O tempo já tinha se esgotado. O assessor de imprensa da Fifa avisou: "Última pergunta". Mas, depois da que seria a derradeira resposta, surge um clamor entre os jornalistas por mais um questionamento. Mesmo com a negativa do condutor da coletiva, usando como argumento o cronômetro da programação de véspera de jogo, o técnico Tite permitiu ser sabatinado por mais alguns minutos. Um "atentado" à rigidez da Fifa que mostra um pouco como funciona a relação do técnico com os jornalistas. Na Copa do Mundo, a "Titebilidade" ganhou uma vitrine que chega ao "mercado" estrangeiro. Não só em relação às preferências táticas do treinador, mas também no comportamento com a imprensa e no discurso adotado em solo russo.
A "prorrogação" nas coletivas já aconteceu pelo menos duas vezes. Tite é simpático, pedes desculpas, agradece no fim, e os "soldados" da Fifa acabam baixando a guarda. Por mais que a tradução das respostas muitas vezes não venha completa, a mesma estratégia de encantar também alcança os repórteres estrangeiros que acompanham a seleção brasileira.
- Ele é muito bom em responder uma pequena parte da pergunta e aí inserir o ponto de vista dele. Já ouvi um jornalista inglês dizer que Tite tem a imprensa brasileira na palma da mão. Não sei se é tanto assim. Mas não acho que isso seja por acidente. Ele tem um charme. E não precisa ser charmoso em inglês - comenta o irlandês Joe Callaghan, que foi correspondente do britânico Daily Mail em 2014, no Brasil, e cobre o Mundial da Rússia para o jornal Toronto Star, do Canadá.
Em um artigo publicado no jornal inglês The Guardian, o jornalista Barney Ronay pontuou, com alta dose de ironia, que Tite fala "por tanto tempo e de forma tão apaixonada, que depois de alguns instantes você começa a se perguntar sobre o fechamento do metrô ou do crescente perigo de desidratação". Barney ainda citou a disposição de Tite para responder as várias dobradinhas feitas pelos brasileiros. De fato, são muitas "duas em uma".
Muita coisa no jeitão de Tite é novidade para a imprensa estrangeira. Há um certo tom crítico a respeito da relação, talvez, amistosa demais com os jornalistas brasileiros. Mas há elogios, principalmente à proposta de colocar assistentes técnicos, preparadores físicos e também os médicos na roda de perguntas.
- Para mim, a diferença maior é a presença dos auxiliares para falar de diferentes assuntos. É muito interessante. Se falamos da saúde de um jogador, tem o médico. Se fala sobre o 4-4-2, tem o auxiliar. É bom. Dá uma imagem de um treinador que se preocupa de mostrar a face das outras pessoas - diz Regis Dupont, que acompanha a seleção brasileira pelo francês L'Équipe.
Para Dupont, há traços no comportamento de Tite que lembram os de um técnico que é admirado pelo brasileiro: o italiano Carlo Ancellotti. O francês, que acompanha o futebol português e por isso domina o idioma, consegue captar uma linha similar a de um professor ou até de um pregador.
- É um pouco como um professor, sim. E até como um pregador. Ele tem um carisma. Não é o Dunga, por exemplo. O Tite poderia ser um evangelista de televisão. Deve ser muito impressionante a fala dele com os jogadores - completou.
Nos episódios recentes de Tite na Copa, ainda está viva na memória a forma com a qual o treinador se comportou diante das polêmicas envolvendo Neymar, especialmente após o jogo contra o México. Minutos antes da coletiva do Brasil, o técnico da seleção mexicana, Juan Carlos Osorio, tinha feito duras críticas ao jogo brasileiro, no aspecto comportamental, indiretamente dizendo que o camisa 10 tinha simulado muito. Tite, então, não permitiu que o melhor em campo na vitória brasileira pelas oitavas de final da Copa respondesse ao desabafo do lado derrotado.
- Osorio, por exemplo, foi muito duro com o Neymar na coletiva dele, e estava certo. O Tite veio e desarmou a bomba. Pegou todos os fios e resolveu o problema. Para mim ele é uma das melhores figuras da Copa até agora - pontuou o polonês Pawet Wilkowicz, do site Sport, que já conhecia a fama o técnico brasileiro graças a um amigo torcedor do Corinthians.
Retrocedendo ainda mais nos episódios da Copa, Tite deixou explícita a estratégia quando o assunto é trabalhar a cabeça dos jogadores e amenizar o clima diante da imprensa. Foi assim na véspera da decisiva partida contra a Sérvia, a terceira pela fase de grupos. No momento de maior pressão, lá veio o treinador descontrair a coletiva - algo que ele mesmo admitiu - ressaltando que tira e coloca pilha nos jogadores quando necessário.
Esse traquejo com a parte psicológica do grupo já foi captada por quem nem o conhecia antes do Mundial.
- Ele é um personagem fascinante, sua dialética encanta e eu realmente gosto da relação direta e confidencial que ele tem com a maioria dos jornalistas. Eu também gosto muito de sua característica emocional: na minha opinião, no futebol moderno, um técnico deve, acima de tudo, saber administrar as relações humanas, entender seus jogadores, saber como se relacionar com a mídia. Tite faz tudo isso - comenta Francesca Benvenuti, do canal italiano Mediaset.
Mas por que os ventos sopram tanto a favor de Tite quando se trata do contato com a imprensa? Joe Callaghan tem um palpite:
- Ele tem um ótimo jeito de lidar com as coisas. Mas, no fim das contas, tudo tem a ver com os resultados.
O desfecho da Copa colocará tudo à prova.