Quem mora no Piauí ou costuma visitar o Estado certamente já provou a cajuína ? bebida não alcoólica feita a partir do suco de caju e que faz parte da cultura local, compondo a identidade piauiense.
Além de desfrutar do sabor e das qualidades nutricionais já comprovadas (o produto é boa fonte de vitaminas C a A), um fato que pouca gente conhece é que, quem bebe um bom copo gelado de cajuína está também ajudando a proteger a saúde.
É o que apontam os estudos da pesquisadora Ana Amélia de Carvalho. A professora (doutora em Biologia Molecular) faz parte do quadro permanente do Mestrado em Ciências Farmacêuticas da UFPI (Universidade Federal do Piauí), sendo também colaboradora da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) e do Centro Universitário Uninovafapi, em Teresina.
Bebida modula os efeitos de medicamento usado em quimioterapia
Já na UFPI, as referidas pesquisas tiveram um novo passo ao ingressar nos testes em seres vivos - mais especificamente em camundongos. Os resultados foram similares aos percebidos nas testagens em bactérias e também apresentaram conformidade com os estudos in vitro, reforçando a caracterização do poder antioxidante da cajuína.
Nesse ponto, foi observado que a bebida piauiense pode "sequestrar" radiciais livres gerados por uma droga chamada ciclofosfamida, que é um antineoplásico bastante usado na quimioterapia.
Os novos testes geraram conclusões ainda mais solidificadas. Nas palavras da pesquisadora: "Ao aplicar a ciclofosfamida em conjunto com a cajuína em camundongos, notamos que o produto natural foi determinante para combater os danos induzidos pela droga ao DNA, a exemplo de danos oxidativos, que é um mecanismo necessário para destruir as células neoplásicas.
Ou seja, a cajuína impede que o medicamento tenha uma ação oxidante, diminuindo seu efeito. Portanto, durante uma quimioterapia, não é recomendado ao paciente ingerir produtos antioxidantes, sob pena de afetar a efetividade do tratamento".
Ainda na UFPI, no curso de Ciências Farmacêuticas e no Departamento de Biologia, em colaboração com a Dra.
Sandra Maria Mendes de Moura Dantas (UFPI), Dra. Juliana da Silva e Dra Jaqueline Picada, ambas da ULBRA, foram feitos mais estudos com testes de aberrações cromossômicas, com o objetivo de observar se a cajuína impedia a ciclofosfamida de causar a quebra (alterações estruturais) dos cromossomos, comprovando que a bebida realmente tem uma proteção antimutagênica, conforme foi verificado anteriormente em bactérias.
Também foram feitas pesquisas com leveduras, com resultados parecidos - mais uma vez, as propriedades antioxidantes se apresentaram de forma bastante clara.
"Em suma, a cajuína, apesar de todo o processamento, constitui-se em um excelente produto antimutagênico, com grande capacidade de agir na redução de danos oxidativos.
Desta forma, deve fazer parte da dieta das pessoas como um composto natural capaz de proteger o material genético contra ação de compostos mutagênicos e carcinogênicos, o que também se constitui em uma postura de prevenção da formação de neoplasias (casos de câncer)", resumiu a pesquisadora.
Produto artesanal surpreendeu pesquisadores no Sul do país
Questionada sobre a reação dos pesquisadores da UFRGS diante da escolha das propriedades da cajuína como objeto de pesquisa em seu Doutorado, Ana Amélia de Carvalho ressalta que o produto, antes um ilustre desconhecido dos acadêmicos da instituição, acabou tornando-se uma grata surpresa para todos.
"A princípio eles ficaram assustados com a qualidade nutricional e funcional da cajuína. Mas meu orientador me deu total apoio", lembra ela, que hoje desenvolve diversas pesquisas nas áreas de Mutagênese e Cancinogênese.
Por enquanto, a cajuína ainda não dispõe de um padrão de qualidade no que diz respeito aos processos de fabricação do produto ao longo do território do Estado. Entretanto, a pesquisadora diz que isso foi levado em consideração em todos esses anos de estudos acerca da famosa bebida.
"Fiz pesquisas com produtos oriundos de diferentes pontos de produção artesanal e não observei variações químicas que implicassem alterações nas propriedades antimutagênicas e anticarcinogênicas", finaliza a professora Doutora.
Os trabalhos com a cajuína começaram durante o doutorado da pesquisadora, no laboratório de genotoxicidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Lá, em conjunto com o grupo de pesquisadores do Dr. João Antônio Pêgas Henriques, foram inicialmente testados o suco de caju e a cajuína em bactérias e também com o uso de metabolização, com o objetivo de simular efeitos em células eucarióticas.
Neste primeiro momento, as potencialidades do suco de caju e da cajuína já começaram a surgir: ambos apresentaram antimutagênicos nos testes iniciais, ou seja, mostraram-se capazes de modular a ação de drogas que são consideradas mutagênicas e carcinogênicas, a exemplo do benzo[a]pireno e da aflatoxina, bem como do peróxido de hidrogênio.
O passo seguinte foram os estudos e testes in vitro. Nestes testes, foram encontrados altos potenciais antioxidantes na cajuína e no suco de caju. ?Fato que nos surpreendeu muito, porque quando se faz a análise dos constituintes químicos da cajuína e do suco de caju, encontra-se no suco um percentual muito alto de vitamina C, além de compostos flavonoides e taninos condensados.
Na cajuína, o total de vitamina C e desses mesmos compostos é diminuído em virtude de todo o processo de fabricação ao qual o produto é submetido. No entanto, mesmo depois de passar por todos esses processos, a cajuína se mostrou muito mais antioxidante que o suco de caju?, explica a pesquisadora.
Isso provou que alguns compostos que foram degradados durante o aquecimento e as demais fases de fabricação da cajuína acabaram se transformando em outros compostos, caso do ácido gálico e do ácido elágico, que são excelentes compostos antioxidantes - capazes de ?sequestrar? radicais livres (moléculas liberadas pelo metabolismo do corpo com elétrons altamente instáveis e reativos, que podem causar doenças degenerativas, envelhecimento e morte celular, além do câncer).
?Essa propriedade da cajuína é benéfica para o organismo, afinal, por dia, só com a metabolização do peróxido de hidrogênio, acontecem cerca de 10 mil lesões oxidativas ao DNA.
É o chamado ?stress oxidativo?, que hoje é tido como uma das principais etiologias para o envelhecimento e para o desenvolvimento de câncer?, complementa Ana Amélia.