As portas de todos os cômodos da casa de João (nome fictício) estão sempre fechadas. Os móveis da cozinha e da sala também ganharam fechaduras. Essa foi a única maneira que a família encontrou para conter os furtos de casa, cometidos pelo próprio João. Alcoólatra, para manter a bebida ele vende o que puder levar de casa: roupa, alimentos, utensílios domésticos e até as frutas do quintal.
Essas são as moedas de troca de uma pessoa que não consegue conter a obsessão pelo álcool, que já começou aos 14 anos. O nome verdadeiro de João não é revelado porque isso é vergonha para a família. Poucos querem tocar no assunto. É incômodo falar dos transtornos. Por causa do álcool ele já roubou, agrediu a e adoeceu. E não adoeceu sozinho. Toda a sua família sofre as consequências do álcool.
Hoje João vive de favor na casa de alguns parentes. O casamento acabou depois que a sua esposa foi embora com os filhos. O motivo: violência doméstica. Quando estava bêbado, João espancava a família, chegou a quebrar a mão da mulher e jogar água quente em uma das crianças, que sofreu queimaduras graves.
O alcoolismo foi cruel. Além do abandono da família, que não suportou o drama, João já perdeu coisas valiosas, como trabalho, confiança e a integridade. ?Ele já foi trazido para casa em carrinho de mão porque foi encontrado caído nas ruas.
Em casa ele é uma preocupação constante, porque não sabemos de que forma ele vai voltar, se é caminhando, se é nos braços ou se é morto?, diz um familiar que também não quis se identificar.
Segundo ele, a família já buscou tratamento em centros de apoio a alcoólatras, mas João nunca passou mais que seis meses sem beber. E quando isso acontece, os problemas são devido a abstinência.
Alcoolismo não é vício, mas doença que não tem cura
Embora ainda visto por muitos como um vício, o alcoolismo é uma doença. Na verdade, uma enfermidade fatal, com o poder de destruir famílias e, até a vida. O alcoolismo é colocado pela Organização Mundial de Saúde como um flagelo imediatamente abaixo do câncer e dos distúrbios cardíacos e aparece como a terceira causa de morte no mundo.
Isso porque é responsável por 60 doenças que levam à morte. A dependência da bebida responde por 40% das consultas psiquiátricas no Brasil. Ainda assim, o álcool possui grande aceitação social e seu consumo é estimulado pela sociedade.
Incurável, progressiva e de terminação fatal, a obsessão gradativa pela bebida se instala lentamente na vítima até, nos últimos estágios, dominá-la inteiramente. Um sintoma do alcoolismo é quando o usuário coloca a droga como o centro dos seus objetivos e passa a beber todos os dias.
É a partir daí que o alcoólatra começa a sentir os primeiro sintomas físicos provados pela dependência, como os tremores e taquicardia. ?Então o alcoólatra começa a beber para parar de sentir esses sintomas. Na maioria das vezes ele sente necessidade de beber no início da manhã?, destaca Mauro Passamani.
O psiquiatra acrescenta que o alcoolismo não tem cura, apenas controle. Isso porque o organismo possui um mecanismo chamado ?memória do álcool?, que faz com que o abstêmio volte a beber na mesma intensidade de antes. ?Com apenas uma dose o vício pode retornar ao mesmo estágio de antes?.
Álcool, 1ª droga na vida do jovem
É comum ouvirmos falar que uma pessoa bebe muito, mas não consegue ficar bêbada. Considerado até um elogio nas mesas de bar, esse é o primeiro sintoma do alcoolismo. ?Quando uma pessoa precisa ingerir muita quantidade de álcool para sentir os efeitos provocados por ele, é um sinal do alcoolismo?, explica o coordenador do CAPS AD- unidade de saúde que presta atendimento a pessoas com transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas, o psiquiatra Mauro Passamani. As propagandas de bebidas mostram jovens animados, enturmados e sorridentes, que brincam, dançam e se divertem tomando seus drinques. A realidade, porém, nem sempre é tão glamourosa.
Por se tratar de uma droga social, sendo assim dificilmente uma pessoa não bebe, o fácil acesso leva ao consumo precoce. No Brasil, o álcool é a primeira droga experimentada pela grande maioria das pessoas. A estimativa é que a quantidade de dependentes seja o dobro das drogas ilícitas e o estrago provocado pela dependência chega a ser tão avassalador quanto o crack ou cocaína.
A bebida tem um efeito direto do Sistema Nervoso Central, que leva o usuário ao prazer emocional, na verdade, uma alteração de consciente. É desta forma que inicia a dependência pelo álcool. Estimativas apontam que 12,1% da população são dependentes de álcool.
Em Teresina, o álcool é que move a violência doméstica. Dos cerca de 6 mil processos em andamento na vara da violência doméstica na capital, 80% está associada ao uso do álcool e outras drogas. O agressor, geralmente, é do sexo masculino, tem entre 19 e 54 anos e mora no domicílio. A esposa e os filhos são as principais vítimas.
Apesar do grande número de denúncias, a crença de que o álcool é responsável pelas agressões diminui a culpa do agressor e aumenta a tolerância da vítima. De acordo com o promotor Francisco de Jesus Lima, da Vara da Violência Doméstica, grande parte das mulheres não denuncia na primeira vez que foi agredida, somente quando não consegue mais conviver com a agressão.
Os principais tipos de agressão são lesões corporais e agressões morais. Também é comum mulheres que denunciam os companheiros alcoólatras por agressões psicológicas e constrangimento. No entanto, procurar ajuda ainda é um obstáculo a ser superado, tanto por quem apanha quanto por quem agride. Segundo o promotor, fatores como medo, vergonha da família e perante a sociedade fazem com que muitas mulheres deixem de denunciar seus agressores.
Outra característica entre elas é que a maioria não deseja que seus maridos sejam processados ou presos, desejam simplesmente que eles parem com a agressão. Ou seja, que deixem de consumir álcool. Já para essa realidade, o promotor Francisco de Jesus Lima desempenha um trabalho jurídico e social. Na promotoria, uma equipe multidisciplinar encaminha a vítima para um atendimento com psicólogos e assistentes sócias.
Quando se trata de alcoolismo, o agressor é encaminhado para unidades de tratamento e a equipe fica responsável por fiscalizar a freqüência e a evolução do tratamento. ?Essa medida tem dado mais resultados que os processos jurídicos?, diz ao promotor ao destacar que a promotoria também atua com orientação espiritual. ?Muitas vezes percebemos que falta fé no agressor. Nestes casos orientamos a procurar ajuda espiritual, seja em qualquer religião?.
Dependência é responsável por 30% das internações psiquiátricas no Piauí
A dependência de álcool e de drogas é a principal causa das internações psiquiátricas que acontecem em decorrência do uso de drogas psicotrópicas - aquelas que agem no sistema nervoso central, alterando o seu funcionamento no Piauí. Um levantamento feito pelo GESMEP (Grupo de Estudos em Saúde Mental e Psiquiatria), formado por um grupo de profissionais e estudantes ligados à psiquiatria no Piauí, mostrou que a substância foi responsável, em média, por 30% das internações registradas entre 2004 e 2007 nos hospitais de atendimento psiquiátrico- (Areolino de Abreu e Sanatório Meduna), ocupando a posição da segunda causa de internações no Estado, ficando atrás apenas da esquizofrenia. .
O estudo foi repetido nos anos citados e, de acordo com a enfermeira psiquiátrica, Adriana Parente, membro do GESMEP, não houve alteração das causas de internações nesse período, no entanto, é possível que atualmente esse fator tenha migrado para a primeira causa de internação do Sanatório Meduna, uma vez que o Hospital Areolino de Abreu não realiza mais internações desse tipo de paciente. (C.D.)
63% dos jovens da capital dirigem alcoolizados
O trânsito brasileiro pode ser considerado uma guerra pela quantidade de mortos e feridos que produz. São mais de 35 mil mortos por ano provocados por acidentes. E o pior, na maioria dos casos a culpa é do próprio motorista e 70% dos casos são provocados por ingestão de álcool. Dados do Ministério da Saúde aponta que 30% dos gastos com saúde pública são provocados por algum incidente com o álcool, como acidentes em trânsito, brigas ou doenças provocadas pelo alcoolismo.
Em pesquisa realizada em 222 estudantes entrevistados em sete faculdades privadas na capital, 63% declaram que dirige e bebem e apenas 37% estão cumprindo a lei. Dos 63% que bebem e dirigem 54% informaram que costumam consumir ?mais? de uma dose ou ?mais? de um chope.
O que os estudantes puderam observar é que além de não deixarem de dirigir quando bebem, os jovens de Teresina não se importam em voltar para casa com quem já bebeu.
64% dos entrevistados informaram que raramente tem algum amigo que dirige e não bebe. ?Esses dados nos levam a entender uma outra atitude perigosa desses jovens de 18 a 35 anos, que é de não se importar se o condutor do veículo que ele anda bebeu ou não. Para ele, o problema é do amigo que bebeu e dirigiu?, disse o estudante Thiago Viana que participou da pesquisa.
Isso significa que mesmo sem beber e dirigir, os jovens continuam expostos a acidentes porque são conduzidos por amigos que bebem. O reflexo disso é que 53% dos pesquisados têm algum amigo que já se envolveu em acidentes provocados por álcool