Na última vez em que o Vasco chegou à final da Copa do Brasil, em 2006, um atacante era a sensação do futebol brasileiro. Jogando ao lado de Romário, Valdiram apareceu rapidamente no cenário nacional. E com a mesma velocidade sumiu após ser afastado do elenco na véspera da decisão contra o Flamengo. Na época, a diretoria cruz-maltina alegou que o promissor jogador havia cometido um grave ato de indisciplina, mas não revelou oficialmente qual teria sido o problema. Era o início de uma batalha contra a bebida e as drogas.
- Ele chegou atrasado e embriagado à concentração. Ele poderia ter nos ajudado na final, mas não se ajudava - lembra o técnico Renato Gaúcho, que comandava o Vasco.
Cinco anos depois, Valdiram é apenas um dos 280 homens que buscam reabilitação em um sítio em Nova Iguaçu, cidade da Baixada Fluminense. Os gastos com bebida, mulheres e drogas fizeram o atacante perder tudo o que havia conquistado no futebol. Agora, ele tenta um recomeço no Instituto Vida Renovada, braço social de uma igreja evangélica, e divide espaço com traficantes, estupradores e assaltantes. Pessoas de alta periculosidade que tiveram progressão da pena e tentam recomeçar a vida - como o jogador de 28 anos.
Valdiram está há um mês sem ingerir bebida alcoólica e consumir cocaína. Mesmo período em que também pratica abstinência sexual. Ele não tem acesso à internet, teve que abrir mão do telefone celular e, no estagio inicial de tratamento, é proibido de assistir à televisão. Tudo isso para tentar se curar do vício em sexo e em cocaína.
- Tive uma recaída grande porque não estava preparado para a fama. Rapidamente, fiquei famoso. Ganhei muito dinheiro. Mas estava sozinho no Rio de Janeiro. Não tinha ninguém do lado para me orientar. Então, cai no mundo da prostituição e da bebida.
Natural de Canhotinho, interior de Pernambuco, Valdiram revela que começou a beber cerveja aos 10 anos. Nunca mais conseguiu largar a bebida alcoólica. Mesmo assim, disse ter passado por cerca de 20 clubes ao longo de 15 anos de carreira. O fundo do poço veio de dezembro do ano passado até maio de 2011. Época em que ele admite ter usado diariamente cocaína.
- Minha vida foi caindo. Os clubes fecharam as portas. Ninguém me queria. Não conseguia ficar num time 30 dias e já era mandado embora. Tinha alguns amigos em comunidade no Rio e passei a frequentar a casa deles. Foi aqui (no Caju, Zona Norte da cidade) que experimentei. Fiquei usando cocaína por cinco meses, todos os dias - confessou o atleta, que garante não ter lançado mão das drogas no auge da carreira, quando foi artilheiro da Copa do Brasil de 2006 pelo Vasco, com sete gols.
Outro tormento na vida de Valdiram foram as mulheres. A incontrolável compulsão sexual do jogador foi determinante para podar a sua carreira. Quando defendia o CRB, clube que o revelou, foi acusado de estupro. No Vasco, não resistia nem às funcionárias de São Januário. A ponto de ser chamado atenção pela diretoria cruz-maltina. Mas a situação se complicou de vez no Central-PE, no início deste ano.
- Eu morava em um hotel, no centro da cidade de Caruaru. Chamei quatro mulheres para lá, bebemos bastante e houve aquele escândalo. Ligaram para o presidente do clube, e ele chegou no momento em que as mulheres saíram correndo nuas pelos corredores. Éramos quatro jogadores, mas, como eu tinha um passado ruim, acabei sendo dispensado - lembrou o atleta, que chegou a assinar contrato de dois anos com o Vasco. Porém, ficou metade desse tempo por não se entender com o técnico Renato Gaúcho - quem hoje considera um pai.
Valdiram foi casado até 2009. De lá para cá, separou-se e vive distante dos filhos Letícia, de 7 anos, e Valdiram Júnior, de 4. Considera a ex-mulher uma das melhores amigas, e, por isso, arrepende-se de não ter sido um marido fiel. O rompimento o fez cair em depressão. O motivo da queda? O jogador tinha como hobby sair com rainhas de bateria das escolas de samba do Rio de Janeiro.
- Não conseguia ficar um dia sem mulher.
Do dinheiro que ganhou no Vasco, ele comprou uma casa para os pais, para a tia que o criou até os 15 anos e presenteou cada uma das três irmãs com um imóvel em Canhotinho, cidade do interior de Pernambuco. Também tem um carro em seu nome, mas aos cuidados dos parentes na mesma cidade.
- Ajudei mais a minha família do que a mim mesmo - reconheceu.
Analfabetismo, parceria com Romário e idolatria no Vasco
Analfabeto, Valdiram sequer sabe escrever o próprio nome. Porém, conseguiu realizar dois sonhos de infância: jogar ao lado de Romário e ter o nome gritado por um Maracanã lotado de vascaínos. O que o atacante não esperava é que os dois desejos realizados tinham prazo de validade. Pior que isso, se transformariam em pesadelo. A fama subiu à cabeça do jogador após um jogo emblemático para a sua carreira.
- Depois que fiz um gol contra o Fluminense, na semifinal do Carioca de 2006, transmitido pela televisão para todo o país, passei a não conseguir mais andar nas ruas - exagerou, justificando o assédio que não conseguiu controlar.
Renato Gaúcho foi o treinador que mais tentou ajudar Valdiram quando os problemas fora de campo começaram a aparecer. Mas todo o esforço cruz-maltino de nada adiantou diante do vício.
- Ajudei muito. Perdoei várias vezes. Dei conselho, mas infelizmente a bebida foi mais forte. Ele me escutava. Consegui com o presidente que ele morasse dentro do Vasco. O Eurico contratou uma professora particular que dava aula dentro do estádio. Mas, ele faltava. Fugia, ia para a noite... Sabia que ele tinha problemas com álcool e era indisciplinado. Mas cocaína não sabia - disse Renato Gaúcho.
Na última semana, Valdiram diz que recebeu conselhos por telefone da dupla tetracampeã mundial Romário e Bebeto, além de ter conversado com o ex-presidente do Vasco Eurico Miranda. No sábado passado, também esteve em São Januário. Não para ensaiar uma volta ao clube, mas para assistir a uma partida entre Duque de Caxias e Criciúma pela Série B do Brasileiro. Não conteve a emoção ao perceber que jogou fora um futuro promissor no futebol.
- Fazia cinco anos que eu não ia lá. Só que os funcionários da rouparia, da segurança e da fisioterapia me reconheceram e vieram falar comigo. A cada momento, eu lembrava daquelas 20, 30 mil pessoas que gritavam o meu nome só de eu tocar na bola. Ali foi a minha casa, a minha vida. Sonho um dia retornar ao Vasco e fazer aquilo que fiz em 2006.
Recomeço depois de vicio em cocaína pode acontecer no Duque de Caxias
Treinando há uma semana no Duque de Caxias, o atacante deve assinar contrato com o clube da Baixada Fluminense para disputar a Segundona. Enquanto isso, ele não consegue se desvencilhar do Vasco. Prefere lembrar os momentos de alegria no Gigante da Colina. Chora copiosamente ao recordar de uma cena comum nos estádios. No entanto, inesquecível para quem não soube administrar o sucesso repentino no futebol.
- Não me esqueço de um Vasco x Internacional, pelo Campeonato Brasileiro de 2006. Minha filha entrou em campo comigo no colo, ao redor também havia muitas crianças. Tiraram uma foto daquele momento e meus pais fizeram um pôster. Toda vez que vou a Recife, me emociono ao ver essa imagem. O demônio roubou o meu dinheiro, mas não levou a minha alma - disse, em meio às lágrimas.
Atualmente, Valdiram vai a presídios contar a sua história de vida. O "traje boleiro" deu lugar ao estilo esporte fino. O jogador só comparece aos treinos do Duque de Caxias, no estádio do Tigres, em Xerém, vestido de terno e com a bíblia debaixo dos braços. Um funcionário do centro de reabilitação o leva e traz para que não ocorram atrasos.
- Ele não queria ficar na igreja porque ia ter que dormir com pessoas que já tinham matado e roubado. Sequestradores, traficantes e estupradores que estavam ali do lado. Ele me contou depois que, na hora de dormir, ficou preocupado, olhando de um lado para o outro. Acabou passando a noite com pessoas que pagaram sete, oito e até 20 anos de cadeia. Ficou impressionado com o currículo delas. No dia seguinte, quando o Valdiram foi ao meu gabinete, oramos juntos - disse o pastor Marcos Pereira, líder da instituição.
Após um mês de tratamento espiritual, o jogador apresenta outra fisionomia. Pelo menos é o que garante a cantora gospel Nívea Silva, filha do líder da igreja.
- Ele chegou aqui acabado. Ganhou 8 kg em 30 dias e agora vai ter que emagrecer para voltar a jogar - entregou a jovem, em meio às gargalhadas.