A força dos cultos afro-brasileiros na Bahia levou à profissionalização do mercado de produtos religiosos, que oferece facilidades como entrega em domicílio e venda por cartões de crédito. A prática é criticada pelos líderes do candomblé, que criticam o mau uso dos produtos prontos - segundo eles, cada pessoa precisa de um ritual específico. Assim, a padronização seria uma heresia.
Em São Joaquim, a maior feira livre de Salvador, é possível encontrar lojas que aceitam todos os cartões, fazem entregas - na casa do cliente ou diretamente no terreiro - mediante pagamento de taxas de R$ 5 a R$ 10 e contam com tendas exclusivas para embalagem dos produtos.
Apenas na feira, criada em 1964 e que ocupa uma área equivalente a três campos de futebol entre os bairros da Calçada e do Comércio, são cerca de 50 estabelecimentos especializados em artigos religiosos.
Algumas lojas chegam a ter mais de mil itens diferentes à venda, entre folhas, defumadores, velas, charutos, cachaça, extratos de ervas, patuás, frangos e pombos. No comércio de Evandro Santos, que trabalha na feira há dois anos, os produtos mais procurados são panos (R$ 1,50) e agdás (vasos de cerâmica, R$ 1 a R$ 6).
Terceira cidade mais populosa do País, com 2,6 milhões de habitantes, Salvador é também a capital brasileira com o maior contingente negro entre a população. Mais de 70% dos moradores são afrodescendentes, o que se expressa na forte herança das religiões de matriz africana. São 1.405 terreiros de candomblé na cidade, dos quais 1.165 foram cadastrados em 2007.
Lideranças do candomblé dizem ver com naturalidade o avanço nas modalidades de comércio religioso. Censuram, contudo, comerciantes que fazem as vezes de pais e mães-de-santo, indicando os chamados ebós sem passar pelos terreiros. Segundo os líderes religiosos, os ebós são os rituais para correção de problemas na vida dos seguidores, seja no amor, saúde ou trabalho.
Pela tradição do candomblé, contudo, estes ebós devem ser orientados pelos sacerdotes (ialorixás e babalorixás), que apontam inclusive o local para deposição das oferendas.
?É uma heresia a pessoa chegar em uma loja e receber o ebó pronto. A essência é o preparo. Quando você chega a uma farmácia de manipulação é orientado pelo médico, no candomblé é a mesma coisa?, afirma pai Léo, do terreiro Casa Branca do Engenho Velho, considerado o primeiro de Salvador.
Comerciantes dizem que muitas vezes os pedidos de orientação vêm dos próprios clientes. ?As pessoas perguntam: o que tem para atrair o amor? Mas na essência quem fala a coisa certa é o pai-de-santo?, diz Pedro Rosa, na feira de São Joaquim desde 2007.
Há cerca de dois meses, um jornal local divulgou que uma tenda da feira vendia trabalhos prontos, em incentivo à linha ?faça você mesmo? condenada por ialorixás e babalorixás. A informação causou mal-estar entre lideranças religiosas que frequentam o espaço, notícia que logo se espalhou pela feira. A reportagem não encontrou no local estabelecimentos que admitissem vender o ebó pronto.
Talvez escaldados pela má repercussão do episódio no candomblé de Salvador, outros comerciantes se mostram ainda mais rígidos: dizem vender seus produtos apenas com ?receita?, a indicação dos itens trazida do terreiro. ?A gente só vende se tem escrito na nota?, diz José Edmílson, gerente de uma loja na feira e há 25 anos no ramo.