Amor a cada batida do coração. Esse é o resumo dessa história tão bonita, que tem como personagem principal o pequeno Luís Guilherme, de um ano e três meses. O garoto é praticamente um milagre. Com a força de vontade da mãe, Tuany Costa, pedagoga de 28 anos, o garoto teve a oportunidade de viver após um diagnóstico de cardiopatia congênita.
Após ser desenganada por médicos, que orientaram que ela interrompesse a gravidez para evitar maiores sofrimentos, a mãe, consternada, tirou toda a força matriarcal que tinha para mover mundos e fundos pela vida do feto, que ainda descansava tranquilo no útero de Tuany.
“O Luís Guilherme foi uma criança bem planejada. Meu segundo filho. Então fizemos uma morfológica, exame de rotina do pré-natal, e o médico desconfiou que tinha algo errado. Ele nos alertou que alguma coisa no coração dele não estava formada, mas também não disse do que se tratava. Passou um exame mais específico. Neste exame, que precisava aguardar 28 semanas, fizemos um ecocardiograma fetal que foi confirmada a cardiopatia congênita dele. É a síndrome de hipoplasia do coração esquerdo. É bem grave, rara e complexa”, lembra Tuany.
A mãe disse que ainda não havia tomado ciência do pesadelo que havia começado. “Logo depois do diagnóstico, ficamos sabendo que não havia este tipo de tratamento em Teresina. Nem no serviço público nem no particular. Aqui não temos recursos, estrutura e profissionais para este tipo de problema. Começamos nossa luta, porque tivemos um baque. Era algo totalmente fora da nossa realidade em termos financeiros”, explica.
Após abandonar a carreira como professora e empresária, Tuany passou a se dedicar integralmente aos cuidados do filho, que ainda nem havia nascido. “Buscamos profissionais para saber como era o problema, como era o tratamento. Os dois médicos que procuramos em Teresina orientaram o aborto. Isto porque era um problema muito grave e incompatível com a vida, como se ele não tivesse o lado esquerdo do coração. Mas em nenhum momento aceitei. Não ia desistir do Luís Guilherme, jamais”, assegura.
Defensoria Pública, um apoio à família
“Procurei a Defensoria Pública do Piauí, através do conselheiro Djan Moreira, que atua no 4º Conselho. Ele foi um anjo que nos aconselhou muito. Procuramos outros profissionais, e o Dr. Luis Carlos, cardiopediatra que acompanha ele até hoje. Ele confirmou que realmente era um problema muito grave e que muitas mães acabavam interrompendo a gravidez por conta da complexidade de cirurgias e internações, um risco muito alto. Mas falei que estava disposta a lutar pela vida dele, que iríamos dar uma oportunidade para o Luís Guilherme. Só aceitaria que ele fosse com a vontade de Deus”, conta a mãe emocionada.
A mãe contou com a sensibilidade de vários âmbitos jurídicos. “Judicializamos o pedido porque o Estado não fazia o tratamento. A juíza da Vara da Infância e Juventude, Dra. Maria Luiza, foi muito ágil. Em cinco dias ela mandou a liminar pedindo que o Estado cumprisse a ordem, não importa se fosse pelo SUS ou que o Estado arcasse particular”, acrescenta Tuany.
“Eu sempre falo que não tem como não mencionar o papel da Defensoria na história de vida do Luís Guilherme. Sem eles, tudo tinha sido mais difícil ou eu não conseguiria estar com ele aqui. Eles sempre me deram apoio, sempre trataram a gente bem. Era minha base, minha segurança. Eu sabia que lutar pela vida do meu filho era algo certo e legal. Hoje criei um grupo, com outra mãe, apenas com mães e pais de crianças cardiopatas. Em Teresina, essa doença não é discutida, apesar de vários casos de cardiopatia no Estado”, frisa Tuany Costa.
Uma corrida contra o tempo
Quem olha o pequeno Luís Guilherme assistindo, animado, ao especial da Galinha Pintadinha, não imagina que o bebê lindo, forte e saudável já teve, um dia, um decreto de morte. Amor de mãe não tem limite. Além de Mulher Maravilha, Tuany precisou dar uma de Flash para garantir que os sonhos infantis do garoto pudessem perpetuar-se.
“Como era uma cardiopatia que precisava fazer a cirurgia logo após o nascimento, ele precisava nascer no hospital. Eu estava com mais de 30 semanas. Corri contra o tempo por conta dos voos, porque o voo comercial tem um limite de tempo de gestação para grávidas. O risco maior era que eu entrasse em trabalho de parto aqui e não pudesse fazer nada”, revela a mãe.
Sob forte pressão judicial, o Governo do Estado do Piauí, enfim, mandou a família para a capital federal. Mas lá, mais percalços perseguiram a família de Luís Guilherme. “Fui para Brasília e o médico alertou que o hospital encaminhado pelo Estado não fazia este tipo de procedimento. Nós ficamos desesperados. O Djan [conselheiro tutelar] viajou junto com a gente, autorizado pela juíza, e acompanhou todo o processo. Corremos atrás de tudo, até que houve uma audiência em Teresina, com a presença do secretário de Saúde, e foi acordado com a juíza que mandassem a gente para São Paulo”, recorda Tuany.
Burocracias: maiores vilãs
As burocracias foram as maiores vilãs para a supermãe Tuany. “Passamos uma semana em Brasília, chegamos em São Paulo em 19 dezembro de 2017 e o Luís Guilherme nasceu no dia 5 de janeiro. Lá no hospital, privado, fomos muito bem recebidos. Eles têm uma parceria com o Ministério da Saúde, através de regulamentação nacional. No começo de tudo, nós já havíamos tentado, através do TFD [Tratamento Fora de Domicílio], lá eles haviam alegado que eu já havia passado da idade gestacional. Eles deram um atestado de morte na época, então fomos atrás e brigamos”, reconhece.
Luís Guilherme passou por maus bocados após o nascimento. Mas a certeza que a família tem é que tudo valeu a pena. “Ele passou muito tempo internado. Passou por duas cirurgias. No total, são três. A primeira foi com quatro dias de vida, passou quase quatro meses internado. A primeira foi marcada por várias intercorrências, ele quase morreu. Tivemos problemas gravíssimos. Por isso o longo tempo de intervenção. Então ele passou quatro meses em Teresina, quando retornamos para o mesmo hospital para fazer a segunda cirurgia, que não teve tanta burocracia. Graças a Deus, comparada com a primeira, foi bem mais tranquila. Voltamos em novembro e ele está aqui, sendo a alegria daqui de casa. Eu passaria tudo de novo. Valeu a pena. Ele fará uma terceira cirurgia, que deve ser feita até os três ou quatro anos. Mas isso depende de como será o acompanhamento aqui em Teresina”, contabiliza Tuany Costa.
O papel do Defensor Público
Se Tuany Costa, mãe do Luís Guilherme, é uma supermãe, a Defensoria Pública é praticamente a Liga da Justiça. Mas esse grupo de profissionais, que muitas outras vezes também são super-heróis, tem uma atuação ampla e repleta de responsabilidades sociais. É o que explica Erisvaldo Marques, defensor público geral do Piauí.
“A principal função do Defensor Público é a transformação social”, dispara Erisvaldo. “A atuação dele traz dignidade paras as pessoas, além da cidadania quando ele defende direitos. A Defensoria atua em diversas áreas. Saúde, violência contra a mulher, idoso vulnerável, criança e adolescente. Tanto na parte civil, como infracional. Direitos humanos, família, fazenda pública. A parte criminal, dentro do sistema penitenciário. Muitas outras áreas”, assinala Erisvaldo.
No entanto, a profissão é marcada por estereótipos. Mas defensor público é muito mais do que um “advogado público”, que só serviria para defender delinquentes da prisão. “Muitas vezes, as pessoas dão muita visibilidade à questão criminal, principalmente quando há um caso de grande repercussão e essa pessoa é assistida pela Defensoria Pública. As pessoas ficam com aquele estigma da ‘Defensoria só atender bandido’. Isso não é verdade. Família representa 70% das nossas demandas. Também atuamos muito na resolução de problemas extrajudiciais”, aponta.
265 mil atendimentos em um ano
Somente em 2018, a Defensoria Pública do Piauí ampliou os serviços para mais de 265 mil atendimentos. O número representa um incremento de 30 mil procedimentos com relação ao ano de 2017, e também mostra um crescimento de quase 100% em 10 anos de trabalho. O balanço geral leva em conta atendimentos gerais, psicossocial, extrajudicial, manifestações processuais e audiências.
A Defensoria Itinerante também apresenta números impressionantes. Foram mais de 18 mil atendimentos em 2018, com quase 3 mil a mais que o registrado no ano passado. “Atendemos pessoas em situação de rua, quilombolas. Conseguimos extrajudicialmente a indenização de terras quilombolas por parte da Igreja Católica em Oeiras, por exemplo. Como você pode ver, embora a parte criminal seja grande, existem outros atendimentos que somam mais”, explica Erisvaldo Marques.
Para se ter ideia da dimensão dos dos serviços, 75% dos processos criminais de pessoas privadas de liberdade no Piauí têm atendimento da Defensoria Pública. “A atuação é grande. Mas as pessoas têm que ter noção de que quando o defensor defende o direito de algum preso é porque se defende um julgamento justo. É tudo dentro da Constituição e processo penal. Quando o defensor faz as exigências, não é só para a pessoa específica. É para todos. Relativizar determinadas práticas prejudica todos”, frisa o defensor geral do Piauí.
“Quando alguém tem que ser solto, tem que ser solto. É preciso ter justificativa fundamentada para alguém estar preso. É preciso usar base dos elementos do processo, dos fatos. Não basta alguém dizer e o juiz falar. Não cabe achismo. Cabe prova. Existe a presunção da inocência. Presos que não têm advogado podem contar com o apoio da defensoria”, acrescenta.
Defensoria do Piauí trabalha com apenas 29,5% do efetivo previsto em lei
Apesar do trabalho amplo da Defensoria Pública do Piauí, existe uma grande carência de defensores no Estado. Isto porque o número de servidores é insuficiente para atender todos os municípios, fazendo com que muitos fiquem sobrecarregados.
Há 10 anos sem concurso público para a Defensoria, seriam necessários pelo menos mais 100 servidores. “Falta muito defensor público do Piauí. Temos titulares em 32 das 64 Comarcas. Nas outras Comarcas têm Defensoria Itinerante Temos um déficit grande. Somos 117, seriam necessários pelo menos mais uns 100 defensores. A lei prevê 400, mas sou mais modesto. Mesmo assim, trabalhamos muito. Aumentamos o número de atendimentos em 100 mil nos últimos quatro anos”, enumera Erisvaldo Marques.
O defensor geral ressalta que, apesar das demandas, também é necessário um plantão, que atende casos como o de Luís Guilherme e a mãe, Tuany. “Nós temos um núcleo especializado de saúde, além de um plantão durante a semana e final de semana. O plantão funciona no Fórum. São demandas de urgência que precisam de procedimento rápido, então damos a possibilidade dessa pessoa ter mais rapidez. Como crianças com cardiopatia, por exemplo. Nestes casos, já tivemos casos da Defensoria que salvou a vida de crianças”, conclui.
Defensoria realiza 254 atendimentos médicos para presos
Já parou para pensar em como pessoas privadas de liberdade estão sujeitas a doenças? Doenças sexualmente transmissíveis, diabetes e hipertensão são as principais vilãs dos presos, que possuem uma alimentação padrão repleta de carboidratos, poucas atividades físicas e práticas sexuais sem o uso do preservativo.
Diante disso, a defensora pública Sheila Ferreira decidiu ir além do trabalho que já fazia. Em defesa da saúde de homens e mulheres privados de liberdade, ela passou a realizar exames em unidades prisionais para identificar e prevenir doenças. Ao todo, 254 procedimentos foram realizados.
“Decidi começar esse trabalho observando presos com jaula. Jaula é aquela grade que você coloca na perna quando tem alguma infecção na fratura, no caso deles, geralmente provocado por bala. No caso dos presos, geralmente acontece por causa de pólvora. É preciso a recuperação e sedimentação do osso. Quando fui analisar, alguns dos casos estavam muito ligados a diabetes”, explica Sheila.
Geralmente os presos já chegam pré-diabéticos ou diabéticos no sistema prisional. “A refeição deles é basicamente de carboidrato, o que prejudica neste caso. Eles comem três vezes por dia. De manhã é pão, no almoço geralmente é sem salada e de noite e mais ou menos a repetição do almoço. Pode notar que pessoas presas engordam. Não só pela ociosidade como também a própria alimentação”, ressalta a defensora.
Então Sheila partiu para prática com a ajuda da Fundação Municipal de Saúde (FMS). “Pensei em fazer algo mais amplo. Comecei a fazer o levantamento de diabetes, hipertensão e doenças sexualmente transmissíveis. Ainda há um certo hábito dos presos que recebem visita íntima de não usarem preservativo. Inscrevi um projeto chamado Defensoria Pública em Defesa da Cidadania e Saúde dos Presos. Começamos por algo simples, pois a hipertensão e a diabetes faz com que sejam desencadeadas outras doenças, como glaucoma ou as próprias DSTs. Os antibióticos não fazem efeito com a glicemia lá em cima. Então começamos a oferecer esses exames”, lembra.
Apesar da boa vontade, muitos presos não querem colaborar com a própria saúde. “As pessoas não querem nem fazer os exames. Diabetes, por exemplo, está associado a impotência. Para eles tem esse estereótipo. Mas além disso, também dá sudorese, vontade de fazer xixi constantemente. Procuramos a Fundação Municipal de Saúde para fazer testes de glicemia, aferição de pressão e testes rápidos para DSTs. No casos das DSTs, em casos onde não há visita íntima, muitos terminam se relacionando entre si. Isso sem o uso do preservativo. Mas há muitos estigmas também. O pote de camisinha fica ao alcance de todos, mas por incrível que pareça ele fica ali, intocável”, destaca Sheila Ferreira.
O saldo das visitas é positivo e mostra um trabalho amplo da Defensoria Pública do Piauí, que está aí para defender os piauienses das injustiças, salvar vidas e garantir o perfeito processo legal. Mas, antes de tudo, uma mão amiga que a população sempre pode contar, inclusive nas horas mais difíceis.
Veja os números da Defensoria Pública do Piauí