Bolsonaro reposiciona Brasil no mundo, com a chancela de Trump

Agenda ideológica, religiosa, ultraconservadora e nacionalista refunda política externa brasileira e passa a ser guiar a atuação do Itamaraty em órgãos internacionais e nas relações bilaterais.

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Quando Jair Bolsonaro subiu ao palco da ONU nesta terça-feira, ele não apenas abriu oficialmente a Assembleia Geral das Nações Unidas. Seu discurso, ainda que repleto de inimigos imaginários, representou a inauguração de uma nova política externa, guiada por uma agenda ideológica, nacionalista, ultraconservadora e religiosa. Bolsonaro atacou ONGs, caciques, governos e a imprensa internacional, proliferou teorias da conspiração e fez um discurso com a forte marca da demagogia de um populista. As informações são do UOL. 

Mas, depois do vexame do discurso de seis minutos em Davos, em janeiro, de uma participação apagada no G-20 e de ofensas a líderes internacionais, Bolsonaro se concentrou em traçar as linhas de sua estratégia internacional e em detalhar o reposicionamento do Brasil no mundo. Seu discurso, portanto, serviu não apenas com uma mensagem à sua base no Brasil. 

Mas para dar uma indicação clara ao mundo de qual será a linha adotada a partir de agora pela diplomacia brasileira. Nos próximos meses, diversos desses pontos serão traduzidos em ações concretas e votos nos diferentes organismos internacionais. Se a palavra "soberania" resume sua fala e foi repetida em diversas ocasiões, são suas consequências e seus corolários que chamaram a atenção de estrategistas e diplomatas estrangeiros ao longo do discurso de 31 minutos. 

Um dos pontos centrais foi o recado à ONU de que a entidade está excedendo seu mandato. Para o Brasil, não existem interesses globais. Mas é, sim, um espaço de nações soberanas. "Não estamos aqui para apagar nacionalidades em nome de interesses globais abstratos", disse. Ou seja: não há espaço para a ingerência externa em nenhum assunto e nem para obrigar governos a iniciativas globais. Bolsonaro emendou um alerta de que o Brasil não aceitará que haja uma mudança na ONU. 

"Esta não é a Organização do Interesse Globa. É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer", disse. Outra consequência da soberania é a recusa de que o tema das florestas tenha um perfil internacional. Bolsonaro rejeitou a tese de que a Amazônia seja um patrimônio da humanidade. Sem citar nomes, fez alusão ao "espírito colonialista" da França e preferiu garantir que a "nossa Amazônia" está "praticamente intocada". 

Reuters

Religião 

O presidente também apresentou uma outra dimensão do redirecionamento da política externa nacional: o pilar religioso, a proteção aos cristãos e, claro, aos valores ultraconservadores. Dentro do Itamaraty, essa guinada tem sido recebida como um sinal da transposição de sua guerra cultural doméstica para sua agenda externa e interpretada como um sinal de que o caráter laico do estado teria seus limites no Planalto. 

Na prática, o governo indica que vai seguir uma linha de defesa de valores cristãos em sua agenda internacional, tentando moldar resoluções e textos à nova direção religiosa e vetando iniciativas progressistas na OMS, Unicef e outros organismos. Disfarçando o tema no combate à "perseguição" de todas as religiões, o que o Brasil de Bolsonaro de fato quer é atacar aqueles que minam os valores ocidentais-cristãos.

"Preocupam o povo brasileiro, em particular, a crescente perseguição, a discriminação e a violência contra missionários e minorias religiosas, em diferentes regiões do mundo", disse. "É inadmissível que, em pleno Século XXI, com tantos instrumentos, tratados e organismos com a finalidade de resguardar direitos de todo tipo e de toda sorte, ainda haja milhões de cristãos e pessoas de outras religiões que perdem sua vida ou sua liberdade em razão de sua fé", afirmou. 

Além do cristianismo, Bolsonaro fez alusões à necessidade de se combater os "sistemas ideológicos de pensamento" que estariam "seduzindo" a sociedade. "A ideologia se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas", alertou. "A ideologia invadiu nossos lares para investir contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família", disse. "Tentam ainda destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica", disse. 

O resultado desse posicionamento tem sido uma mudança profunda no padrão de votações do Brasil nos órgãos internacionais. Resoluções que tratam de igualdade de gênero, educação sexual ou direitos reprodutivos estão sendo vetadas.

 Economia 

Se a linha da política externa é ultraconservadora em seus valores, ela é também ultraliberal em sua estratégia comercial e econômica. Em seu discurso, Bolsonaro confirmou a intenção de adotar uma postura de abertura. "Não pode haver liberdade política sem que haja também liberdade econômica. E vice-versa. O livre mercado, as concessões e as privatizações já se fazem presentes hoje no Brasil", disse Bolsonaro. "Estamos abrindo a economia e nos integrando às cadeias globais de valor. Em apenas oito meses, concluímos os dois maiores acordos comerciais da história do país, aqueles firmados entre o Mercosul e a União Europeia e entre o Mercosul e a Área Europeia de Livre Comércio, o EFTA", disse, prometendo mais acordos nos próximos meses e a adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Venezuela, Socialismo e Trump 

A nova agenda não estaria completa sem um duro ataque a qualquer sinal de governos que tenham simpatia por pontos de vista e políticas de esquerda. Para deixar isso claro, ele voltou a justificar as ditaduras do Cone Sul, desta vez feita sem citar nomes. Parte do ataque visava Nicolas Maduro, na Venezuela, e o regime cubano. Mas o tom usado também serviu de alerta para qualquer outro país sul-americano que, em eleições, possam voltar a retomar o caminho de governos de esquerda. Não faltaria, porém, um sinal muito claro em seu discurso de que existe sim um alinhamento total entre o Itamaraty e a Casa Branca. Donald Trump foi o único líder a ser citado pelo brasileiro e, claro, de forma elogiosa e agradecida por seu papel de aliado. Afinal, até a soberania tem seus limites. Logo depois de Bolsonaro tomar a palavra, foi a vez do mandatário americano. A coincidência no uso de diversas dos termos não ocorreu por acaso. O discurso brasileiro foi alvo de consultas com a Casa Branca, algo inédito na história democrática do Brasil.

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