Maior ocupação organizada de terras da América Latina, a Vila Irmã Dulce passa por problemas estruturais graves.
Algumas ruas sequer foram calçadas, os postes de iluminação pública rareiam e os esgotos são feitos pelo próprios moradores do local. Como se não fosse suficiente, a população sofre com uma obra inacabada de aterramento de um grotão na rua Nosso Senhor do Bonfim.
O problema é sério. Pelo grotão, que na verdade é uma rua, passa um córrego de água suja. A água das chuvas aumenta consideravelmente o volume do córrego, que inunda as casas ao redor. As ruas, que não contam com sistema de esgoto nem galerias, ficam inundadas e a população não consegue sair de casa, dada a quantidade de água que acumula no local.
O grotão deveria ter sido aterrado, mas a única coisa feita até agora foi o início da construção do esgotamento da área, mas o trecho tem apenas três metros de extensão. O problema não para por aí. A enchente carrega lixo, lama, animais mortos e muita sujeira para a casa dos populares. Além de perderem bens que foram conquistados com muito sacrifício, os moradores sofrem com doenças como dengue, gripe e diarréia ocasionada pelo lixo que é jogado diretamente na casa dessas pessoas.
Segundo informações dos moradores, uma senhora morreu afogada em uma das enchentes que inundaram a rua.
?Ela saiu de casa e foi levada pela correnteza. Como não sabia nadar, se afogou e só foi encontrada dias depois presa em uma cerca de arame farpado. Foi muito triste. O pior de tudo é saber que ela morreu dessa maneira por falta de compromisso público?, esbraveja a dona de casa Jaqueline Ribeiro.
Jaqueline conta que toda vez que chove é um ?Deus nos acuda. Minha casa já caiu uma vez por causa da enchente?, fala. Os que perderam o lar uma vez precisaram construir suas novas residências em cima de plataformas de cimento e tijolo. Os outros moradores precisaram colocar batentes, muretas e reforçar os muros das casas.
?Já perdi as contas de quantas vezes fui à SDU pedir uma solução para essa rua, mas nunca fizeram nada. Moro na vila desde o começo, é revoltante ver que nunca fizeram nada a respeito. Mas na hora de pedir votos, os políticos sempre estão por aqui. Tem que ter muita fé e paciência para conseguir passar por essa situação?, confessa Jaqueline.
Moradores ficam isolados no período de chuva
A preocupação dos habitantes das Ruas Nosso Senhor do Bonfim e Auricular, localizadas na Vila Irmã Dulce, aumenta com a chegada do período chuvoso. Eles relatam ter muita dificuldade para se locomover no período, pois a água toma de conta da rua e o escoamento é demorado. ?A água fica na altura dos joelhos. Tem que ser muito corajoso para se arriscar, quando chove isso aqui parece um rio?, lamenta a dona de casa Socorro de Maria.
O temor aumenta pelo fato de que nas duas ruas vivem crianças com dificuldade de locomoção, idosos e pessoas com problemas graves de saúde. ?Na casa da frente tem uma criancinha paraplégica. Os pais dela já perderam tudo por causa da chuva. Já perderam até a feira do mês, pois tiveram que socorrer a filha?, conta Socorro.
Para lidar com o problema, o clima na Rua Auricular é de solidariedade. ?Nessas horas é cada um por si, mas nos ajudamos em tudo. Quando começa a chover, mandamos os nossos irem para a casa de quem mais precisa, pois nunca se sabe. O medo mesmo é de algo ruim acontecer. Se acontecer uma emergência em dia de chuva não temos como sair de casa, ficamos ilhados?, diz.
Moradores pedem compaixão do poder público
Localizada na periferia da cidade, a Vila Irmã Dulce fica no bairro Angelim, zona Sul de Teresina. O relevo da vila é formado por um misto de áreas planas e acidentadas, formadas por morros e grotões. A vila tem extensão de aproximadamente 316 hectares, abriga cerca de sete mil famílias e enfrenta um grave problema social.
Problemas como urbanização deficiente, abastecimento de água deficiente e energia elétrica precária ? muitas vezes de forma improvisada ? fazem parte do dia a dia de muitos lá. O número relevante de casos como alcoolismo, violência doméstica contra mulheres, assaltos, roubos, prostituição, desemprego e vulnerabilidade social são problemas que não recebem a devida atenção de instituições públicas.
Apesar de ter sido beneficiada com programas do Governo Federal, a Vila Irmã Dulce carece de saneamento básico, educação, saúde e lazer, dificultando o desenvolvimento da população como um todo.
Sem proteção dentro e fora de casa, só resta aos habitantes da vila orar por dias melhores. ?Gostaria que se sensibilizassem conosco, pois aqui moram crianças, idosos e pessoas necessitadas. Somos seres humanos e estamos pedindo compaixão?, desabafa a dona de casa Osana Rodrigues.
Apesar de aviso, moradores da vila jogam lixo no grotão
Cientes que o lixo é um dos responsáveis pelas constantes inundações que assolam essa região da Vila Irmã Dulce, os populares que moram próximo da Rua Nosso Senhor do Bonfim insistem em jogar lixo no grotão. Eles se defendem dizendo que a rua, que não possui calçamento, não é contemplada pela coleta de lixo.
?O carro do lixo não passa aqui na rua e a prefeitura não manda caminhão nem carroça para recolher os entulhos que ficam na frente da nossa casa. Quando acumula muito, o jeito é jogar no grotão. Se deixarmos na frente de casa vai juntar barata, rato e ficar muito fedorento. É errado, mas as pessoas fazem porque é o jeito. Falta consciência nelas?, alega a dona de casa Rita Cardoso.
Para amenizar a quantidade de lixo acumulada nas ruas, alguns moradores contratam carroceiros para fazer a limpeza. Mas nem sempre. ?As vezes tem muito lixo e o frete sai caro. Nem todos têm condições de pagar pelo serviço e o jeito é conviver com a sujeira enquanto a prefeitura não decide botar o caminhão de lixo para rodar aqui.
É um absurdo?, protesta Rita.
Falta de saneamento faz riscos crescerem
Sofrer com os alagamentos durante a época chuvosa é apenas uma das facetas de morar naquela região da Vila Irmã Dulce. Passado o período de cheias, os problemas cotidianos voltam a persistir. Calçamento, esgoto, coleta de lixo e iluminação pública são artigos de luxo naquele lugar, que sofre com o descaso do poder público.
Segundo os habitantes, a prefeitura chegou a medir a rua e prometeram calçar tão logo fosse possível. ?Mas até hoje não voltaram, nunca fizeram nada. Meu marido já foi lá várias vezes e eles sempre dizem que a solicitação está registrada no sistema e que resolverão em breve. Assim fica difícil acreditar na palavra deles.?, reclama Socorro.
?Sou uma das primeiras moradoras daqui e até hoje não fizeram quase nada para resolver nosso problema. Já fomos várias vezes na SDU, mas nunca aterraram o córrego e nem botaram calçamento na rua. Durante a noite não podemos ficar na calçada porque os postes estão quebrados e os marginais praticam assaltos por aqui. Ninguém está a salvo?, lamenta Socorro de Maria.
Os moradores se queixam do policiamento, que não dá conta de atender as necessidades deles. O índice de assaltos e arrombamentos é alto e praticado por alguns vizinhos, usuários de drogas que assaltam os amigos e conhecidos para sustentar o vício.