Conselho Federal de Medicina abre consulta pública sobre uso de canabidiol

A determinação vem recebendo críticas de pacientes, familiares e profissionais de saúde, que criticam seu caráter restritivo

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DÉBORA MELO E STEFHANIE PIOVEZAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O CFM (Conselho Federal de Medicina) divulgou na quinta-feira (20) que abrirá uma consulta pública para a atualização da resolução sobre prescrição de canabidiol publicada no Diário Oficial da União no último dia 14. A determinação vem recebendo críticas de pacientes, familiares e profissionais de saúde, que criticam seu caráter restritivo.

Ao contrário da consulta sobre o tema que transcorreu entre 1º e 31 de julho de 2022 e reuniu as contribuições de médicos e entidades médicas, a nova consulta pública será aberta a toda a população.

De acordo com o CFM, as contribuições poderão ser enviadas pela internet de 24 de outubro a 23 de dezembro. Os interessados deverão acessar a plataforma que está sendo criada no site da entidade e informar alguns dados, como o número do CPF e o município de residência. Em seguida, será possível se posicionar sobre cada um dos artigos da atual resolução.

As informações serão tratadas sob os critérios de sigilo e anonimato e vão servir de subsídio para o CFM reavaliar as regras sobre prescrição de canabidiol, que seguem vigentes.

Conselho Federal de Medicina abre consulta pública sobre uso de canabidiol - Foto: iStock/Getty Images

No documento atual, que substitui as regras estipuladas em 2014, o conselho estipula que o canabidiol pode ser utilizado para o tratamento de crianças e adolescentes com epilepsias refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa.

Chefe do departamento de Neurologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e embaixador da epilepsia no Brasil, o neurologista Li Li Min avaliou a nova resolução (de número 2.324/2022) como muito restritiva. Para ele, o documento não deve auxiliar o uso clínico ou a pesquisa sobre canabidiol no país.

Ele explicou que, em cerca de 70% dos casos de epilepsia, o controle é possível com medicações disponíveis no mercado. Para os outros 30%, é necessário recorrer a terapias alternativas e os três quadros previstos no documento do CFM representam a menor parte desse grupo.

De acordo com Li, foram realizados ensaios clínicos com uso de canabidiol nessas três situações, mas há evidências de eficácia também para outras doenças, desconsideradas no documento.

Ele também lamentou a restrição imposta pelo CFM a palestras e cursos sobre canabidiol. Também criticou o tempo mínimo de três anos que a entidade tinha colocado para revisar as regras.

Na nota divulgada nesta quinta, o CFM não explicou se a abertura da consulta pública significa que a resolução sobre o uso de canabidiol será modificada em menos de três anos ou se vai esperar o período previsto anteriormente para fazer possíveis alterações.

No texto, a entidade afirmou que, para a formular a resolução, pautou-se na medicina baseada em evidências, avaliou quase 6.000 artigos científicos e considerou as colaborações da consulta junto a médicos.

"As conclusões apontam para evidências ainda frágeis sobre a segurança e a eficácia do canabidiol para o tratamento da maioria das doenças, sendo que há trabalhos científicos com resultados positivos confirmados apenas para os casos de crises epiléticas relacionadas às Síndromes de Dravet, Doose e Lennox-Gastaut", disse o órgão.

Pressão A resolução provocou reação de diversos órgãos e entidades. Na segunda-feira (17), o MPF (Ministério Público Federal) abriu procedimento para apurar a norma e deu 15 dias para o CFM enviar documentos que demonstrem as evidências científicas que sustentem resolução.

Nesta quinta, um grupo formado por 137 profissionais do direito publicou uma nota na qual critica a nova resolução. Denominada "Advocacia da Medicina", a coalização afirma que está disposta "confrontar juridicamente as normas injustas" do CFM.

"A recente resolução desconsidera a evolução regulamentar e científica quanto ao uso de Cannabis em diversos tratamentos, como epilepsia, autismo, câncer, dores crônicas, esclerose múltipla, Parkinson, Alzheimer, HIV, distúrbios motores, diabetes, náuseas, cefaleias, isquemias, além de sua aplicabilidade com efeito imunomodulador, anti-inflamatório, antitumoral, analgésico, dentre outros, além de suas diversas aplicações neurológicas, ortopédicas, reumatológicas, gastrointestinais, psiquiátricas e, sobretudo, geriátricas e paliativas", diz trecho da nota.

"Ademais, recordamos que é vedado ao médico deixar de prescrever os produtos de Cannabis quando for a ferramenta terapêutica correta e adequada ao caso individualizado (art. 102 do Código de Ética Médica), tendo em vista que os produtos estão regulados e disponíveis no país", acrescenta, em outro trecho.

"A transformação social deflagrada pela Cannabis na medicina é uma realidade inconteste e aqui estamos unidos para defender direitos ameaçados através de todos os meios jurídicos que se fizerem necessários, e, especialmente, dialogar com todos envolvidos nessa temática", encerra a nota dos juristas.

Também nesta quinta-feira, cinco entidades da indústria divulgaram nota em que manifestam preocupação com a resolução, que coloca "barreiras à divulgação de conhecimento científico e travas ao fomento das pesquisas".

No documento, assinado por BRCann (Associação Brasileira das Indústrias de Canabinoides), Abiquifi (Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos), Abifina (Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades), Abifisa (Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde) e Abracro (Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica), "as entidades se colocam à disposição do Conselho Federal de Medicina para maiores discussões técnicas sobre o tema, e entendem como oportuna a abertura de diálogo".

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