O próprio Mano Menezes reconhece: ninguém sonha ser treinador de futebol. Para aqueles que fogem a esta regra, ele está no posto mais cobiçado. E também o mais cobrado. De questionamentos de familiares a vaias na arquibancada, Mano tem menos de dois anos para comandar a Seleção na Copa do Mundo em casa. Recentemente, ouviu gritos de "burro" e pedidos por Luiz Felipe Scolari em jogos no Brasil. Em entrevista exclusiva ao GLOBOESPORTE.COM na Polônia, o treinador garante que as vaias não o abalaram para a sequência do planejamento até 2014.
- É uma situação obviamente desconfortável. Mas é preciso conviver. Técnico que nunca foi chamado de burro não é técnico de futebol. É técnico de outra coisa - disse.
Em Breslávia, local do amistoso de terça-feira contra o Japão, Mano conversou por 40 minutos. A entrevista foi realizada no hotel onde o time está concentrado, dois dias antes da goleada por 6 a 0 sobre o Iraque, em Malmo, na Suécia. Nela, o técnico fez uma análise da profissão que abraçou e chegou a uma conclusão:
- A gente não fala, mas ninguém tem sonho de ser técnico de futebol. Tem de ser jogador ou atleta de qualquer outra modalidade. Ninguém começa a vida pensando ser treinador de futebol, depois chegar à Seleção e ser campeão do mundo. Objetivamente não temos esses sonhos.
Confira abaixo a íntegra da entrevista exclusiva com Mano Menezes. Ele fala também sobre Neymar, da relação com a torcida e que é cobrado até em casa.
Como imagina que será seu dia 13 de julho de 2014 (data da final da Copa)?
O futebol está tão imediatista que não penso nisso. Não é possível. Temos tanta coisa para fazer até lá que temos de estar focados. Se não vamos nos perder nesse emaranhado de decisões que precisamos tomar de forma correta para chegarmos bem da maneira que queremos na Copa do Mundo.
Ser técnico da Seleção numa Copa do Mundo é algo que você sonhou?
É obvio que você não pensa. A gente não fala, mas ninguém tem sonho de ser técnico de futebol. Tem de ser jogador ou atleta de qualquer outra modalidade. Ninguém começa a vida pensando ser treinador de futebol, depois chegar à Seleção e ser campeão do mundo. Objetivamente não temos esses sonhos. Mas quando você começa um trabalho que vai culminar numa Copa, especialmente em nosso país, é óbvio que pensa terminar campeão do mundo. Mas como já disse, ainda não estamos pensando nisso. Temos muita coisa para fazer até lá.
Você não conhece ninguém que tinha o sonho de ser técnico?
Todos os meninos da minha idade que tinham sonhos relacionados ao futebol queriam ser jogador. Mas claro que podem ter virado técnico. Ou por não ter tido uma carreira grandiosa ou por ter tido e depois ter enveredado nessa profissão. Ser treinador acaba sendo uma consequência do futebol.
Diante disso, você se sente realizado por ser técnico de futebol?
Sim. É ótimo poder construir alguma coisa, montar equipes vencedoras, principalmente num país onde o futebol é uma paixão. É algo muito gratificante.
É triste saber que a felicidade de treinador dura pouco?
Futebol é um segmento da vida, por isso a felicidade eterna não existe. Temos momentos felizes, sim, mas são breves. Você vence uma partida e já termina pensando na outra. Quando você ganha um Campeonato Brasileiro, uma Libertadores, uma Copa do Mundo e continua trabalhando no mesmo lugar, certamente dali a cinco dias a exigência é a mesma. Mas mesmo assim tenho certeza que vale a pena. Os momentos de felicidade são breves, mas intensos.
Você acha que a atuação do treinador está superdimensionada?
A dimensão do cargo de técnico de futebol ficou muito maior nos últimos anos. E a maior prova disso é que você vê direcionado para os mesmos nomes a confiança e a possibilidade de dirigir os grandes clubes. E porque circunstancialmente aumentaram muito as obrigações de um técnico. É preciso se envolver diretamente no trabalho para que ele seja bem sucedido. E em consequência disso, nós somos muito valorizados na hora da vitória, e aceitamos isso com mais naturalidade porque é gostoso ouvir elogios, mas na mesma proporção somos muito criticados e apontados como culpados em caso de derrota. São os dois lados da moeda. Eu diria hoje, sem medo de errar, que montar taticamente uma equipe é a parte menos difícil do trabalho de um técnico. O mais complicado é lidar com a mídia esportiva, quase gerenciar a carreira dos jogadores, que hoje, com staffs, se tornaram verdadeiras estrelas e empresas, se relacionar com os dirigentes, com o público...
É notável que mesmo nos momentos mais complicados da Seleção você tem mantido uma frieza que não tinha na época de clube. O que mudou?
A intimidade com o jogador no clube é muito maior. O tempo de convivência e a proximidade te permitem ir além em determinadas situações, porque a aceitação daquilo será melhor e no dia seguinte você está na relação para consertar o que houve de errado. Na Seleção, por outro lado, você faz uma partida ou duas na sequência e depois vai se encontrar novamente dali 60, 90 dias. Nesse período sem convivência não é possível corrigir atritos. A atuação é diferente. Mas eu não faço nada premeditado em relação a isso. Nem é possível premeditar tanto, porque toda hora acontece algo novo que muda toda a situação, como um gol aos 20 segundos.
Mas em relação às críticas do torcedor você também tem mantido a calma. Você não acha que o próprio torcedor quer ver um pouco de ira em você?
O fato de não estar satisfeito pode produzir diversas reações. E eu nunca estou satisfeito quando acho que as minhas equipes estão produzindo abaixo do que eu acho que elas podem. Mas o fato de eu estar insatisfeito não me dá o direito de ser mal-educado, grosseiro e desrespeitar o torcedor, embora eu ache que muitas vezes ele é injusto. Mas isso é uma questão pessoal. Técnico que nunca foi chamado de burro não é técnico de futebol. É técnico de outra coisa. Então é preciso estar preparado para isso sem perder o equilíbrio, porque você vai continuar trabalhando no jogo e não poder deixar de enxergar soluções. Mas claro que não é bom. Imagina você (jornalista) escrevendo e alguém no seu ouvido te chamando de burro e gritando nome de outro profissional. É uma situação obviamente desconfortável. Mas é preciso conviver.
Muitos dizem que o povo perdeu o amor pela Seleção. Como o treinador pode ajudar na recuperação desse sentimento?
Bom, eu penso que o povo brasileiro continua amando a seleção brasileira da mesma maneira. E o fato de ter alguma reação diferente disso, que caminhe na direção contrária, é circunstancial, como sempre foi. Se não tivesse amor, a torcida não iria aos hotéis onde a Seleção está, não iria com dez mil pessoas ver um treinamento, não lotaria estádio. Isso é amor. As outras questões estão ligadas à alteração do mundo. Hoje há uma confusão na cabeça do torcedor, que ora vê um time só com jogadores que atuam no Brasil, como no Superclássico, depois vê a equipe completa, mas com mudanças por conta da relação com os clubes. Tudo isso atrapalha. O salário de estrelas dos jogadores também criou um distanciamento da realidade das pessoas normais. Isso vale para os técnicos também. Mesmo assim, acho que o amor continua.
Para a Copa do Mundo de 2014 é necessário que o Brasil faça campanha parecida como fez Portugal na Eurocopa de 2004?
O brasileiro sempre teve esse comportamento em relação à seleção brasileira nas grandes competições. Principalmente na Copa do Mundo. Não acho, portanto, que seja necessária uma campanha na mesma proporção que Portugal fez.
Você costuma ligar para outros treinadores e trocar experiências?
Costumo conversar com aqueles técnicos que tenho mais afinidade. Mas não tenho o hábito de perguntar o que acham da equipe, o que poderiam propor como alteração, porque essas decisões do futebol exigem muito conhecimento do dia a dia. E o adversário não pode saber de nada. Até por isso 70% do que acontece no futebol, da essência dele, ninguém fala. Só falamos os 30% que podem. Por isso nossas entrevistas são tão parecidas e as respostas também. Não é porque não temos inteligência para falar melhor. É porque realmente não podemos falar.
Certa vez, o Parreira disse que em 2006 ele olhava para os consagrados Ronaldo, Ronaldinho, Cafu, Roberto Carlos e não via mais empolgação neles, por eles já terem conquistado tudo na carreira. Essa é uma vantagem que você tem, ter um grupo sem tantas conquistas e que quer a Copa do Mundo?
Olha, eu não vou dizer que eu queria ter os problemas que o Parreira teve porque seria um desrespeito com os atletas de agora. Mas existem momentos e momentos. Há compensações por ter no grupo jogadores consagrados e existem pequenos problemas. Ao mesmo tempo em que eles podem se acomodar por terem conquistado quase tudo, eles estão muito bem preparados para momentos grandiosos, em que é preciso impor respeito. O futebol, como na vida, tem os dois lados.
O esporte de alto nível está cada dia mais exigente. É saudável?
Não. O esporte de alto nível é agressivo há muito tempo. Seja qual for a modalidade. Não é uma questão ligada proporcionalmente à saúde. Saúde é outra coisa. Esporte de alto nível te dá compensações financeiras, mais do que nunca, mas proporcionalmente ao ganho tem um desgaste muito grande em todos os aspectos.
Principalmente no lado psicológico...
Existe uma seleção natural de quem suporta e de quem não suporta. Esses vão ficando no meio do caminho. Mesmo que demonstrem capacidade técnica, vão sucumbindo à pressão, porque não é só a sua mãe e sua família, por exemplo, que tem sonhos em relação à Seleção, a minha mãe e a minha família também tem.
Você é muito cobrado em casa, Mano?
Por todos. A maioria respeito, claro, mas tem uns da família que querem saber porque vai esse ou aquele na convocação. São as mesmas dúvidas e perguntas do torcedor.
Por falar em cobrança, você é questionado nas ruas como é nos estádios?
Não tenha dúvida que tem uma diferença muito grande. E é importante mesmo dizer isso. A maioria das pessoas que encontro nas ruas dá força. E por isso falo que a questão do amor pela Seleção ainda está intacta. O que acontece é que muitas vezes fica fácil se esconder na multidão, porque você é anônimo. Mas eu continuo pensando que a maioria dos brasileiros é dos que pensam com a razão.
Para encerrar, Mano, independentemente do que aconteça daqui por diante, é possível dizer que a cara da sua Seleção é a cara do Neymar?
Não gostaria de colocar sobre os ombros do Neymar mais essa responsabilidade, de ele ser "o cara" da Seleção. Eu sempre digo que acredito muito no trabalho das equipes. E só é possível ganhar uma Copa do Mundo tendo uma grande Seleção. Nela, claro, alguns jogadores se destacam individualmente, mas isso é consequência de uma grande equipe. E o Neymar está entre eles. Mas tudo isso só vale se fizermos uma ótima Copa do Mundo. Do contrário, não vai valer absolutamente nada.