CNJ acusa TJ de receber indevidamente R$70 mi

Relatório produzido pelo então conselheiro do CNJ

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Relatório produzido pelo então conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Paulo Schimidt e outros três auditores do Tribunal de Contas da União, informa que juízes e desembargadores de Alagoas receberam indevidamente, a título de diferenças salariais, um valor de R$ 70 milhões. A quantia teria sido repassada a cerca de 210 magistrados, de modo informal, durante 11 anos. A autorização para os pagamentos - considerados "irregulares" - teria sido dada pelo próprio TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas).CNJ suspende pagamento extra a juízes no TJ-SP

Na última semana, o conselho decidiu abrir reclamação disciplinar contra o presidente do Tribunal de Justiça paulista, Roberto Vallim Bellocchi, que não teria prestado informações pedidas pelo órgão sobre um benefício concedido a juízes de primeira instância, conhecido como auxílio-voto. O pagamento extra era feito aos juízes de primeira instância convocados para atuar em julgamentos da segunda instância. O CNJ também decidiu suspender a concessão do benefício

O documento com todos os dados e planilhas de pagamentos foi entregue na última sexta-feira (29) ao MP (Ministério Público) e causou a indignação dos magistrados alagoanos - que negam as irregularidades nos pagamentos. Uma comissão de procuradores e promotores já foi criada para analisar o relatório e decidir se o MP ingressa com uma ação civil pública para ressarcimento do erário.

Segundo o TJ-AL informou aos auditores, o pagamento de diferenças salariais seria referente aos períodos de janeiro de 1995 a julho de 1998, e de março de 2000 a dezembro de 2002. Na conclusão, o relatório deixa claro que os repasses "não possuem nenhum amparo legal ou mesmo decisão judicial ou administrativa". Ou seja, eles teriam decidido o pagamento dessas diferenças "desprovidos de qualquer autorização formal".

A presidente do TJ-AL, Elisabeth Carvalho, aparece nas planilhas como uma das maiores beneficiadas de "recebimentos indevidos". Segundo o relatório, entre janeiro de 1995 e julho 1998, e março de 2000 e dezembro de 2002 ela teria recebido, a título de "diferenças salariais indevidas", R$ 579,3 mil (valor corrigido para março de 2007).

Carvalho nega qualquer irregularidade nos seus recebimentos. "Nunca recebi dinheiro a mais. Não recebo o que não é meu", disse. Essa mesma lista diz que o atual ministro do STJ, Humberto Martins, teria ganho R$ 380 mil irregularmente.

Outro item que chama a atenção é o recebimento por "férias não gozadas". Os nomes de nove juízes aparecem na lista, com um pagamento indevido de R$ 584 mil. Somente no mês de novembro de 2006, os juizes Nelson Tenório, Geraldo Amorim, Manoel Cavalcante e Alexandre de Jesus Pereira teriam recebido mais de R$ 88 mil cada um. A Associação de Magistrados de Alagoas (Almagis) diz que não existiu irregularidade nos pagamentos a juízes.

O relatório

O relatório foi fruto de uma sindicância feita no TJ-AL e levou em conta os dados funcionais de janeiro de 1995 a dezembro de 2006. Segundo o documento, os repasses ilegais envolvem 90% do total de magistrados (entre ativos e inativos), entre eles o atual ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, e a presidente do TJ-AL, Elizabeth Carvalho.

Na investigação, os auditores apontam para 14 irregularidades nos pagamentos. As principais são: ausência de uma lei específica que justifique a remuneração, inconstitucionalidade no pagamento das diferenças salariais, pagamento de gratificação natalina em dobro e ausência da retenção de Imposto de Renda e contribuição previdenciária no pagamento dessas diferenças.

O relatório ainda aponta que os benefícios foram pagos de "forma parcial, beneficiando alguns magistrados [que teriam recebido quantias vultosas] em detrimento de outros [que nada recebiam]". Nessa mesma lógica, o relatório ainda põe em xeque a lisura do ingresso na magistratura do Estado, informando que uma análise no banco de dados revelou que 36% dos juízes e desembargadores do Estado "possuem algum tipo de parentesco".

Por fim, o levantamento mostra que os pagamentos indevidos fizeram com que os desembargadores chegassem a receber valores acima do teto constitucional. Nesse item, aparece o nome de quatro desembargadores. No período de 2004 a 2006, foram R$ 77 mil acima do valor máximo permitido por lei. Entre junho de 2004 e dezembro de 2006, os quatro receberam entre R$ 69,70 a R$ 3.732,46 a mais por mês. O detalhe é que os nomes que aparecem na lista (Elisabeth Carvalho, Estácio Gama, Geraldo Tenório e Washington Luiz) são do ex e da atual presidente do TJ-AL.

Segundo o conselheiro de Alagoas, Paulo Lobo, o relatório faz parte de um processo aberto pelo CNJ após a representação do desembargador Antônio Sapucaia (hoje aposentado) contra outro desembargador, Washington Luiz. "Esse relatório é apenas o resultado preliminar de uma auditoria feita in loco e não foi apreciado pelo CNJ. Para haver punições, é preciso a abertura de processos administrativos individuais", afirmou.

Lobo informou ainda que as possíveis irregularidades encontradas no Judiciário de Alagoas serão apresentadas pelo CNJ em relatório na próxima semana. "Esse relatório que será apresentado é fruto da inspeção feito pela Corregedoria, no último mês. Eventualmente, ele pode citar parte dessa inspeção feita em 2007", disse.

MP cria comissão para investigar o caso

Responsável por uma possível ação pedindo punições e ressarcimento, o MP já indicou uma comissão com membros para investigar os dados contidos no relatório. "Essa comissão vai investigar todos os magistrados. A intenção é que, preliminarmente, se encontrem elementos que possam autorizar o MP a tomar medidas, possivelmente com uma ação civil pública por ato de improbidade. Mas é preciso que verifiquemos cuidadosamente a conduta e os atos de cada pessoa indicada nesse relatório", afirmou o procurador-geral de Justiça, Eduardo Tavares.

Ainda segundo o MP, os trabalhos só terão início após a publicação em Diário Oficial, o que deve acontecer ainda esta semana.

Magistrados negam irregularidades

A presidente do TJ-AL, Elizabeth Carvalho, nega que os pagamentos citados no relatório sejam irregulares. Ela diz que tudo foi feito dentro da legalidade e vê o interesse em "sujar" o trabalho feito hoje pelo Judiciário do Estado. "O Poder Judiciário desagrada aos que cometem crimes. E com isso, eles querem enlamear o Judiciário de Alagoas, o que não vai acontecer", afirmou, sem especificar nomes.

O presidente da Associação de Magistrados de Alagoas (Almagis), Maurílio Ferraz, também saiu em defesa dos juízes do Estado e garantiu que não houve qualquer ato irregular. "A Almagis já está recolhendo todo o material e orientando os juízes que peguem todos os comprovantes. Vamos tomar todas as medidas cabíveis, que são o ingresso de ações no âmbito civil e penal, com essas provas", destacou.

Ferraz afirma ainda que o relatório não sugere a nenhum magistrado devolver o dinheiro recebido supostamente de forma irregular. "O CNJ mandou apurar situações. Tanto que no último mês tivemos uma inspeção aqui. Não há pedido de devolução. Defendemos que tudo seja apurado, que seja levado a conhecimento da população", assegurou o juiz.

Conselheiros não avaliaram o relatório

A assessoria de imprensa do CNJ informou que o relatório elaborado pelo então conselheiro Paulo Schimidt não foi aprovado pelos conselheiros e deve ter sido encaminhado diretamente ao Ministério Público, que é quem deverá se posicionar sobre o caso.

Ainda segundo a assessoria do CNJ, o processo foi concluído no mês passado, com a condenação do desembargador Washington Luiz, que terá de devolver R$ 354 mil aos cofres públicos. Ele teria se autorizado indevidamente, quando era presidente do TJ-AL, a receber a quantia de R$ 1,157 milhão, no ano de 2004.

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