Sarah Menezes está cansada. Sozinha, sentada em uma espécie de palco no Sesc de Ilhotas, onde treina, em Teresina, aos poucos ela se entrega ao sono. Põe as mãos sobre o joelho direito, coberto pela calça do quimono e às vezes dolorido devido à lesão sofrida em dezembro, no Japão. Pouco depois, a piauiense de 19 anos encosta a cabeça e cochila por alguns segundos. É acordada pela brincadeira de um colega, mas não dá muita atenção. Em seguida, a melhor atleta brasileira de 2009 volta a dormir.
Os dias de Sarah são longos. Este, porém, parece ter pesado ainda mais. Na noite anterior, tinha ido dormir às 2h da manhã, depois de fazer as lições do curso de inglês e de se perder na conversa com a irmã mais velha, Sâmia, que passa as férias na cidade. A judoca acorda sempre às 6h30m. Sonolenta, toma um café rápido e vai de ônibus até a sessão de fisioterapia. Gosta de chegar cedo:
- Tem muito idoso que vai para lá cedo. Então é bom chegar o quanto antes. Se não, não dá tempo de fazer todo o resto.
Na clínica, Sarah faz tratamento de microchoques e calor, em sessões que duram pouco mais de uma hora. ?Tô pior do que velhinha?, costuma dizer. Deitada e sozinha, ela geralmente aproveita o momento para cochilar mais um pouco. Na saída, com a recepção cheia, é alvo de olhares admirados e sussurros tímidos. ?É a Sarah Menezes, não é??, pergunta uma senhora.
- O pessoal daqui é muito tímido. Geralmente, olham, apontam, mas é difícil alguém chegar e cumprimentar, pedir autógrafo, fotos. As crianças são mais soltas, mas não é sempre. Às vezes, quando eu percebo, até confirmo que sou eu mesmo ? diz Sarah, achando graça.
Celebridade em Teresina depois de Pequim
Desde que foi a Pequim, em 2008, a judoca virou uma espécie de celebridade local. É capa de jornais e revistas, causa furor por onde passa. Depois do Prêmio Brasil Olímpico, quando foi eleita a melhor atleta do ano no país, muito por conta do bi mundial júnior, os holofotes aumentaram ainda mais. O número de entrevistas ? agora para todo o Brasil, ela ressalta ? também cresceu. Para Sarah, a premiação trouxe um reconhecimento inédito em todo o país.
Mas nem tudo é festa. As declarações de Poliana Okimoto e Cesar Cielo após o prêmio, criticando o formato de votação, soaram esnobes para Sarah. Um desmerecimento a suas conquistas durante o ano. A mágoa é perceptível também nas palavras de seu técnico, Expedito Falcão, mas a judoca prefere não criar polêmica.
- Não gosto disso - afirma, abaixando a cabeça.
O dia da piauiense continua na academia. Lá, cumpre um trabalho específico com o personal trainer Paulo Miranda há quase dois anos. Faz musculação, exercícios aeróbicos e ainda usa o quimono para ajudar em algumas atividades, em uma forma de estreitar a preparação com as competições. No fim, Sarah se arruma e espera pela carona de Expedito. Juntos, os dois seguem para um dos shoppings de Teresina, onde fazem curso de inglês.
Técnico e judoca estudam em uma classe separada, sem outros alunos. ?Por terem começado agora, eles ficam inibidos?, explicou a recepcionista. As aulas, que acontecem diariamente, começaram há menos de um mês. Apesar disso, o professor da dupla, Alfredo Soares, garante que a evolução é nítida. No primeiro dia, ele diz que o nervosismo tomou conta. ?Não tinha como pedir para que a Sarah se apresentasse. Todo mundo aqui conhece a Sarah!?.
A aula acaba, e a diretora da unidade pede que Sarah tire algumas fotos. A marca é uma das que apoiam a carreira da judoca, que não paga nada pelo curso. Apoios, aliás, não faltam. Sem patrocínio financeiro, a não ser o Bolsa Atleta do governo, são eles que permitem que a atleta tenha uma estrutura por trás dos treinos. No total, ela conta com nove auxílios, inclusive psicóloga, academia e faculdade, onde cursa Educação Física. Por causa de toda essa estrutura voltada só para ela, recusa toda proposta de mudar de estado, onde dividiria as atenções com outros.
Andando pelo shopping, mais olhares e alguns acenos. Durante o almoço, ela relê os tópicos da palestra que dará pela primeira vez na Universidade Aberta do Piauí. A ideia é promover uma série de cursos a distância para gente que, assim como ela, não tem como estar em todas as aulas. A apresentação é recheada de histórias e fatos que aconteceram com a judoca nas competições. Tímida no princípio, ela vence a inibição e arranca risadas da plateia, formada em maioria por professores da universidade e jornalistas. Inspirada em livros de autoajuda, como o do técnico de vôlei Bernardinho, Sarah tenta mostrar que é possível vencer, mesmo sem a estrutura de uma grande cidade por trás. O orgulho de ser piauiense é lembrado a todo instante e estampado na bandeira que carrega quase sempre.
- Não temos por que ter vergonha do nosso estado. Apesar da distância dos grandes centros, não devemos nada a ninguém. Temos de levantar a cabeça e ir em frente ? ensina a judoca, que já foi a mais de 17 países, mas não troca o Piauí por nada.