Por: Leonardo Cerqueira e Carvalho para o Jornal MN
Não é novidade para ninguém que o mundo ainda experimenta os primeiros de uma imprevisível série de efeitos nefastos de uma recessão econômica sem precedentes. No Brasil, certamente, passaremos por uma depressão econômica.
Esse cenário catastrófico, porém, não começou agora, com a pandemia da COVID-19. Nosso problema é estrutural. Todavia, ultimamente, alguns acontecimentos agravaram nossa situação. Por exemplo, podemos afirmar, em que pesem todos os seus benefícios, que a operação lava jato, mesmo que indiretamente, provocou a “quebra” de estratégicos setores da economia, tais como construção civil, óleo & gás, petroquímico, entre outros. A “pandemia” do desemprego e da redução da arrecadação fiscal nos últimos cinco anos comprovam isso.
No Brasil, as crises econômicas, externas e internas, já são fenômenos cíclicos, e o povo acredita que basta aguardar por novas eleições, que os próximos líderes eleitos conseguirão superá-las. Somos irresponsavelmente otimistas.
A verdade, porém, é que há uma crescente e insolúvel herança residual dessas crises, que impende o país de se desenvolver mais rapidamente. São as empresas-zumbis. O zumbi pode ser definido como um morto-vivo, uma criatura que vive a perambular sem vontade própria. Pois bem. Em nosso país existem pessoas jurídicas que estão há dez, quinze, vinte anos em estado de letargia, sem nenhuma atividade econômica, sem faturamento ou funcionários. Elas giram em torno apenas de um CNPJ semimorto, que nem consegue falecer, por conta de insolúveis processos judiciais de cobranças e de execuções, especialmente as trabalhistas e as fiscais; nem ressuscitar, porque não se enquadram nas condições de recuperação judicial e a falência, nessa altura do campeonato, é intempestiva. Nesse limbo, elas agonizam sem acesso às certidões de regularidade ou ao crédito bancário, além do impeditivo de contratação pelo Poder Público (maior empregador, direto e indireto, do país), etc. Resultado: um mar de empresas-zumbis!!!
Mas e os seus sócios? Não tendo cometido nenhum ilícito na gestão dessas empresas, também precisam ficar condenados pelo resto de suas vidas?
Atividade econômica significa risco. Isso é elementar e proporcional ao lucro. Só empreende quem acredita que a probabilidade de lucro de seu negócio é maior que o risco a ele inerente. Portanto, a insolvência de uma empresa não significa necessariamente que os sócios ou gestores cometeram algum ilícito ou fraude. Faz parte do jogo. Na maioria das vezes, eles simplesmente não conseguiram concretizar os lucros planejados, tiveram que consolidar prejuízos e, assim, ficaram sem condições de pagar seus credores. Com as pequenas e médias empresas isso é comum. Qualquer “gripezinha” e a ausência de “gordura” leva à “quebra”.
Nesses casos, a legislação nacional, as ações da Fazenda Pública e o entendimento radical de muitos Tribunais fazem com que a insolvência dessas empresas signifique a pena perpétua de seus sócios, gestores ou não da empresa deficitária. Essas pessoas, provavelmente, ficarão impedidas pelo resto de suas vidas de empreenderem novamente. Quer pelas restrições cadastrais que terão (Serasa, Cadin, ausência de CNJT, de CND, etc.), ou pelo fato de que qualquer valor que poderia servir para investimento inicial numa nova empresa será fatalmente bloqueado/penhorado pelos credores da empresa insolvente da qual foram sócios. Infelizmente, na prática, não existe separação entre CNPJ e CPF de seus sócios.
Isso leva à conclusão de que, sem a possibilidade de reativar economicamente essas empresas-zumbis e mantendo os seus sócios ou ex-sócios “impedidos” de empreender novamente, os credores jamais serão pagos, inclusive, os fiscais e trabalhistas. Quem ganha com essa situação? NINGUÉM!!!
Diante desse quadro, é necessário que o Poder Legislativo, de forma criativa e focada nesse “nicho”, apresente propostas normativas, a fim de ajudar essas empresas-zumbis e, consequentemente, seus sócios, a retomarem suas atividades. Por óbvio que tais proposta devem condicionar esse “benefício” a um alinhamento que priorize, acima da distribuição de lucros, o pagamento de seus credores.
Uma ideia seria um projeto específico que condensasse e adaptasse parte das ideias da Lei n. 13.155/2015 (PROFUT), especialmente no que tange ao parcelamento de débitos fiscais e suas condições, além do Ato Trabalhista.
Para as dívidas fiscais, por exemplo, o pagamento poderia ser realizado por um acréscimo (adicional) no imposto de renda das empresas ou parcela pré-definida, o que fosse maior. OU ainda, no caso de novas contratações pela empresa, estando o trabalhador recebendo seguro-desemprego, o abatimento nos débitos daquela pessoa jurídica com o fisco no valor das parcelas restantes que o desempregado teria direito.
Para os débitos trabalhistas, um percentual sobre o faturamento, que garantisse aos trabalhadores credores certeza de recebimento, sem asfixiar a empresa com bloqueios e penhoras surpresa. Além disso, a parcela das execuções trabalhistas que tratassem de débitos de contribuições previdenciárias e terceiros, poderiam ser compensadas com novas contratações com CTPS assinada. A consolidação das cessões dos créditos trabalhistas a terceiros também aliviaria a situação de credores trabalhistas.
No que diz respeito à ausência de certidões de regularidade fiscal ou outros débitos, deveria se possibilitar a sua dispensa, especialmente para a contratação com o Poder Público, mediante a autorização da empresa de que percentual daquele contrato fosse direcionado para o pagamento de débitos fiscais.
Irineu Evangelista de Sousa, Barão e depois Visconde de Mauá, quando “quebrou” disse em sua exposição aos credores que “Desgraçadamente entre nós entende-se que os empresários devem perder, para que o negócio seja bom para o Estado, quando é justamente o contrário que melhor consulta os interesses do país”. Mas a verdade é que não há empreendedorismo saudável sem uma boa legislação que permita ao empresário em crise uma segunda chance para recuperar seu negócio e voltar a gerar emprego, renda e tributo, dando ao mesmo tempo previsibilidade e proteção aos direitos dos credores.
Leonardo Cerqueira e Carvalho
Advogado – OAB/PI 3.844