Cego há oito anos, o professor de matemática aposentado Marcos Aparecido da Silva, de 42 anos, vai prestar o Enem neste domingo (3). Marcos descobriu ser diabético tipo 1 aos 17 anos, quando estava terminando o ensino médio. Desde então faz uso diário de insulina. Ele cursou matemática e dava aulas em duas escolas: uma particular e outra da rede estadual de ensino. As informações são do G1.
Em 2009, aos 32 anos, ele começou a perder a visão. "Eu estava tomando banho e parece que pingaram uma gota de tinta vermelha nos meus olhos. [Essa sensação] era a retina tendo descolamento." Ele passou por cirurgia, mas dois anos depois perdeu totalmente a visão. Em 2014, ele conseguiu se aposentar.
A adaptação foi "muito complicada". "O começo da perda de visão é muito difícil. Eu tinha uma vida de vidente e de uma hora para outra eu perdi a visão. [No começo], a parte psicológica, autopiedade, depressão, não aceitar a condição são as partes mais difíceis."
Ele conta que dentro de casa, "por ter memória visual', consegue andar mesmo sem a bengala, mas que fora de casa ele ainda depende da esposa Debora – com quem é casado há 16 anos. "Eu quero desenvolver a mobilidade, quero depender menos da minha esposa para me locomover."
Direito
Marcos decidiu mover uma ação judicial contra o estado para ter acesso a insumos e medicamentos para tratar da diabetes. Ele fez uso de um defensor público e, durante o processo, começou a se interessar por direito e identificou a possibilidade de ajudar outras pessoas.
"Eu nunca tinha pensado em voltar a estudar, mas coisas evoluíram. E eu pensei ‘cabeça vazia é oficina do diabo’ e eu precisava me ocupar. E eu voltei a estudar. É um recomeço. Eu descobri que eu tenho muito mais direitos do que eu achava que tinha e foi essa parte que mais me encantou no direito de ajudar as pessoas que não tem as mesmas informações que a gente tem."
"O Enem é uma grande porta para voltar a estudar me recolocar no trabalho."
Para se preparar para a prova, Marcos começou a acessar videoaulas pela internet e relembrar conteúdos de história, geografia e biologia.
Apesar de otimista com a possibilidade de voltar a estudar, Marcos está preocupado com o futuro. "Eu fico preocupado com a estrutura da faculdade, se vai ter acessibilidade. Mas aqui na fundação [Dorina Nowill] eles estão me ajudando a entender os meus direitos de inclusão."
Fundação Dorina Nowill
A Fundação Dorina Nowill é uma organização que atua na Vila Clementino, na Zona Sul da cidade de São Paulo, e tem profissionais para auxiliar na inclusão de pessoas com deficiência visual e produz e distribui livros em braille, falados e digitais acessíveis, diretamente para o público e também para cerca de 3000 escolas, bibliotecas e organizações de todo o Brasil.
Desde abril, Marcos vai semanalmente ao local. Lá, ele espera ter orientações de mobilidade e aprender a ler em braile. Antes disso, ele conta que não teve ajuda profissional.
"Eu meio que era autodidata. Sabe a lei da sobrevivência? É muito difícil se readaptar. Eu me virava como Deus dá, a gente se vira. Mas, agora eu estou nessa nova fase."
"Aqui [na fundação], eu conheci muitas pessoas no começo desse processo. As pessoas pensam que a vida gente termina ali, como se só estivesse esperando o fim da vida. E eu percebi que não. Nos temos possibilidade de uma vida independente, temos muito mais recursos de acessibilidade. Procurem progredir na vida, a vida não acabou. A vida só recomeçou."