Falar de suicídio tem se tornado cada vez mais necessário, afinal os índices a cerca do problema de saúde pública são alarmantes. No mundo todo, o número de mortes de jovens que tiram a própria vida, já é mais frequente que por HIV. Entre idosos, assim como entre pessoas de meia-idade, os índices também crescem de forma silenciosa. No Brasil, o índice perde apenas para homicídios e acidentes de trânsito entre as mortes por fatores externos.
O Grupo Meio Norte de Comunicação promoveu nesta quinta-feira (29), uma ação inédita em que realizou um bate-papo online com o psicólogo especialista em prevenção e posvenção do suicídio, Carlos Aragão, em que o profissional abordou a questão de mitos e verdades a cerca da temática e também respondeu as principais dúvidas e questionamentos do internautas que participaram da ação. Todo o bate-papo foi transmitido em tempo real pela fanpage do Portal Meio Norte, no Facebook e teve alcançe de mais de 67 mil pessoas, com 5,4 mil visualizações.
Na sua primeira fala, entre outros assuntos, o psicólogo esclareceu alguns dos principais mitos em torno das pessoas com ideações suicidas como pensa o senso comum que 'Quem fala, não faz'. O profissional esclarece que isso não é verdade e que essa pessoa não quer "chamar a atenção", mas está dando um último sinal para pedir ajuda. Por isso, o especialista orienta que um aviso de suicídio seja levado a sério.
"A maioria desses mitos são alardeados, disseminados, mas que não condizem com a realidade. Nós temos alguns números que podem validar esse posto do suicídio como problema de saúde pública. Hoje nós temos em torno de 1 milhão de mortes, se nós somarmos todas as mortes, taxas naturais, homicídios, tudo isso somado não chega ao número de mortes de suicídio, isso gera uma morte a cada 30 segundos no dia de hoje. O suicídio é a segunda causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos, para cada suicídio nós temos no mínimo 20 tentativas e mais, um único suicídio impacta profundamente entre 40 a 60 pessoas, isso é alarmante porque décadas atrás isso afetava entre 6 a 10 pessoas. Ou seja, são números que de fato nos mostram porque nós devemos nos preocupar em trabalhar em prol da prevenção”, alertou o especialista.
Segundo Aragão, as pessoas devem prestar atenção nas pesquisas que tratam sobre o assunto já que tudo depende do recorte temporal e geográfico e diferentes números podem ser noticiados. O psicólogo destacou ainda que grande parte dos números de mortes por suicídio as pessoas consomem álcool antes da decisão.
“Nós temos o abuso de álcool e outras drogas muito associados também aos casos de suicídio. Pesquisas mostram que na perícia dos corpos em boa parte deles havia álcool, ou seja, não dá para colocarmos uma questão determinista. Não é que todo mundo tenha depressão vai se matar, nem muito menos todo mundo que se mata tem depressão, se você pegar os critérios e diagnósticos da depressão está la dentro. No suicídio não existe questões deterministas”, falou.
Para o especialista, existem sinais que as pessoas com vontade de cometer suicídio demonstram durante um período de tempo. “Se você ver uma pessoa completamente isolada, em tristeza profunda, com mudanças bruscas de comportamento, queda no rendimento escolar sem motivos aparentes, pessoas que dizem que a vida não tem mais sentido, às vezes podem falar até em forma de brincadeira, mas a gente não pode pagar para ver negligenciando um sinal desse tipo e negligenciando uma ajuda. Se você não se sente completamente a vontade para oferecer essa ajuda encaminhe essa pessoa com você a um profissional de saúde especializado mas não deixe de ajudar”, aconselhou o psicológo.
Carlos Aragão também destacou outros mitos sobre suicídio que são rapidamente espalhados em todo o país. “As pessoas se questionam muito: ‘Eu posso perguntar para essa pessoa o que ela está sentindo? Será que se eu perguntar para ela eu vou incentivar que ela tire sua vida?’ Isso não é verdade, as pessoas que estão em sofrimento tudo que elas querem é falar, uma boa conversa já ajuda muito, desde que você também saiba escutar. Isso vai dificultar depois que essa pessoa peça ajuda para outro, você sofrer sozinho não é fácil, então você deve sim ao menor sinal chamar essa pessoa, reserve um tempo para ela, procure um local adequado e pergunte para ela que isso vai ajudá-la a sair disso tudo. Outro mito também muito propagado é que as pessoas que tentam o suicídio só querem chamar a atenção e isso está disseminado na sociedade, nós banalizamos essa expressão ‘chamar atenção’, portanto é um erro grave, nós rotularmos essas pessoas que sinalizam a recomendação é: estenda sua mão, faça sua parte”, pediu ele.
Em um certo momento do bate-papo Carlos Aragão respondeu perguntas de internautas que se envolveram com o assunto e realizaram vários questionamentos. Em uma das indagações, o especialista foi interrogado sobre onde é possível encontrar serviços gratuitos para tratar suicídio em Teresina.
“Nós temos o ambulatório que fica no Hospital Lineu Araújo, chamado ‘Provida’, ele é especializado em comportamento da vida; nós temos o Centro de Valorização da Vida (CVV), que atende por telefone, chat, pessoas que queiram desabafar, estejam em sofrimento; temos o Centro Débora Mesquita que também tem prestado esses serviços em Teresina, temos os CRAS, GRACI que é uma instituição que também se volta ao apoio, os CAPS que de alguma forma ajudam a saúde publica e em algumas situações mais graves temos o hospital Areolino de Abreu”, respondeu ele destacando que não tem dúvidas que esses espaços não são suficientes para atender a grande demanda da cidade. “Não atende, até porque não só em Teresina como em vários lugares do mundo inteiro as taxas tem crescido, a principio não temos indicativo de que essas taxas tenham reduzido”, acrescentou.
Dando continuidade, um internauta questionou o especialista sobre se o tamanho da cidade ou comunidade interfere no impacto do suicídio. “Quanto menor a comunidade maior o impacto, porque ele se dilui menos. Não quer dizer que o suicídio em São Paulo por exemplo não tenha um impacto forte, mas se você pega por exemplo comunidades menores, recentemente eu estive no interior do Piauí em uma cidade de 5 mil habitantes e só esse ano nós tivemos lá cinco casos de suicídio, veja a proporção de 5 casos para 5 mil habitantes. Eu estive lá com os profissionais de saúde e fiz uma palestra na praça pública, nós contabilizamos 800 pessoas, tamanha inquietação da cidade com esses casos, nós temos um fenômeno, você vê e isso intriga muita gente”, respondeu.
Sobre o desencadeamento do suicídio em forma de notícia, o psicólogo afirmou que tudo depende da forma como essa notícia é veiculada. “Existe o efeito de contágio, chamado Efeito Verter, ele vem em função de um livro de romance. Agora nós temos que tomar cuidado porque não é qualquer noticia de qualquer forma que vai causar um efeito de contágio, se fosse assim a gente não estaria aqui abertos a falar desse tema. Tudo que nós estamos conquistando para falar desse assunto é bastante importante, o que não podemos é dar uma notícia sobre suicídio de qualquer forma. Nós estamos acostumados a almoçar com um cadáver aparecendo na televisão em casos de homicídio, no caso do suicídio isso é por demais criminoso, por causa desse efeito de contágio. Agora esse efeito não é que se eu vou noticiar isso vai contagiar todo mundo, o que nós sabemos é que para as pessoas que já estão vulneráveis, estão planejando a sua morte, se elas recebem uma noticia, a foto de alguém que se matou, uma reportagem que descreve minuciosamente um meio pela qual ela se matou, pode sim ser a gota d’água para ela, não quer dizer que isso vá contagiar todas as pessoas mas as pessoas que já estão em vulnerabilidade isso sim pode ser um ponto decisivo”, destacou.
Outro questionamento vindo do Facebook do Portal Meio Norte, foi sobre o que fazer quando as pessoas que estão passando por problemas sérios e não querem ser ajudadas. “Eu vou acabar caindo no clichê que cada caso é um caso, para algumas pessoas existe uma resistência, tem um estigma com relação ao tratamento psiquiátrico. É bem verdade que nós avançamos muito, mas ainda temos esses casos e não vejo outra alternativa que não seja insistir, essa insistência não é uma questão de você ser grosseiro, intempestivo. Se a pessoa se vincula a você pode mostrar uma resistência , se você percebe um grau de risco maior você precisa pedir ajuda, levar um profissional até a casa dessa pessoa. Eu tenho que me envolver, fazer perguntas, como posso ajudá-la e nesse ambiente teremos muita chance que ela recue e aceite a ajuda”, disse.
Uma das perguntas mais recebidas durante o bate-papo foi se toda pessoa com depressão pode vir a cometer suicídio, o que foi prontamente negado pelo especialista. “Não, de forma nenhuma. A depressão é um transtorno psiquiátrico que tem que ser diagnosticado em consultório, agora a depressão tem vários níveis, o que nós sabemos é que a depressão é um transtorno mais prevalente nos casos de suicídio. Isso não quer dizer em absoluto que nós tenhamos que entrar em pânico quando alguém tem depressão e isso significa que necessariamente essa pessoa vai se matar. O que nós temos na depressão é um alto fator de risco para o comportamento suicida. Exatamente por isso que temos que ir ao médico e tomar muito cuidado”, alertou.
A ação marcou o encerramento da campanha nacional de prevenção ao suicídio – Setembro Amarelo e foi idealizada pelos integrantes do núcleo “Mais Vida”, formado por psicólogos, profissionais da saúde, entidades ligadas à prevenção do suicídio e profissionais de comunicação, para tratar o suicídio de forma responsável e ética, reforçando a necessidade de ampliar a abordagem do assunto de modo que incentive a criação de políticas públicas de prevenção.
Ao ser questionado sobre o motivo de existir um grande número de suicídios em Teresina, Aragão afirmou que a cidade avançou, mas está longe de ser um ideal. Para ele, a Provida é a iniciativa mais eficaz para prevenção do suicídio no Brasil, só que a demanda está cada vez maior e por conta disso o serviço não é suficiente. “Nós precisamos avançar para ter outros centros como o Provida em outras áreas de Teresina, isso precisa estar na pauta de saúde publica da capital na minha opinião. Eu não tenho resposta para esse questionamento e creio que quem der essa resposta de forma mais objetiva vai falar por conta própria porque nós não temos nenhum estudo sobre Teresina que nos indique essas motivações. Agora nós sabemos que infelizmente nós temos um crescente rigor acadêmico, quero deixar claro que eu não estou falando de A ou B mas existe; temos também a ideia de perfeccionismo que virou um fator de risco, não temos uma quantidade de espaço público adequado para o lazer, temos uma violência urbana crescente e isso faz com que não possamos mais sair à noite, são várias motivações que devem ser estudadas”, destacou o profissional.
O especialista deixou claro também que suicídio não é falta de Deus, como é propagado no mundo inteiro. Segundo ele, religiosos repetem isso como mantra para seus fieis e os fieis absorvem a informação. Mas o que realmente precisa é de uma composição de forças. “Todas as vezes que eu vou falar principalmente dentro das igrejas eu começo dizendo que quando nós nos juntamos nós somos muito mais fortes. Esse tabu suicídio não é falta de Deus, porque se fosse vários líderes religiosos não se matariam, suicídio envolve vários fatores”, esclareceu.
Aragão também foi indagado sobre o que fazer quando o suicídio parte das crianças. O psicólogo afirmou que essa questão é mais delicada e que os casos são extremamente raros. “Se você pegar qualquer gráfico por faixa etária você vai ver que suicídio em adolescentes, adultos, idosos é bem mais elevado, mas acontece. Uma das questões é qual é a fase do desenvolvimento, qual o motivo dela, existem alguns conceitos sobre morte que uma criança de 5 anos não aprendeu e uma de 9 anos aprendeu. Precisamos ver a idade dela para que a gente possa oferecer uma ajuda mais qualificada. Algumas crianças sinalizam diretamente, elas falam que estão insatisfeitas com a vida, falam das violências, crianças que chegam em casa todo dia machucadas, e ás vezes a gente não leva a sério, esse pode ser um sinal. No menor sinal que você veja do seu filho triste, caindo rendimento escolar, pode sinalizar um sofrimento e temos que ajudar para não evoluir para o comportamento suicida, por exemplo”, disse.
Para finalizar o bate-papo, o especialista deixou sua mensagem afirmando que o melhor remédio para a prevenção é saber escutar. “Não é só na cidade grande, infelizmente nós estamos vendo cidades menores, mais tranquilas com taxas crescentes de suicídio. Quero deixar uma mensagem não só para aquelas pessoas que estão nesse momento em sofrimento mas também para aquelas pessoas que estão ao lado de alguém nessas situações, não devemos negligenciar qualquer sinal de pedido de ajuda. Vamos escutar, você escutar mais do que falar é talvez o principal passo para que essa pessoa comece a confiar na gente e a gente possa oferecer uma ajuda. Temos que saber também as nossas limitações, sempre é possível nós buscarmos outras perspectivas para viver, porque viver vale a pena”, aconselhou Carlos Aragão.
Grupo Meio Norte assume compromisso com sociedade
O diretor de jornalismo do Grupo Meio Norte de Comunicação, José Osmando de Araújo, afirmou que é da prática do grupo realizar ações para esclarecer e levar informações sobre assuntos de interesse da sociedade, como o suicídio, que é uma questão grave de saúde pública grave e considerada por muitas pessoas um tabu.
“Desde o mês de março quando criamos o Grupo Mais Vida e convidamos pessoas importantes que realizam um trabalho nesse sentido para que a gente se aproxime cada vez mais da sociedade e coloque a disposição das pessoas, o maior volume possível e esclarecimento para que possamos ajudar a diminuir os casos de suicídio”, destacou.
O estrategista de mídias sociais Wellington Benario, destacou o poder das redes sociais em alcançar um grande número de pessoas e por isso a ideia de usar a fanpage do Portal Meio Norte, que conta com mais de 1,5 milhão de curtidores para debater o suicídio de uma forma informal, mas bastante responsável e ética. “Nosso intuito é romper os tabus em torno do suicídio através dessa plataforma incrível que temos nas mãos e levando informações corretas”, acrescentou.
O convidado para o bate-papo, psicólogo Carlos Aragão, agradeceu a oportunidade de discutir o assunto de uma forma inédita e parabenizou o Grupo Meio Norte pela iniciativa de ampliar a debate sobre o fenômeno do suicídio. "Eu considero que nós conseguimos atingir o nosso objetivo, tratamos a questão dos mitos e tivemos uma boa interatividade das pessoas e através dessas perguntas podemos disctuir muitas ações importantes a respeito do suícidio, por isso foi muito importante essa ação e espero ter outras nos futuros", avaliou.