Por Juarez Oliveira e Sávia Barreto
Em Teresina no fim da década de 70, o cantor Caetano Veloso encontrou o pai do poeta Torquato Neto, que havia se suicidado alguns anos antes. ?Na época do acontecido, me senti um tanto amargo e triste, mas pouco sentimental. Quando encontrei doutor Eli, que sempre foi uma pessoa adorável, parecidíssimo com Torquato, essa dureza amarga se desfez. E eu chorei durante horas, sem parar?, relatou Caetano no livro Verdade Tropical.
Seu Eli serviu uma cajuína ao cantor, pegou uma rosa no jardim e entregou ao amigo do filho morto. ?Pois quando tu me deste a rosa pequenina / Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina / Do menino infeliz não se nos ilumina / Tampouco turva-se a lágrima nordestina / Apenas a matéria vida era tão fina?. A música, uma homenagem à serenidade do piauiense pai de Torquato Neto, é uma homenagem também à cajuína.
?A cajuína cristalina em Teresina...?. Os versos do cantor Caetano Veloso na música Cajuína ecoam no imaginário local. Se existe uma bebida que é a cara do piauiense, é a cajuína. Originada do caju, fruta abundante no Estado, a cajuína teve suas raízes comprovadamente piauienses confirmadas pelo pesquisador José Lopes Ribeiro, da Embrapa Meio-Norte. Ele lançou os resultados de suas pesquisas no livro intitulado: Cajuína - Informações Técnicas para a Indicação Geográfica de Procedência do Estado do Piauí.
Na publicação, que por enquanto está disponível somente no formato digital, o pesquisador divulga o resultado de duas pesquisas, sobre o melhoramento do cajueiro anão precoce e sobre a origem da cajuína, como meio de obter a indicação geográfica para o Piauí. José Lopes explica que recebeu do Sebrae a missão de pesquisar a origem da cajuína. Ele conta que levou dois anos e meio de pesquisa bibliográfica e de pesquisas de campo, mas que os resultados foram positivos.
José Lopes: cajuína é piauiense
?A cajuína é uma bebida que tem origem indígena. Ela é procedente dos grupos indígenas do Nordeste desde o século XIX, e o Piauí foi o Estado em que ela teve maior aceitação e destaque?, explica. José Lopes conta ainda que o cajueiro é uma planta genuinamente brasileira e nativa do litoral nordestino, com forte adaptação ao clima local, sendo a única fruta, além da manga, que em regime de sequeiro consegue florescer no período seco.
A cajuína poderá ganhar a Indicação Geográfica, pelo Instituto de Certificação de Origem, como sendo uma bebida genuinamente piauiense. O pesquisador informa que a indicação geográfica vai aumentar o reconhecimento e melhorar a qualidade da bebida. ?Com a indicação geográfica, a cajuína do Piauí passará a ser conhecida nacionalmente, devido à padronização do seu processo de fabricação, qualidade e competitividade com outras bebidas não fermentadas e sem aditivos, conquistando novos mercados, ampliando a sua produção e dando sustentabilidade ao agronegócio da cajucultura piauiense?, ressalta.
José Lopes acrescenta ainda que a cajucultura no Estado está relacionada também ao aspecto social pela geração de emprego e renda para a população rural, principalmente no período da seca, quando acontecem as entressafas das culturas anuais, como o arroz, o milho, o feijão e a mandioca.
A cajuína é uma rica fonte de vitamina C, de acordo com as pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Ceará. Segundo o estudo, em cada 100 ml de cajuína são encontradas 156 mg de vitamina C, teor três vezes maior do que é apresentado na mesma quantidade do suco de laranja. Um projeto do deputado estadual Fábio Novo (PT), apresentado em agosto deste ano na Assembleia Legislativa do Piauí, determina como obrigatório o uso da cajuína na merenda das unidades de Ensino Fundamental e Médio das redes municipais, estaduais e privadas do Piauí. A quantidade de cajuína implantada no cardápio ficaria a cargo da nutricionista responsável pela escola.
O modo artesanal de produzir a cajuína é considerado como de relevante interesse cultural para o Piauí desde 2008. O reconhecimento foi resultado da atuação da Fundação Cultural do Piauí (Fundac), que realizou - em parceria com o Emater (Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural) ? um trabalho de documentação e pesquisa sobre a bebida piauiense. O registro foi enviado ao Ministério da Cultura (MinC), para que a cajuína também se torne um Patrimônio Cultural Brasileiro.
A ligação dos piauienses com a cajuína é tão sólida, que uma das principais avenidas da capital tem o nome da bebida, a avenida Cajuína, localizada na zona Leste de Teresina. Na capital também acontece a corrida que reúne grandes atletas do Brasil e tem o nome em homenagem a bebida: é a Volta da Cajuína, seletiva piauiense para a corrida de São Silvestre, a mais tradicional corrida de rua do Brasil, e promovida pelo Governo do Estado, por meio da Fundação dos Esportes do Piauí (Fundespi).
De acordo com os indicadores da Cajuespi (Cooperativa dos Produtores de Cajuína do Estado do Piauí), o Piauí produz uma média de 4,6 milhões de garrafas de cajuína por ano. As principais áreas destinadas ao cultivo do caju ficam localizadas nas cidades de São Raimundo Nonato, Picos e Paulistana. A Cajuespi estima em cerca de três mil produtores de cajuína no Estado. A cajuína fabricada no Estado é vendida para São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Bahia e Maranhão.
A bebida fabricada no Piauí é vendida em todo o Brasil
Fotos: Arquivo Jornal Meio Norte