Seis meses após o marido inovar e pintar os olhos de preto, a moradora de São Carlos (SP) Letícia Dias de Carvalho, de 35 anos, resolveu fazer o mesmo. Na última segunda-feira (2), ela se submeteu ao procedimento conhecido como ?eyeball tattoo?, que consiste em injetar tinta na camada de proteção dos olhos. O sonho era pintar de vermelho, mas uma alergia ao mercúrio a fez mudar de opinião. ?Achei que iria ficar mais assustador, a minha intenção era chocar, mas fiquei com medo de dar problemas?, disse a body piercing que também optou pela cor preta. Para a Sociedade Brasileira de Oftalmologia, o procedimento invasivo é desaconselhável e pode causar inflamação interna, levando à perda da visão.
Mesmo sabendo dos riscos, Leticia decidiu ?pagar para ver? e investiu R$ 1 mil para escurecer o branco dos olhos. O procedimento difundido nos Estados Unidos foi realizado em Jundiaí (SP) pelo tatuador Rafael Leão Dias. Foi ele quem também fez a transformação no marido dela, Rodrigo Fernando dos Santos, conhecido em São Carlos como Musquito, que chorou tinta por dois dias.
O profissional explicou que a tinta usada para esse tipo de arte é importada e não é a mesma das tatuagens convencionais. Há também uma agulha especial utilizada como se fosse uma seringa. Para colorir os olhos, são necessárias três aplicações em cada um. Segundo ele, não há perfuração. A aplicação é feita entre a camada conjuntiva e a esclera, que protege o olho.
?Antes eu estava tranquila, mas na hora do procedimento não, porque é meio tenso. Dependia muito de mim, não pode mexer o olho de jeito nenhum porque se não pode rasgar, já que a agulha está lá dentro. É preciso ter muita confiança no profissional?, relatou Leticia, que disse ser a sexta mulher no Estado de São Paulo a passar pelo processo irreversível.
Leticia relatou que o procedimento durou uma hora e que se sentiu um pouco incomodada. ?A hora que injeta a tinta fica tudo preto. Como foi sem anestesia, dá para sentir a agulha entrando e saindo. É uma dor esquisita, diferente de todas as outras, mas é suportável. Acho que é pior para quem está vendo, dá aflição?, contou.
Perigo
O oftalmologista Antonio Carlos Baldin não recomenda o procedimento e alerta para os riscos que podem surgir a médio e longo prazo. ?Quem se candidata a isso está correndo o risco de uma reação contra a substância que é infundida, porque a gente não tem a menor ideia do que uma tinta como essa pode provocar no olho", falou
"Ali há células responsáveis pela substituição de células mortas na superfície do olho e também por parte da produção lacrimal. Também nessa região tem uma rica quantidade incontável de vasos sanguíneos e toda a musculatura que rege a movimentação do olho?, completou Baldin.
Para o especialista João Alberto Holanda de Freitas, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, o método é inteiramente nocivo e não adequado. ?Isso pode dar alguma complicação, como uma uveíte (inflamação interna) e a pessoa perder a visão. A recomendação é não fazer. O consenso da oftalmologia brasileira é para que não se faça isso?, ressaltou o médico.
Família
Leticia, que trabalha com body piercing há seis anos, é mãe de três filhos (Évora, de 2 anos, Lucas, de 8, e Maria Eduarda, de 11). Questionada sobre o impacto que a mudança visual tanto dela quanto do marido causa nas crianças, ela disse acreditar que está formando pessoas menos preconceituosas. Segundo Leticia, os filhos acharam normal, bem como a avó.
?Fiz como uma modificação corporal. Não vendi minha alma, não sou demoníaca, não sou satânica?, explicou ela que, assim como o marido, adora tatuagens e fez a primeira aos 22 anos. O desenho de um sol nas costas deu lugar seis anos depois a um dragão. Depois ela pintou as mãos, os braços e as pernas. A meta, disse, é cobrir 90% do corpo.
?Daqui a alguns anos, imagine dois velhinhos com olho preto e todo tatuado. Quero ficar velha logo só para ver como vai ser, acho que vai chocar mais. Já pensou na fila do banco esperando para receber a aposentadoria??, brincou Leticia, que é seguidora da filosofia budista, mas afirmou não acreditar nem em Deus, nem no diabo.