Batizada como homem, mulher luta há 15 anos para mudar sua certidão e se casar

Cristina mudou seu nome, que era masculino, mas teve certidão cancelada

Cristina Dias da Silva recebeu o nome de Cristhian Nilma quando nasceu | Reprodução
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Uma moradora de Praia Grande, no litoral de São Paulo, vive um drama que se arrasta por toda a vida: batizada como homem, ela agora luta para conseguir se casar, aos 28 anos, com o noivo. Quando nasceu, a dona de casa Cristina Dias da Silva foi batizada pelo próprio pai com um nome masculino. Quase três décadas depois, ela afirma não existir para a Justiça Federal, já que após ter sido adotada por uma outra família, tentou ser reconhecida como mulher e acabou tendo a certidão de nascimento cancelada. Por causa disso, Cristina não tem documentos, não trabalha e não pode realizar seu maior sonho, que é casar com o pai de suas duas filhas.

Quando Cristina conta a história para amigos, muitos não conseguem acreditar que algo assim possa acontecer nos dias de hoje. Ela nasceu em São Vicente, mas foi registrada pelo pai em um cartório em Iguaí, na Bahia, como Cristhian Nilma Andrade Novaes. Aos 13 dias de vida foi abandonada e deixada com uma senhora chamada Eudésia Macedo da Silva, que morava em Praia Grande. Ela acabou indo para o litoral paulista porque sua irmã, um pouco mais velha, já morava na região também após ter sido abandonada. A mãe visitava as filhas frequentemente, mas sumiu durante seis anos e voltou a aparecer apenas quando já estava à beira da morte, para autorizar a adoção oficial das meninas.

Quando saiu o documento de adoção, foi preciso fazer uma outra certidão de nascimento das crianças para inserir o nome dos pais adotivos. A irmã de Cristina mudou uma letra no nome, passou de Katia Nima para Katia Nilma, e ganhou um novo sobrenome. Já Cristina, que se chamava Cristhian Nilma, passou a se chamar Cristhina Dias da Silva. ?Eu falei pra juíza que queria trocar meu nome. Era muito feio. Eu passei muita vergonha na escola por causa disso?, conta ela.

Quando saiu a nova certidão, o Fórum de Santo Amaro, em São Paulo, mandou um oficío para o cartório da Bahia para que eles cancelassem a antiga e validassem a nova certidão. Mas, segundo Cristina, isso não foi feito e ela continuou com os dois nomes antigos.

Aos 15 anos, a jovem decidiu tirar o RG na Delegacia de Praia Grande. Ela fez o pedido e recebeu um protocolo, mas o documento nunca chegou ao local. Ela foi orientada a voltar no Fórum de Santo Amaro e acabou descobrindo que a antiga certidão não tinha sido cancelada. Depois de mais três meses, um funcionário garantiu que o documento antigo tinha sido invalidado na Bahia.

Enquanto tentava resolver definitivamente a situação, a jovem conheceu Marcelo Soares Louzada, pai de suas duas filhas. Ele seguiu com Cristina na busca pelo reconhecimento da mulher como cidadã. Sabendo da resposta do Fórum, eles foram no Poupatempo, em Santos, tentar retirar um RG para Cristina. Apesar de estarem com a nova certidão em mãos, mais uma vez o documento não foi entregue porque havia um furo no papel. O casal voltou ao Fórum para retirar a 2ª via do documento mas foi informado que só poderiam fazer isso com uma autorização da justiça.

Cristina e Marcelo contrataram uma advogada, que conseguiu com um juíz uma autorização para retirar o documento. O problema, mais uma vez, é que a advogada descobriu que a nova certidão também estava invalidada. "O Fórum cancelou as duas certidões que ela tinha. A certidão que era para ter sido cancelada e a certidão nova que o próprio Fórum autorizou a ter. Com isso ela passou a ser simplesmente uma pessoa que não existe?, explica Louzada.

Empenhada em conseguir o documento, Cristina assinou um documento para que o processo fosse desarquivado novamente. Algum tempo depois, o Fórum mandou uma carta endereçada a ela, com o nome atual, dizendo que o processo tinha sido desarquivado. Apesar disso, o companheiro diz que não consegue ter acesso a mais nada. ?Ninguém sabe informar nada. Ela não sabe nem que nome vai poder ter", reclama Louzada.

Aos 28 anos, Cristhina não tem RG e nem carteira de trabalho. Ela também nunca votou e nunca teve uma conta bancária. Em todas as vezes que foi procurar ajuda, o casal conta que as pessoas desconfiavam. ?Eu morria de vergonha. A última vez que eu fui no Fórum em São Paulo eles riram da minha cara", diz Cristina. Já Marcelo lembra de um constragimento que eles passaram no Poupatempo. ?Parecia que a gente era estelionatário. Eles pegavam a certidão e ficavam um olhando pro outro, cochichando, com os documentos na mão?, conta.

Há 7 anos juntos, o casal teve duas filhas. Na certidão das crianças, o nome de Cristina está escrito corretamente. Eles sonham com o dia que poderão casar oficialmente, mas até agora não conseguiram porque ela não tem os documentos. As irmãs Katia e Cristina planejam um duplo casamento, assim que a jovem conseguir ter uma certidão de nascimento. ?É muita burocracia. Eu só quero existir. É um direito meu. Eu quero existir pra casar?, diz.

Entramos em contato com o Tribunal de Justiça de São Paulo para obter informações sobre o andamento do processo do casal. Em nota, o Tribunal esclarece que o pedido de desarquivamento já foi feito e que enviou duas cartas para Cristina avisando que o processo já está a disposição. O Tribunal também explica que apenas a segunda certidão foi cancelada, prevalecendo a legalidade da primeira. Ainda em nota, o Tribunal esclarece que o Ministério Público determinou que o primeiro registro permaneceria com validade.

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