Em meio a um cenário de catástrofe, o futebol insistiu em voltar. Mais do que isso, resolveu que forjaria sua própria normalidade. Acabou surpreendido no contrapé da parte de quem menos esperava, pois tudo era ausência: a arquibancada vazia se manifesta como nunca. A arquibancada vazia nos diz, a cada jogo, em todos os jogos, que nada está normal. Informações do site GloboEsportes.com
"Não há nada menos vazio do que um estádio vazio", eis a mui conhecida frase de Eduardo Galeano. A sentença do escritor uruguaio referia-se às histórias que um templo guarda, mesmo que despovoado de quem lhe confere sentido. Pode ser aplicada hoje, de forma pesada e com trágica compreensão, ao futebol brasileiro. Não há nada mais cheio de sentido do que nossas arquibancadas vazias: elas me fazem pensar em quantos por ali passaram a hoje estão mortos. Elas me remetem, a cada instante, a que se passa no imenso lado de fora.
Tanto mais grita o vazio da arquibancada quanto mais se esforçam para disfarçá-lo. De forma patética e até constrangedora. Com o som da torcida ecoando pelo concreto hoje órfão, como hinos desvirtuados, ou telões que nos mostram uma forma de torcer de tempos longínquos, pois pré-pandêmicos, importando do passado uma alegria que no momento não existe.
A alternativa encontrada pelo Grêmio mostrou-se um tanto mais honesta: vários trapos e faixas pendurados no alambrado do centro de treinamento em Eldorado do Sul, para a partida contra o Ypiranga. Transmitia, mais que outras quinquilharias tecnológicas, a ideia de que o time continuava acompanhado. Não apagou, porém, a verdade que desaba diariamente: um país que logo vai bater 90 mil mortes está jogando futebol. E a colcha de trapos, por fim, ainda que singela, passava a assumir também ares fúnebres.
Em meio ao império de indiferença representado pelas desérticas arquibancadas, mesmo ocorrências graciosas tornam-se cartões postais de uma época condenada ao lamento, como é o caso do mascote do América-MG e seu churrasco de um homem só. Curioso de assistir, mas impossível de fazer que se armasse um sorriso, pois são tempos que desautorizam mostrar os dentes. E, também, nada é mais vazio que um churrasco solitário.
Um estádio desabitado sempre será um cenário hostil para o futebol, atividade primordialmente celebratória. É contra a própria natureza da arquibancada que se possa observá-la, assim, em sua estéril totalidade: precisa-se de gente, instrumentos, imprecações, suor e cartazes para que ela se justifique. Em um país devastado, no entanto, hoje a arquibancada detém o incômodo silêncio que nos fala sobre humanidades e desumanidades, mas, por mais estridente que seja, é provável que esse grito não consiga atravessar a cortina de surdez.