada.
Apesar de afastado da briga pela primeira colocação do campeonato, Nelsinho tem um resultado importante em 2012. Correndo provas esporádicas na Nationwide, segunda divisão da categoria, ele se tornou o primeiro brasileiro a largar na pole position de uma prova da Nascar, em Elkhart Lake, onde ainda dominou toda a corrida e venceu, feito também inédito para um piloto do País.
Companheiro de Alonso na equipe Renault durante uma temporada e meia na F1, o brasileiro reverenciou o espanhol, quem considera o melhor piloto do mundo, e acredita que seu compatriota Felipe Massa, mesmo em boa fase, não superaria o asturiano na disputa interna da Ferrari.
Em junho na prova da Nationwide em Elkhart Lake, um circuito misto, você se tornou o primeiro brasileiro a conquistar uma pole position na Nascar. Depois, dominou a corrida e foi também o primeiro do País a vencer na categoria. Esperava conseguir os dois feitos no mesmo fim de semana?
Nelsinho Piquet - Eu estava me sentindo bem, mas não sabia que seria um fim de semana tão perfeito como foi. Eu esperava disputar pela corrida, mas não dominar do jeito que a gente dominou. A pole sempre facilita. Você sabe que está todo mundo ali tentando fazer a volta mais rápida, então quando você consegue a pole, mostra que você está um pouco mais acertado, um pouco mais rápido naquela pista. Mas às vezes não significa nada. O cara pode ter cometido um erro e na corrida ele vem mordendo. Mas com certeza foi mais importante fazer a pole lá do que em um oval.
Com essa vitória você quebrou um jejum pessoal e chamou a atenção de brasileiros e norte-americanos. Dentro do seu plano de abrir o caminho da Nascar para pilotos do País, qual é a importância de um fim de semana como esse?
Nelsinho - Olha, acho que mais importante vai ser vencer em um oval e vencer o campeonato. Quando a gente começar a vencer com mais frequência, será uma coisa que os outros pilotos vão olhar mais de perto e vai criar interesse aqui para o Brasil.
E dentro da categoria? É o tipo de resultado que muda o seu status entre os outros pilotos e equipes da Nascar?
Nelsinho - Sim e não. A prova em circuito misto é uma coisa à parte lá. Obviamente conta, mas não é naquela pista em que fica todo mundo de olho, vendo quem está andando bem. Mas uma vitória é uma vitória e não dá para descartar ela assim. No ano que vem, devem surgir vagas para correr essas corridas, provavelmente na Sprint Cup .
Como é a relação entre os pilotos e outros trabalhadores da Nascar? Dá a impressão de que o ambiente é mais aberto do que na Fórmula 1, cheia de vaidades e glamour.
Nelsinho - A diferença é que todo mundo mora no mesmo lugar. A Nascar está concentrada em Charlotte, na Carolina do Norte, então todo mundo mora lá. Automaticamente, fica muito mais fácil você ter uma relação mais próxima. Na Europa cada um mora em um país diferente, então os finais de semana são um pouco mais, vai, tensos. Tem mais coisas para fazer. A Nascar reúne mais. Tem o formato de boxe, a gente fica lá todo mundo junto, entendeu? Eles não deixam montar aquelas paredes, aquelas coisa que dividem a equipe. Lá fica todo mundo lado a lado, todo mundo trabalhando. Então, automaticamente, o formato da Nascar acaba criando muito mais essa amizade, essa proximidade entre pilotos, mecânicos e engenheiros.
Então tem piloto que corre com você que é seu amigo?
Nelsinho - Sim. Amigo é uma coisa meio relativa. Tem amigo e tem amigo . Mas com certeza: os pilotos que não são casados ainda, que são mais novos, têm uma amizade boa. A gente sai junto de vez em quando.
Fora isso, o ambiente do automobilismo norte-americano é diferente da Fórmula 1 e das outras categorias europeias?
Nelsinho - A diferença da Nascar para a Fórmula 1 é que 80% das pessoas que trabalham na Nascar são apaixonadas pelo esporte, mesmo se tivesse que falar: "Daqui até o final da sua carreira da Nascar você vai ganhar um salário mínimo". Pô, o cara está fazendo aquilo porque ama, porque quer ficar. A diferença da Europa é que eu diria que no mínimo 50% das pessoas estão ali por causa do dinheiro. É uma coisa que quando ele chega em casa, esquece totalmente, não quer saber. E só volta a pensar no outro dia. Na Nascar rola muito mais aquela paixão pelo esporte, por pilotar, por mecânica, aquela cultura inteira. Então o cara vive aquilo com o maior prazer do mundo e não está contando as horas e os minutos para voltar para casa e descansar.
Isso dá motivação a mais para um piloto treinar, buscar a pole, a vitória?
Nelsinho - Dá porque é o que eu gosto, é isso o que eu gosto de fazer. Quando acaba uma corrida de Fórmula 1, achar alguém para ir treinar de kart, fazer uma brincadeira, não é fácil. Na Nascar, pô, os caras acabam a corrida no domingo e na segunda-feira estão correndo de outra coisa. Estão andando em um oval de terra, de bugue, ou de kart. É uma paixão verdadeira de pilotar e estar no ambiente o tempo inteiro. Em qualquer dia de semana, posso ir a um centro em que está tendo corrida, seja de bugue, kart, Nascar, Late Model. Em qualquer dia da semana está tendo evento de corrida em algum lugar e eu posso ir.
Você está em sua segunda temporada na Nascar Truck Series, ocupa a nona colocação do campeonato com 73 pontos de desvantagem para o líder Timothy Peters, e tem como melhor resultado do ano o terceiro lugar em Pocono, última prova disputada. Está sendo um ano positivo? Já está completamente adaptado?
Nelsinho - Não está sendo a temporada que eu sonhei em ter, obviamente eu queria estar disputando pelo campeonato. A gente teve um pouco de azar, um pouco de problema com o acerto do carro em algumas provas e isso acabou atrapalhando um pouco. Enfim, dando uma freada no nosso campeonato. Daqui até o final do ano brigar pelo título vai ser relativamente bem difícil, tinha que estar no mínimo entre os três primeiros. Mas se a gente conseguir vencer duas ou três corridas até o final do ano ficarei bem satisfeito.
A que você atribui essa diferença entre o desempenho esperado e o atingido neste ano? Das nove corridas da temporada você teve acidente em quatro, os dois primeiros colocados do campeonato não bateram nenhuma vez...
Nelsinho - Um pouco ao acerto de carro em algumas provas, que fez a gente andar um pouco mais para trás na classificação e isso aumenta o risco de ter um acidente. Então uma série de coisas que acontecem na corrida acabou atrapalhando. É muito importante terminar todas as provas na Nascar, por isso que é tão disputado. Todo mundo briga cada posição ali como se fosse a última volta. Você está muito mais tempo durante a prova em disputa do que na Europa, em que são poucos momentos em que você está brigando por posição.
É o seu segundo ano competindo regularmente na Nascar Truck Series, em que as provas são disputadas em circuitos ovais, e você nunca tinha andando neste tipo de pista antes de ir para os EUA. Conseguiu se acostumar nesse tempo?
Nelsinho - No ano passado tinha algumas pistas de que eu não gostava, mas acabei aprendendo um pouco mais e estou gostando praticamente de quase todas. Não estou com receio de não querer ir correr em uma pista, nada disso. Estou mais confortável.
Em quais pistas você tinha receio de andar até o começo desta temporada?
Nelsinho - Nas menores, porque a gente não corria muito. Martinsville, por exemplo, é uma pista muito pequena e a gente só anda lá uma ou duas vezes por ano. E, assim, é um tipo de prova muito diferente. Freia, acelera muito, freia, para o carro. É muito diferente. Na pista de uma milha e meia, das 20 e tantas corridas no ano , a gente tem no mínimo umas 14 ou 15. Então você pega a mão rápido. Esse tipo de pista que só tem uma ou duas corridas no ano, demora um pouco mais porque obviamente você faz menos corridas lá.
O acidente mais grave do seu pai foi nas 500 milhas de Indianápolis de 1992, uma prova disputada em pista oval, e ele precisou de diversas cirurgias para se recuperar. Quando você foi correr na Nascar, uma categoria com provas em autódromos deste tipo, ele falou alguma coisa?
Nelsinho - Não, não é coisa que piloto. Não é nem que não se fala para não passar medo. Não se fala porque não é coisa que está na nossa cabeça. Acidente é acidente, acontece em qualquer lugar. Poderia ter acontecido comigo em qualquer categoria: Fórmula 3, GP2 e Fórmula 1, é uma coisa inevitável. Obviamente as chances são um pouco maiores no oval, mas acho que na época dele também os carros não eram tão seguros. Hoje em dia a Nascar é super segura, os próprios Indy de hoje em dia são super seguros.
E fora das pistas? Você é nascido na Alemanha e fez quase toda sua carreira na Europa. Como está sendo sua adaptação ao estilo de vida na América?
Nelsinho - No começo tive um pouco de receio de ir aos Estados Unidos, porque não sabia como seria, nunca tinha ido muito para lá, tinha um pouco de medo. Mas eu me apaixonei pelo esporte, por aquela cultura, de uma maneira que eu não acredito até hoje o tanto que estou feliz e confortável. Adoro minha casa, o lugar em que eu moro, adoro as pessoas, sabe? É um país muito mais barato, muito mais fácil de morar do que o Brasil, então eu não trocaria lá por nada. A facilidade de ter uma vida boa nos Estados Unidos. Acho que foi isso daí que realmente me pegou, que me atrai por lá.
Ainda nessas diferenças entre ambientes. A preparação física para correr na Nascar é tão dura quanto para correr na Fórmula 1? Tem o caso do Montoya que engordou bastante desde que voltou ao automobilismo norte-americano e teve uma fase em que ele postava no Twitter o tempo inteiro falando que ia comer pizza, hambúrguer...
Nelsinho - A Nascar não é tão difícil como a Fórmula 1. Tem algumas corridas que são um pouco mais quentes, mas é um esporte fisicamente muito mais tranquilo se comparado com a Fórmula 1. Continuo fazendo minhas coisas porque todo mundo que mora na minha casa anda de bicicleta, corre, faz triatlo, então acabo indo na onda deles. Mas se eu não quisesse fazer nada, conseguiria correr sem me preparar fisicamente.
A preparação física foi uma das questões curiosas suas na Renault. Quem cuidava disso era o Gabriele Polcari, que tinha cabelo comprido, era meio barbudo. Você até estranhou quando descobriu que era ele o preparador...
Nelsinho - Ele, pô... Até hoje eu falo com ele. Se eu pudesse ter ele morando comigo e cuidando de mim lá nos Estados Unidos, não pensaria nem dois segundos. Mas ele abriu a clínica dele na Itália, está feliz lá, vai casar, então...Mas ele foi demais, se eu pudesse tê-lo de volta seria maravilhoso.
Nessa época da Renault você foi companheiro do Fernando Alonso, hoje tratado quase por unanimidade como o piloto mais talentoso dessa geração. O que você acha dele?
Nelsinho - Simplesmente o melhor do mundo. Ele é muito bom, acho que foi bom andar com ele porque me colocou em um nível que eu não sabia nem que tinha. Foi difícil andar com ele, mas acho que posso falar que andei com o melhor do mundo e foi muito bom. Ele é muito quieto, muito na dele. Mas é um cara superlegal, se você precisava de qualquer ajuda sempre te ajudava, te ligava. É um cara bacana, gosto dele.
Como você avalia a situação que o Felipe Massa vive na Ferrari? Ele está em 14º lugar no campeonato da Fórmula 1 com 25 pontos e é cobrado para ter resultados no mesmo nível do Alonso, que é o líder do Mundial com 164 pontos.
Nelsinho - Acho que é muito simples: o Alonso é o melhor do mundo e obviamente o Felipe não está na melhor época dele. Acho que está juntando um pouco de azar e o Alonso ser muito talentoso. Está dando nisso. Não tem muito que falar. É o Alonso. Qualquer um que sentar ali vai tomar fumo dele.
Mas em uma fase melhor, o Massa poderia estar em uma posição mais próxima do Alonso?
Nelsinho - Mais perto, sim. Andar na frente dele, nunca.
Foi como companheiro do Alonso na Renault que você conseguiu seu melhor resultado na Fórmula 1, o segundo lugar do Grande Prêmio da Alemanha de 2008. Foi uma das melhores provas da sua carreira?
Nelsinho - Não é nem a melhor, para falar verdade. Talvez não esteja nem perto de ser a melhor. Só que obviamente vou lembrar sempre porque foi meu primeiro pódio na Fórmula 1 e todos os pilotos sonham em ter um pódio na F-1. Naquela corrida a estratégia ajudou, e o que foi bom é que mantive o carro em segundo. Não é que fiquei ali só nas últimas cinco voltas. Foram umas 15, 20 voltas que eu segurei ali. O Felipe ficou ali atrás de mim naquela corrida e não conseguiu me passar, não conseguiu chegar perto. Acho que foi isso que a equipe gostou naquela época.
Também na Renault você conviveu com o Romain Grosjean, que foi quem te substituiu quando você deixou o time no meio de 2009. Na ocasião ele foi mal, mas hoje correndo pela Lotus é considerado um dos principais pilotos da temporada da F-1. Você acha que algo mudou nele nesses três anos?
Nelsinho - Ele deu muita sorte, entrou em um momento em que está com um companheiro um pouco fraco e um carro muito bom. Mas, de novo: se tivesse o Alonso ali, estaria ganhando o campeonato com aquele carro. Com certeza ele melhorou muito daquela época, mas não é nenhum fenômeno. Nada comparado ao Alonso. A sorte dele é que ele não foi bem na Fórmula 1, deram mais uma temporada da GP2, conseguiu um patrocínio e voltou para a Fórmula 1 pagando, né? Então as coisas deram certo para, como é que fala, na carreira dele. O timing foi muito bom para ele.
Faz três anos que você realizou a denúncia à FIA do caso em que bateu o carro a pedido do chefe da Renault, Flavio Briatore, para beneficiar o Alonso no GP de Cingapura de 2008. Passado todo esse tempo, estabelecido na Nascar, qual é sua avaliação sobre o ocorrido?
Nelsinho - Não tem muito que falar, acho que foi... Eu era muito novo, tinha uma posição meio vulnerável ali, estava sob pressão, não tinha nenhuma ajuda psicológica, de ninguém, estava sozinho. Enfim, meu empresário e chefe da equipe era a pessoa que eu tinha que ouvir e acabou acontecendo uma besteira. Mas todo mundo erra, todo mundo aprende. Estava em uma posição de muita pressão, era muito novo. Eu sei, é difícil você pegar um piloto que soubesse lidar com aquela situação naquele momento.
Esse caso só veio a público porque você fez a denúncia à FIA, o Massa ter deixado o Alonso passar no GP da Alemanha de 2010 só se tornou um fato conhecido porque o rádio foi gravado. Na Fórmula 1, há coisas de bastidores que o torcedor nem imagina?
Nelsinho - É a mesma coisa falar que tem muita coisa de bastidores que a gente não sabe da política brasileira, entendeu? Acontece em qualquer lugar e em qualquer área. Na própria empresa aqui deve ter coisa política, coisa interna, que você não sabe. Então, assim, tem coisa na Fórmula 1, como tem coisa em qualquer lugar do mundo. É normal.
Mas hoje você sente que o ambiente em que você está é menos carregado?
Nelsinho - Sim, talvez seja um pouco menos carregado, é mais direto. Mas isso é uma coisa que existe em qualquer lugar. Nem tudo que acontece é 100% transparente, em lugar nenhum existe isso. A gente não vive na Disneylândia.