Apenas no primeiro semestre de 2021, o Brasil registrou mais de 33,6 mil casos de violações de direitos humanos contra idosos, um número que demonstra a ausência de empatia e respeito pela vida. Chegar à velhice com fácil acesso à saúde, alimentação e liberdade é um direito, mas nem todos têm a mesma sorte e se tornam vítimas do abandono e da violência.
O Abrigo São Lucas, situado na zona Leste de Teresina, também acolhe vidas marcadas pela violência física, sexual e financeira. Embora seja difícil superar ou recordar o próprio passado, uma pequena parcela de idosos confronta o silêncio para diluir uma dor.
Atualmente, Antônio de Pádua, 76 anos, é conhecido no abrigo como um idoso carinhoso, sorridente e cheio de vida. Porém, para ele, o destino deixou grandes cicatrizes. Natural de Campo Maior, Pádua foi vítima da violência econômica e abandono. Segundo ele, uma sobrinha mantinha todos os seus bens materiais, incluindo cartões bancários, fora do seu alcance. Essa situação desencadeou frustrações e desentendimentos familiares. Disposto a mudar de vida, o idoso saiu de casa com destino a Teresina.
Chegando à capital piauiense, a falta de assistência e documentos pessoais levou Pádua para as ruas. Passando fome e sem esperanças de conseguir ajuda da população, ele apelou para uma farsa na calçada da Igreja São Benedito.
Em um local estratégico, o idoso sentava, entrelaçava as pernas e fingia ser uma pessoa com deficiência física. Antônio de Pádua exibia um chapéu para coletar trocados de alguns fiéis. "Era meu jeito de conseguir um alimento e comprar algo. Foi difícil ficar no sol, passar sede e fome, mas fingir era a única coisa que eu podia fazer. Minha sobrinha não me dava dez centavos", relata.
Coordenadora resgata idoso das ruas de Teresina
A situação de Antônio de Pádua não passou despercebida diante dos olhos atentos de Liliane Costa, coordenadora do Abrigo São Lucas. Ao observar o idoso com atenção, ela percebeu que havia algo de errado. "Fiquei olhando e logo desconfiei. Não fazia sentido a forma como ele entrelaçava as pernas. Cheguei no Pádua e falei que aquilo não era certo. Em resposta, ele pediu dois reais, mas eu respondi que poderia oferecer uma cama, comida e carinho. Ele não gostou da proposta", recorda.
No começo, Pádua ficou desconfiado, não era acostumado a receber uma oportunidade de melhorar a vida no lugar de algumas moedas. "A morena [Liliane] veio e disse que tinha um lugar para mim, eu não queria, tinha medo, recusei, mas depois aceitei", comenta Antônio.
Quando o idoso decidiu sair do local, a coordenação do Abrigo São Lucas levou três meses para recuperar os direitos de Pádua, recorrendo à Delegacia do Idoso, em Teresina, para resgatar documentos pessoais e cartões bancários.
Liliane Costa ressalta que em nenhum momento julgou o idoso ou encarou a situação como um erro que não pudesse ser perdoado. "Ele passava fome e não tinha alternativas. Pádua é um idoso consciente, sabe da nossa importância para ele e também que ele é muito precioso para nós", expressa Liliane.
APOIO
Esta matéria faz parte de uma iniciativa do Grupo Meio Norte de Comunicação (GMNC) em parceria com instituições sociais para apoiar a população em situação de vulnerabilidade socioeconômica, entre outros grupos que foram impactados pela pandemia da Covid-19. A ação compartilha histórias com objetivo de transformar vidas e arrecadar recursos financeiros para compra de alimentos e demais materiais solicitados pelas entidades participantes.
PIX SOLIDÁRIO
Para fazer doação à Fundação Abrigo São Lucas, é possível fazer um PIX por meio do número do CNPJ 00329756000189.