Munição comprada por forças de segurança foi utilizada em pelo menos 23 ações criminosas que, entre 2010 e o ano passado, resultaram na morte de 82 pessoas em oito estados do país. Um levantamento feito pelo EXTRA em parceria com o Instituto Sou da Paz identificou o uso de 145 lotes de cartuchos adquiridos por polícias ou pelas Forças Armadas nas ocorrências, que incluem sete chacinas.
No Rio, munição adquirida com dinheiro público foi encontrada em sete crimes que deixaram um saldo de 15 homicídios. Além disso, boa parte foi apreendida em quatro grandes operações que estouraram arsenais do tráfico e da milícia.
Entre os casos identificados no levantamento estão os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, da juíza Patrícia Acioli e de um policial militar morto pela milícia com munição comprada pela PM. Em abril de 2020, o soldado Luiz Carlos de Almeida da Silva Júnior foi assassinado durante um tiroteio entre paramilitares que disputavam o controle de bairros de Belford Roxo, na Baixada Fluminense.
No local da morte de Luiz Carlos, a Polícia Civil apreendeu cartuchos de calibre .40 dos lotes AEO57, AYA77 e AYB23, comprados em 2010 e 2014 pela PM.
A pesquisa teve como base informações que integram processos judiciais e inquéritos policiais sobre cartuchos coletados em cenas de crimes ou apreendidos com bandidos. Em 15 casos nos quais foi constatado o uso de munição comprada com dinheiro público, investigações concluíram que houve a participação de grupos de extermínio ou milícias.
Cartuchos de 13 lotes identificados no levantamento foram utilizados em mais de um crime. Balas de nove deles deixaram um rastro de sangue em pelo menos dois estados. O lote identificado do em mais ocorrências é o UZZ18, comprado pela Polícia Federal em 2006. Projéteis que o integravam foram usados no assassinato de Marielle e Anderson; numa guerra entre traficantes em São Gonçalo; no roubo a uma agência dos Correios em Serra Branca, na Paraíba; e em duas chacinas com participação de policiais militares na Região Metropolitana de São Paulo.
A mais recente dessas chacinas, ocorrida em 2015 na cidade de Osasco, deixou 17 vítimas, e cartuchos do lote UZZ18 foram apreendidos em dois locais de execução.
O lote BAY18, comprado pela PM de São Paulo em 2007, foi o segundo mais encontrado em ocorrências: bandidos descarregaram parte de seus cartuchos nas duas chacinas de São Paulo, na guerra do tráfico em São Gonçalo e no episódio que ficou conhecido como Noite do Terror de Londrina, no Paraná, em que um grupo de extermínio formado por policiais matou 11 pessoas para retaliar o assassinato de um soldado da PM.
Em comum, os dois lotes mais identificados em crimes têm um alto número de cartuchos: o UZZ18 é composto por 2.463.000 projéteis; já o BAY18, por 3.974.350 — ambos são muito maiores que o padrão de 10 mil, estabelecido pelo Exército (responsável pelo controle de munição no país) numa portaria de 2004, válida até hoje.