O Brasil é um dos campeões mundiais de acidentes de trânsito, ligados, quase sempre, à imprudência, imperícia ou negligência dos condutores de veículos automotores. Nos últimos dias ganhou grande repercussão na mídia o acidente que matou um ciclista no Rio de Janeiro, cujo condutor do veículo era filho de um dos maiores empresários brasileiros, Eike Batista. O caso fez surgir uma polêmica no que diz respeito à punição aos crimes de trânsito.
O caso do Rio de Janeiro foi registrado na polícia como homicídio culposo, aquele em que não há a intenção de matar, uma vez que, embora previsível o resultado, o mesmo não foi previsto, desejado ou aceito pelo autor.
No entanto, alguns detalhes do dia do acidente já o configuram como crime previsto pelo Código de Trânsito Brasileiro, como a suposta retirada antes do trabalho pericial do veículo conduzido por Thor Batista, filho do empresário.
Em casos como esse, não se deve modificar o local. O art. 176, III, do Código de Trânsito Nacional, prevê como infração administrativa deixar de preservar o local, dificultando os trabalhos da polícia e da perícia.
O procedimento correto é acionar a polícia, que, por sua vez, envia a perícia criminal para isolar a área. O perito tem capacidade de identificar vestígios fundamentais para entender o que houve. Segundo o especialista em Direito Penal, Lucas Villa, homicídios e lesões corporais no trânsito podem se dar por dolo direto, dolo eventual ou culpa.
?Dolo direto é a intenção de praticar o crime, o desejo deliberado de obter o resultado danoso, como, por exemplo, mirar o carro em alguém e atropelar, intencionalmente, esta pessoa. Já o dolo eventual, embora o agente não deseje diretamente o resultado, assume o risco de produzi-lo, aceitando-o.
Quanto ao crime culposo, que segundo o advogado é a maioria dos casos, o que se tem é uma conduta em que o agente deixa de observar um dever de cuidado exigível de qualquer pessoa comum e acaba causando um resultado indesejado previsível, mas que, em razão de seu descuido, não foi previsto por ele?, explica o especialista.
É considerado crime culposo quando o condutor, ultrapassando sinal vermelho, atropela um pedestre que não tinha sido visto por ele. ?Vale ressaltar que, num acidente de trânsito em que ocorra morte ou lesão corporal, nem sempre haverá crime, pois se o condutor não desejou o resultado, aceitou-o ou foi imprudente, negligente ou imperito, não haverá infração penal de sua parte, como acontece, por exemplo, em casos de culpa exclusiva da vítima?, lembra o advogado e professor de Direito Penal.
Sociedade quer punição severa
O inquérito contra Thor está em curso na Polícia Civil e não há nenhuma informação sobre os resultados da investigação, porém já causa uma certa indignação por parte da sociedade. Em razão do clamor social, há discussões sobre aplicação do dolo eventual aos crimes de trânsito, em que o condutor está acima da velocidade ou embriagado. ?A meu ver, o Código de Trânsito Brasileiro já solucionou essa questão, quando tipifica expressamente o crime de homicídio como culposo. Na grande maioria dos casos os crimes de trânsito são, realmente, culposos, e defender o contrário, muitas vezes, é forçar a barra?, destaca Lucas Villa.
Por outro lado, a estudante Sarah Fontenele defende que os acidentes de trânsito com vítimas fatais poderiam ser considerados como homicídios. ?O trânsito mata todos os dias, por irresponsabilidade. Além da falta de respeito com pedestres, ciclistas e motociclistas. Não são apenas carros que formam o trânsito?, lembra a estudante.
Para o advogado, as penas para os crimes de trânsito causam inquietação na população, que está seduzida pelos discursos fáceis dos movimentos de lei e ordem, acreditando de forma ilusória que penas mais severas e maior rigor na lei penal seriam suficientes para solucionar o problema da criminalidade no Brasil.
?A criminalidade no Brasil é um problema muito mais estrutural, social e cultural do que realmente legislativo. O problema da criminalidade brasileira, aí incluso a dos crimes de trânsito, não é a brandura das leis, mas a falta de aplicação delas, ou seja, não as penas pequenas, mas a impunidade?, conclui o jurista.