Vários fabricantes já desenvolveram projetos e testaram veículos movidos a hidrogênio há algumas décadas, mas esses automóveis sequer entraram em produção comercial. Muitas empresas chegaram a construir protótipos, mas não levaram as pesquisas adiante devido a vários problemas enfrentados durante a fase de desenvolvimento: o hidrogênio era queimado diretamente na câmara de combustão e precisava ser resfriado, para que pudesse se tornar líquido, a uma temperatura de quase 200 graus negativos antes do abastecimento. Outro entrave, esse processo era complexo e muito caro, e o sistema exigia que o veículo tivesse um enorme tanque para seu armazenamento, o que acabou inviabilizando a fabricação em escala desses veículos.
Com o aprimoramento e miniaturização ? principalmente a partir do ano 2000 ? das células de combustível (ou pilhas de combustível), que fazem a eletrólise do hidrogênio por meio de processo físico-químico, gerando calor e energia para suprir baterias e motores elétricos, o sistema ficou mais compacto e eficiente, viabilizando a construção de modelos elétricos alimentados por essas pilhas.
De lá para cá, BMW e Mercedes foram as empresas europeias que mais se destacaram na pesquisa e aprimoramento desse tipo de tecnologia. Mas a coreana Hyundai parece que entrou nessa corrida disposta a chegar na frente dos rivais alemães. Isso porque duas unidades do utilitário esportivo iX35, movidas a hidrogênio, acabaram de completar a mais longa viagem com esse tipo de combustível, contando apenas com a rede de abastecimento existente hoje em dia, sem a ajuda de carros de apoio. A dupla percorreu 2.246 quilômetros entre Oslo (Noruega) e Mônaco (França) em cinco dias. Entre os países europeus, a Alemanha se mostrou com a maior rede de abastecimento, com Suécia em segundo lugar e França em terceiro.
Na Ásia, a Honda foi uma das primeiras montadoras a lançar esses modelos comercialmente, com o FCX Clarity. Em 2008, a montadora japonesa apresentou as primeiras unidades de seu carro movido a célula de combustível, que foram ofertadas aos consumidores americanos pelo sistema de leasing, com mensalidade de US$ 600 ? depois de três anos de uso, os veículos deveriam ser devolvidos à fábrica. Com essa estratégia, a Honda pôde avaliar melhor o projeto e adequá-lo ao mercado. Os 200 primeiros exemplares do modelo foram destinados à Califórnia, Estado americano que conta com infraestrutura piloto de rede de abastecimento de hidrogênio.
Na época, o Honda FCX Clarity foi considerado um avanço em relação aos seus similares, já que tinha autonomia para rodar 450 quilômetros e sua célula de combustível pesava a metade do sistema utilizado na geração anterior do sedã. Só que em poucos anos esses números começam a ser ultrapassados.
LONGA JORNADA DE VIABILIZAÇÃO
Montadoras do porte da Mercedes-Benz, BMW, Volkswagen, Ford, General Motors, Honda, Toyota, Nissan, Hyundai e Kia retomaram seus projetos e já preveem uma data entre 2015 e 2018 como início da viabilização do carro movido a célula de combustível a hidrogênio. Mas a maioria dos especialistas internacionais espera que isso só aconteça a partir de 2020. Para eles e esses fabricantes, o maior problema é a total falta de rede de abastecimento nas cidades, além do alto custo do combustível e de produção dos veículos. Apesar das adversidades previstas pelo caminho, o carro movido a célula de combustível desponta como uma outra frente onde deverão se concentrar as pesquisas nos próximos anos.
?Até 2015, o custo de um veículo desses será de US$ 150 mil (R$ 285 mil) a US$ 200 mil (R$ 380 mil), o que ainda seria inviável para a maioria dos consumidores. Mas, a previsão é que seu preço caia para US$ 50 mil (95 mil), em países europeus e no Japão, até 2020?, afirma o engenheiro Francisco Satkunas, conselheiro da SAE Brasil (Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade). Além do alto custo, o problema mais sério enfrentado por esses veículos é a falta de estrutura de abastecimento e o custo elevado do hidrogênio?, explica.
A Mercedes-Benz é uma das grandes montadoras globais que está direcionando suas pesquisas para esse tipo de veículo, com protótipos apresentados desde a década de 1990. Em 1998, a marca desenvolveu um protótipo do Classe A, que também não chegou a ser vendido no mercado. No ano passado, um comboio de três Classe B com célula de combustível a hidrogênio deu a volta ao mundo, comprovando a viabilidade da tecnologia.
O sistema funciona da seguinte forma: uma grande câmara com membranas de carbono recebe ar de um lado e hidrogênio de outro, causando uma reação físico-química que gera eletricidade para alimentar um motor elétrico e mover as rodas. No processo de reação do hidrogênio com oxigênio sobra apenas H2O, ou água aquecida na forma de vapor de água, substância limpa expelida pelo escapamento sem poluir o meio ambiente.
Ainda este ano, a Mercedes-Benz deverá lançar no mercado uma série limitada do Classe B F-Cell, primeiro carro da marca movido com esse sistema e produzido em larga escala, com autonomia para rodar 400 quilômetros. O modelo vai concorrer com o similar Honda FCX Clarity.
Mas o estado da arte em tecnologia da montadora alemã é o Mercedes F125, um protótipo experimental no estilo cupê futurista, com carroceria moldada em alumínio e fibra de carbono. Unindo motor elétrico (são quatro ao todo, um para cada roda) com o sistema a hidrogênio, o modelo híbrido plug-in representa a futura geração de carros ecológicos, que deverá virar realidade a partir de 2020. Sua bateria é de íon lítio sulfuroso e, segundo a montadora, deverá alcançar o dobro da capacidade de armazenamento das atuais. Com alcance combinado para mil quilômetros, o veículo deverá resolver de vez o problema de falta de autonomia dos carros verdes.
Enquanto a Europa e a Ásia avançam nessa tecnologia, o Brasil se restringe a pesquisas acadêmicas isoladas e pouco divulgadas.
Em 2007, foi desenvolvido aqui um ônibus com células de combustível e, em 2009, ele entrou em operação no corredor que liga o Jabaquara a São Bernardo, na região do ABC Paulista. Chegaram a fazer quatro ônibus, com células fornecidas pela Ballard (a mesma que fornece para a Mercedes-Benz), mas depois disso não se teve mais notícia a respeito.
Nos anos 90, o Cenbio/USP fez pesquisas com extração de hidrogênio do etanol, por meio de catalisador. É um sistema que a Mercedes já testou em modelos Classe A (batizados de Necar, de New Electric Car) entre 1997 e 1998, mas abandonou essa solução por falta de espaço ? descobriu que é melhor extrair o hidrogênio fora do veículo, congelar (para torná-lo líquido) e aí abastecer o carro em um tanque de alta pressão.