Pilotar sem habilitação, falando ao celular, dirigir alcoolizado, deixar o capacete no braço ao invés de usá-lo na cabeça, costurar o trânsito. Basta sair às ruas e avenidas de Teresina para flagrar, com bastante facilidade, erros como esses, cometidos diariamente por motociclistas na capital. Mas o que, para eles, pode, no máximo, gerar-lhes uma multa e pontos na carteira de habilitação, são na verdade os principais fatores responsáveis pelos números alarmantes de mortes e acidentes de trânsito envolvendo motociclistas em todo o Brasil.
Em Teresina, de janeiro a agosto deste ano, o percentual de mortes em acidentes de trânsito, envolvendo motocicletas, chega a 94,4%, de acordo com dados da Companhia Independente de Policiamento de Trânsito (Ciptran).
“Os principais motivos de tantas mortes e acidentes graves envolvendo motociclistas são a imprudência e o alto número de veículos desse tipo trafegando nas ruas de Teresina. Nós sabemos que a frota de motocicletas cresceu muito nos últimos anos e continua aumentando”, afirmou o comandante da Ciptran, major Adriano Lucena.
Os números do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) comprovam a afirmação do major. Eles mostram que, em todo o Piauí, o número de motocicletas é maior do que o de carros. Dos 871.877 mil veículos que circulam no Estado, em 2014, 496.811 são motocicletas, o que corresponde acerca de 57% da frota piauiense. Esse número apresenta um aumento em relação aos dados registrados em 2013, quando as motocicletas representavam 47,33% do número de veículos que trafegavam pelo Estado.
Jovens são os que mais se envolvem em acidentes
O perfil etário de condutores que se envolvem em acidentes de trânsito com motocicletas é de pessoas mais jovens.
Os dados do Projeto Vida no Trânsito, relativo ao primeiro trimestre deste ano, mostram que 75% das vítimas fatais de acidentes de trânsito são pessoas com idade abaixo de 38 anos de idade.
Vários fatores podem explicar esses números, mas segundo Samyra, dois dos principais motivos é a falta de experiência e de cuidado no trânsito. “Para qualquer coisa que vamos fazer nessa vida, nós precisamos de experiência para que se faça bem feito e o jovem ainda está começando a pilotar, muitos deles nem têm habilitação ainda, o que demonstra falta de experiência e maior probabilidade de erro, e isso se junta à falta de cuidado no trânsito e acaba resultando em acidente. Além disso, quando jovem, a pessoa tende a não ter medo, a gostar do risco, a buscar a adrenalina, e tudo isso contribui para que aconteçam acidentes de trânsito”, argumentou.
Os dados mostram ainda que, das pessoas que se envolvem em ocorrências desse tipo, tanto com carro como com motocicleta, a maioria é do sexo masculino, chegando aos 90% para vítima fatal e 85,5% para acidentes graves. Os vitimados têm idade em torno de 18 a 45 anos, com destaque para a faixa etária de 26 a 35 anos, correspondendo a 37% no caso de acidentes graves.
Conduta de risco
Ele pilotava sua motocicleta sem habilitação, alegando não ter tempo para conciliar faculdade, trabalho e as aulas da autoescola. Costurava o trânsito porque, segundo ele, assim conseguiria chegar de forma mais rápida aos seus compromissos e, se o telefone tocasse, era só encaixá-lo dentro do capacete, perto do ouvido, e dar início à conversa. Nas saídas com os amigos, nunca deixou de consumir álcool, e na hora de ir de um lugar a outro, ele dizia que sua “boa e velha moto” o levaria onde quisesse.
Essa é a história do auxiliar de escritório Joacy Araújo, que, até 2013, se dizia um “cara de sorte”, pois mesmo cometendo tantos erros no trânsito, nunca foi parado em nenhuma blitz e nunca teve sua motocicleta retida, o que, para ele, até então, seriam as piores consequências do seu comportamento de risco no trânsito. Hoje, ele continua se achando um “cara de sorte”, mas por outro motivo, ele agradece não ter perdido a vida no grave acidente de trânsito que ele sofreu em outubro de 2013.
A história de Joacy é vivida todos os dias por um número muito significativo de brasileiros e teresinenses. Alguns têm a mesma sorte que ele e continuam vivos, outros nem tanto assim. Uma prova disso é o alto número de acidentes com vítimas fatais envolvendo esses veículos. Dados do Projeto Vida no Trânsito, divulgados na semana passada, pela Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (Strans), mostram que 51,2% dos acidentes com vítimas fatais, registrados no primeiro trimestre deste ano, envolviam motocicletas.
Outro dado alarmante revelou que 80% dos acidentes de trânsito, em que as vítimas dão entrada no Hospital de Urgência de Teresina, envolvem moto. De janeiro até agosto deste ano foram registrados 9.966 acidentes de trânsito, sendo que deste número 7.976 envolveram motociclistas. Só no mês de agosto, foram 1.107 acidentes com moto, sendo estes casos graves, cujos pacientes tiveram necessidade de internação por mais de 24 horas no hospital para a realização de procedimentos clínicos e cirúrgicos.
Muitos desses acidentes, no entanto, poderiam ser de menor gravidade ou até mesmo evitados, caso fossem tomados alguns cuidados básicos, como o uso de capacete, velocidades compatíveis com as vias, não consumo de bebida alcoólica, dentre outros. Os dados para o primeiro trimestre deste ano, do Projeto Vida no Trânsito, mostram que, considerando os acidentes com vítimas fatais, 4,9% destas estavam com suspeita de ingestão de bebida alcoólica e 7,3% não usavam capacete. Já entre os feridos graves, 20,6% estavam com suspeita de ingestão de álcool e 12,7% estavam sem capacete.
“A motocicleta já é um veículo frágil e que não oferece muita proteção ao condutor e a única forma de se manter seguro no trânsito é seguindo as normas, evitando comportamentos de risco, como a ingestão de bebida alcoólica, trafegar acima da velocidade permitida, falar ao celular, dentre outros. E o que não pode ser esquecido também é o uso do capacete, acessório indispensável ao motociclista, e responsável por diminuir a gravidade das consequências do acidente”, alertou a gerente de Educação no Trânsito da Strans, Samyra Motta.
Dados do manual “Capacetes”, da Organização Mundial da Saúde, mostram que, quando usado corretamente, o capacete reduz em 72% a gravidade da lesão e em 39% as chances de morte. O caso de Joacy exemplifica muito bem o quanto alguns cuidados básicos, inclusive o uso do capacete, podem salvar a vida de uma vítima de acidente de trânsito. No momento em que ele foi colhido pelo veículo, que invadiu a sua preferencial, usava capacete e não estava em alta velocidade. “Graças a Deus eu estava usando capacete e ele estava devidamente afivelado, caso contrário, poderia ter sido muito pior. Hoje eu sei a importância de respeitar as normas de trânsito e, além de estar habilitado, hoje ando com muito mais cautela”, disse.
Metade dos alunos já pilota motocicletas quando chega às autoescolas
O problema de motociclistas que trafegam pela cidade sem habilitação pode ser comprovado em autoescolas de toda a capital. A reportagem do Jornal Meio Norte ouviu instrutores e gerentes das principais autoescolas da cidade e comprovou que mais da metade dos alunos que pretendem tirar a habilitação nas categorias A ou AB, já pilota motocicletas, o que acaba levando perigo aos demais condutores no trânsito.
“Essa é uma realidade percebida facilmente. Essas pessoas fazem o caminho inverso, primeiro compram a moto e só depois de algum tempo começam a tirar a habilitação. Muitos fazem isso porque não podem pagar o veículo e a autoescola ao mesmo tempo. Mas, fazendo isso, eles assumem todos os riscos possíveis contra a vida deles próprios e dos outros condutores”, lamentou a instrutora teórica e prática de uma autoescola de Teresina, Socorro Batista.
O gerente e instrutor de outra autoescola da capital, Raimundo Rodrigues, afirma que a falta de conhecimento sobre sinalização e legislação e a imprudência desses condutores é muito grande, o que, para ele, explica o alto número de acidentes de trânsito em Teresina. “Esses condutores compram a moto e só depois de serem pegos em blitze e terem sua motocicleta apreendida é que se interessam em tirar a habilitação. Eu acredito que a imprudência e a falta de conhecimento deles é o que causa esse alto número de acidentes em Teresina”, disse.
Socorro afirma ainda que todos os erros e vícios cometidos no trânsito são levados para a sala de aula e para as aulas práticas, o que acaba dificultando na hora de conseguir a habilitação. “Nessas horas, nós temos a dimensão da quantidade de erros cometidos no trânsito. Eles dizem que sabem pilotar, quando na verdade eles sabem apenas colocar a moto em movimento. Eles são muito imprudentes, não dirigem de forma defensiva, não conhecem o Código de Trânsito, o que acaba tornando o aprendizado deles ainda mais difícil. É muito mais fácil ensinar quem nunca pilotou uma moto do quem já se diz motociclista. Muitas vezes, ele tem dificuldades até mesmo para passar no teste do Detran, devido aos vícios que ele carrega há anos. Por isso, o mais adequado sempre é só dirigir quando habilitado”, afirmou.
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