O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinou hoje uma MP (medida provisória) que libera quase R$ 2 bilhões para viabilizar a produção e a disseminação de uma das vacinas testadas no enfrentamento à pandemia do coronavírus. Segundo estimativa do Ministério da Saúde, serão cem milhões de doses. O lote já havia sido anunciado em acordo fechado no final de junho.
O governo decidiu apostar no estudo elaborado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, em parceria com a farmacêutica AstraZeneca. No país, a pesquisa é liderada pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que tem a missão de absorver a tecnologia desenvolvida no exterior e fabricar a vacina que será, no futuro, disponibilizada aos brasileiros.
Bolsonaro afirmou hoje que, a depender da evolução dos trabalhos, a nova vacina estaria pronta para aplicação até o fim desse ano. "A nossa contrapartida é basicamente financeira no momento. Com algumas pessoas também, mas basicamente financeira no momento. Quase R$ 2 bilhões. Talvez em dezembro ou janeiro exista a possibilidade da vacina. E daí esse problema estará vencido poucas semanas depois", disse.
O estudo de Oxford não é o único que está sendo replicado no Brasil em busca de uma alternativa eficaz de imunização contra a covid-19. Em São Paulo, o governo do estado, por meio do Instituto Butantã, trabalha com a "Coronavac", vacina desenvolvida na China. Os testes em humanos começarão a partir de 20 de julho.
Durante a cerimônia de assinatura da MP, Bolsonaro lembrou o atentado a faca que sofreu em Juiz de Fora (MG) durante a campanha eleitoral de 2018. Também voltou a defender sua postura pró-hidroxicloroquina, medicamento do qual ele é entusiasta apesar de não existir comprovação científica de sua eficácia no combate à covid-19.
"Eu sou capitão do Exército, minha atividade é outra. Mas me coloco no lugar de um médico no momento que tem que decidir. Se em Juiz de Fora o médico fosse esperar exames, eu teria morrido. Tinha que decidir. Ele tinha que cortar minha barriga naquele momento", afirmou.
"Desde o começo, adotei essa linha. A gente fica triste quando vê pessoas usando decretos proibindo determinado medicamento. Mesmo que não tinha comprovação científica, mas não apresentava uma alterativa. O que estava em jogo? Vidas. Desde o começo, eu assumi essa postura. Tinha que fazer alguma coisa, mesmo não sendo médico", completou.
Apesar do investimento bilionário, o Executivo diz estar ciente de que há "riscos tecnológicos", pois ainda não há resultados conclusivos acerca de nenhuma das vacinas testadas. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chamou o produto de "a vacina que tem se mostrado a mais promissora do mundo".
"Em uma segunda fase, caso a vacina se mostre eficaz e segura, será ampliada a compra. O governo considera que esse risco de pesquisa e produção é necessário devido à urgência pela busca de uma solução efetiva para manutenção da saúde pública e segurança para a retomada do crescimento brasileiro", informou a Secretaria-Geral da Presidência.
Com a MP, o governo abre crédito orçamentário extraordinário (ou seja, para atender despesas consideradas urgentes) de R$ 1,99 bilhão. Deste total, R$ 1,3 bilhão iria para a AstraZeneca, R$ 522,1 milhões seriam para a produção da vacina na Fiocruz e R$ 95,6 milhões seriam para que a Fiocruz tenha a tecnologia.
"A vacina é peça fundamental nas respostas do governo federal no enfrentamento da pandemia. Ela, no entanto, não é e nem será a única medida adotada contra a covid-19", comentou Pazuello.
A vacina de Oxford
A chamada "vacina de Oxford" trabalha com um vetor viral não replicante - ou seja, usa um vírus diferente do coronavírus em questão como uma espécie de "cavalo de Troia", que é modificado geneticamente e não consegue se replicar no corpo humano.
O vírus conta com uma parte modificada e não infecciosa do Sars-Cov-2. Quando a vacina é injetada no corpo, o sistema imunológico promove uma resposta imune à proteína, levando à produção de anticorpos e outras células de defesa contra a covid-19.
SP não recorrerá a verbas da MP
A vacina em questão não é a única em fase final de testes no Brasil. Produzida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech, a chamada "Coronavac" passa por experiências no Brasil, em parceria com o Instituto Butantan. O produto deve ser colocado à prova em cinco estados e no Distrito Federal.
Em entrevista coletiva ontem, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), deixou claro que o Instituto Butantan não pretende usar os recursos da MP assinada hoje para financiar as pesquisas.
"São Paulo não pediu nenhum recurso para o governo federal para o desenvolvimento da vacina. Estamos usando recursos do governo de São Paulo e fizemos um pleito — bem-sucedido até aqui — para o apoio do setor privado", disse Doria.
"Não solicitamos e não temos necessidade de fazer essa solicitação. Não creio que haja uma competição entre as vacinas e nem é recomendável que isso aconteça. Da parte de São Paulo, não há", acrescentou.
Outras vacinas
Ao redor do mundo, outras vacinas também se encontram em fases avançadas. A Rússia anunciou um projeto de vacinação em massa já para outubro, com ensaios clínicos já concluídos. As empresas Pfizer e BioNTech também têm propostas em fases finais. Outras soluções têm sido estudadas por marcas como Moderna Inc, Merck & Co. e Johnson & Johnson.