Brasil não tem programa nacional para apoiar alunas grávidas; confira

De um lado, os números apontam que programas de prevenção não dão conta do problema em nível nacional.

O estudo deixa claro o comprometimento da vida escolar | Terra
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Todos os dias, 20 mil adolescentes com menos de 18 anos dão à luz em países em desenvolvimento. No Brasil, diariamente, mais de 1.460 meninas entre 10 e 19 anos se tornam mães ? foram 536 mil em 2012, número que ainda causa preocupação entre professores, apesar de representar 214 mil casos a menos do que em 2000.

De um lado, os números apontam que programas de prevenção não dão conta do problema em nível nacional. O Ministério da Saúde mantém o Saúde na Escola, que, em parceria com o Ministério da Educação, distribui material com orientações relacionadas à educação sexual. Na outra ponta do problema, o poder público deixa nas mãos das escolas o papel de evitar perder alunos que se tornam pais precocemente.

Segundo sua área técnica, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) não calcula taxas de rendimento (aprovação, reprovação e abandono escolar) por faixa etária e por sexo, e desconhece as razões que levam ao abandono. Mas os professores sabem que, entre os motivos, está a gravidez precoce.

Recentemente, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) divulgou o Relatório Situação da População Mundial 2013 ? Maternidade Precoce, referente a 150 países. O estudo deixa claro o comprometimento da vida escolar e do futuro de meninas que engravidam cedo. Enquanto na Jamaica, um dos países citados no documento como um bom exemplo, uma fundação auxilia desde 1978 jovens mães a voltar à escola após o parto, no Brasil cabe a cada escola decidir se vai ou não apoiar os alunos que se tornam pais cedo a não abandonarem os estudos.

Em São Gonçalo (RJ), o Centro Integrado de Educação Pública 422 (Ciep 422) Nicanor Ferreira Nunes se esforça para tentar evitar que as jovens mães deixem de ir à escola. Desde 2011, as meninas podem realizar atividades escolares de casa no final da gravidez e levar os bebês para as aulas até os quatro meses. "Nosso objetivo é melhorar a autoestima dessas meninas. Com a gravidez precoce, vem um sentimento de desamparo. A educação deve ter esse lado humano e social de acolher as alunas. Assim, elas não deixam de estudar", explica a diretora adjunta do Ciep, Jaqueline da Costa. Desde 2011, foram seis alunas, de 15 a 17 anos, que levaram seus filhos para a aula e não deixaram de estudar.

Jaqueline explica que a direção percebeu a necessidade de um programa quando as alunas passaram a procurar a direção para informar que não poderiam continuar seus estudos por conta dos bebês. Em alguns casos, as mães passaram a ter de trabalhar o dia inteiro para sustentar a criança e não tinham com quem deixá-la nos horários das aulas. "A evasão escolar por conta de gravidez não é uma situação que deveria ser ignorada. Deveria existir um projeto em todas as escolas para acolher esses alunos, tanto as meninas quanto os meninos. Feito o acompanhamento por um período crucial, conseguimos evitar o abandono. Uma de nossas alunas prestou o Enem e irá fazer vestibular", conta.

Monique Elias Lima, 19 anos, é uma das alunas que não desistiu de estudar mesmo depois da gestação precoce, graças ao auxílio do Ciep Nicanor. Engravidou aos 17 anos, quando estava no 1º ano do ensino médio, deu à luz Mônica, durante as férias, e depois passou a levar a bebê para as aulas. Foi na escola que sua filha deu os primeiros passos ? na época, a criança podia frequentar a escola por mais do que quatro meses. "Quando as aulas voltaram, eu queria parar de estudar para cuidar dela. Mas a diretora me ligou e insistiu para que eu voltasse", conta a menina, já formada. Segundo ela, o papel da escola foi fundamental para que ela não desistisse. Hoje tem um motivo a mais para se preocupar com seu futuro: Monique planeja prestar vestibular para garantir uma vida melhor para ela e para a filha.

No primeiro semestre deste ano, de acordo com dados parciais do Sistema Nacional de Informações sobre Nascidos Vivos (DataSUS), foram registrados 1.254 partos em meninas com menos de 15 anos e 26.856 em adolescentes de 15 a 19 anos. Em 2012, segundo a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, foram registrados no estado 1.819 partos em mães com menos de 15 anos. Dos 15 aos 19 anos, foram 38.629 nascimentos.

De acordo com a coordenadora de Educação Ambiental e Saúde da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC), Deise Keller, há escolas fluminenses que enviam para a casa das meninas grávidas o conteúdo das aulas que elas perderam. O apoio tem o objetivo de evitar que percam o ano letivo. "Mas a decisão de continuar estudando após engravidar é uma escolha somente delas", diz Deise.

Quando a prevenção funciona

"A barriga aparece, o nenê cresce e o pai desaparece". A frase que estampa uma das faixas exibidas pelas ruas de Catanduva, interior de São Paulo, é criação de alunos da rede estadual que participam do projeto de orientação e prevenção voltado às comunidades de 26 escolas geridas pela diretoria de ensino de Catanduva. Resultado das oficinas e conversas nas escolas, a faixa estampa um problema recorrente para as meninas, a ausência do pai. Mas nas mesmas atividades, fica evidente que nem todo jovem pai é irresponsável.

A professora de Ciências e Biologia da Escola Estadual Capitão Horácio Antônio do Nascimento, de Tabapuã (SP), Sonia Xavier, lembra que não se pode generalizar e conta que muitos meninos demostram consciência na criação de suas frases com exemplos como "Usar camisinha não é coisa de "caretão", é ato de consciência, atitude de campeão" ou "Dose suas atitudes, use sua inteligência, gravidez tem hora certa, não pode ser na adolescência". As atividades são guiadas pelo material distribuído nacionalmente e fazem parte do programa estadual "Prevenção também se Ensina".

O projeto também orienta os professores e coordenadores sobre a melhor forma de abordar o assunto com os alunos. "Após orientar os docentes, utilizamos livros e vídeos do material enviado pelo governo para conversar sobre a experiência sexual com os alunos. Utilizamos uma cartilha de situações fictícias, que envolvem a gravidez na adolescência. A partir das leituras, os alunos refletem sobre o caso", conta.

Segundo pesquisa da diretoria de ensino de Catanduva, em 2012, nos três anos do ensino médio, 3,3% dos 5.831 estudantes da região protagonizaram casos de gravidez na adolescência, entre meninos e meninas. Em 2013, até o final de novembro, esse índice foi de 2,7%. A diretoria atribui a queda ao seu programa de prevenção. Dados do Censo 2010, mostram que as cidades de Catanduva e Tabapuã tem uma porcentagem de mulheres de 15 a 17 anos que tiveram filhos próxima à média nacional, de 6,94%. Na primeira cidade, o índice é de 6,38%; na segunda, 7,71%, respectivamente.

Caso a gravidez aconteça, as escolas da região orientam a adolescente sobre como proceder em termos legais, de saúde e para não perder o ano letivo. Na instituição de Tabapuã, as jovens mães podem realizar atividades em casa por um período, para depois voltar às salas de aula. "A escola é o vínculo para a adolescente grávida não abandonar os estudos. A escola tem de agir", diz Sonia.

A professora de Ciências, Girlene Santana, da Escola Estadual Prefeito Rinaldo Poli, em Guarulhos, chama a atenção para a falta de uma política educacional nacional que ampare esses jovens pais. "Quando a aluna engravida, ocorre um afastamento não somente das mães, mas também dos pais. Os meninos muitas vezes param de estudar para trabalhar. Cabe à escola ir atrás dos alunos, chamar para conversar, orientar". Na visão da professora, o bebê pode se tornar um aliado no estímulo ao estudo. "A orientação é essencial para evitarmos a reincidência. Devemos explicar que se não terminaram o ensino médio, eles serão excluídos do mercado de trabalho. O estudo é necessário para que melhorem financeiramente, inclusive para sustentar melhor o bebê que chegou".

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