Casa desaba com família dentro após construtora demolir imóvel vizinho

O casal e a filha de 9 meses sobreviveram. Construtora havia dito à família que não havia risco; em nota, empresa disse que 'cumpre integralmente com suas responsabilidades'.

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Dois babadores, um roxo e um verde estampado, seguem pendurados no varal do jardim de inverno, alheios à destruição do entorno. Eles são da Clara, de 9 meses, que morava em uma casa em Moema, bairro nobre da Zona Sul de São Paulo. No fim da madrugada desta terça-feira (12), seus pais, Clemente e Antônia, acordaram com a residência vindo abaixo.

Muro caiu sobre casa e derrubou imóvel em Moema, na Zona Sul de São Paulo, com a família dentro — (Reprodução/ Arquivo pessoal/Clemente Gauer) 

O imóvel na Rua Ministro Gabriel de Rezende Passos tinha vizinhos até o fim do ano passado. Na época, parte da vizinhança foi comprada e demolida pela construtora Eztec, que agora anuncia um empreendimento com apartamentos de 280 m² com 4 suítes no local. As demolições causaram uma trinca no chão da casa da fotógrafa Antônia Domingues de Castro, de 40 anos, e do engenheiro de sistemas Clemente Gauer, de 38.

A trinca no início era pequena, mas foi crescendo. A família procurou a construtora, que enviou técnicos ao local e disse que seriam necessários reparos no muro que fazia limite com a casa vizinha que havia sido demolida. Segundo o casal, os funcionários garantiram que o local era seguro.

No final da tarde de segunda-feira (11), o casal recebeu um e-mail do engenheiro da construtora dizendo mais uma vez que o imóvel “não oferecia risco iminente”.

Clemente, Antônia, e a filha de 9 meses estavam dormindo quando a casa começou a desabar. Eles não tiveram tempo de sair, mas sobreviveram com ferimentos leves — Reprodução/Paula Paiva Paulo/G1 

Doze horas depois, por volta das 4h de terça, Clemente foi acordado por um barulho estranho. “Escutei um estalo, de madeira. Fui na sala e vi que a trinca, que era uma trinca de um dedinho, virou um dedão. E aí comecei a ouvir um barulhinho, como se fosse areia caindo pelo muro.”

Ainda sem saber o que estava acontecendo, acordou a mulher e disse que eles tinham que deixar o local.

Clemente queria sair pela lateral da casa, mas não estava encontrando a chave. Já Antônia queria subir para o telhado. “Falei: 'Vamos sair pela caixa d’água'", disse a fotógrafa. Mas, antes de achar a chave ou subir para o telhado, a casa desabou.

Escadaria na entrada da casa, antes e depois da destruição — (Reprodução/Arquivo pessoal/Clemente Gauer e Paula Paiva Paulo/G1 )

Eles ficaram em pé, em frente à porta do quarto, com Antônia protegendo a bebê contra a parede. “Eu olhei e pensei: 'A gente vai morrer'”, disse. O quarto do casal e o canto em que ficaram encurralados foi a única parte que ficou intacta. A bebê e Antônia tiveram cortes leves; Clemente foi atingido por uma viga e quebrou o dedo do pé.

A família ficou presa, dentro da casa demolida, e teve que ser resgatada pelos bombeiros. Clemente registrou um boletim de ocorrência no 96º Distrito Policial (DP), no Brooklin, por lesão corporal culposa (quando não há intenção).

Casa sustentável e objetos de arte

Pé direito alto, paredes brancas, uma biblioteca num mezanino sobre a sala. Clemente e Antônia alugaram a casa há três anos. Apesar de não serem proprietários, eles decidiram investir no imóvel e dizem ter gasto cerca de R$ 100 mil com uma reforma.

Casa em Moema, na Zona Sul de São Paulo, antes de desmoronar — (Reprodução/ Arquivo pessoal/Clemente Gauer )

“A gente tinha planos de ficar o resto da vida lá”, contou Clemente. O casal queria ter uma casa sustentável - - imóvel tinha aquecimento solar e sistema de coleta de água de reuso.

O engenheiro tem como hobby a marcenaria e projetou boa parte da casa. A sala, além de ter sido personalizada, tinha presentes de família, como uma gravura do pintor Alfredo Volpi e um tapete escocês que pertenceu à avó de Clemente e passou de geração para geração. Isso sem contar uma pequena biblioteca e objetos de arte.

“Eu tinha bicicletas bem raras que eu colecionava, feitas à mão na Inglaterra, na Dinamarca e uma terceira feita em Londres. Todas artesanais. Viraram ferro retorcido”, lamenta Clemente.

Eles também pretendem processar a construtora. Para isso, contrataram uma consultoria para fazer um laudo do que aconteceu com o imóvel.

O consultor de fundações Sérgio Mello visitou o local nesta quarta-feira (13), e disse que constatou que a demolição com a casa que fazia limite deixou um muro que ficou sem sustentação e estava “em balanço”. “Ele [o muro] colapsou primeiro, porque ele não estava escorado, e veio na direção da casa”, disse Mello.

Quando estava na delegacia, Clemente recebeu uma ligação. “Quem me liga da Eztec, às 9h da manhã? Um corretor de imóveis me oferecendo apartamento”, contou, indignado. O corretor fez propaganda de um imóvel no Ipiranga que estava “pronto para morar”.

Outra pessoa da construtora que entrou em contato com o casal foi um advogado, que perguntou “em que poderia ajudar”. Clemente pediu uma van com caixas para poder retirar o que restou, e que a construtora garantisse que os bens que tinham ficado sob os escombros não fossem lesados.

No entanto, na tarde de terça, quando retornou ao que restou da casa, procurou uma caixa de arquivos em que guardava dinheiro, e não havia nada dentro. Segundo o casal, foram levados 6 mil euros e US$ 4 mil.

A proprietária do imóvel, Nádia Helena Louredo, de 66 anos, contou que foi procurada pela construtora Eztec, mas não quis vendê-lo. A casa foi comprada em 1982 pelo pai de Nádia, que a doou para a filha.

Apesar das perdas materiais, o casal está feliz por ter escapado com vida. “Um novo recomeço da nossa família. A gente imaginou que ia ter transtornos com a obra, então estava nos nossos planos eventualmente alugar outro lugar durante a obra. Mas a gente nunca esperou que, com um terreno baldio, sem obra, com laudos, ia existir um desabamento e ainda essa demora e procrastinação por parte deles.”

A Eztec não respondeu se fez estudo de impacto do entorno com as demolições nem se prestará apoio à família. A empresa apenas informou que “segue rigorosos padrões de segurança em todas suas propriedades e cumpre integralmente com suas responsabilidades”.

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