A arqueóloga brasileira mais respeitada no exterior, Niède Guidon, 80 anos, é guardiã do Parque Nacional da Serra da Capivara, localizado no sudeste do estado do Piauí. Ela tem que lidar com ameaças de morte, invasões de caçadores, falta de recursos para o andamendo das pesquisas e manutenção do sítio arqueológico. Nascida em Jaú (SP), estudou em escola pública e encontrou na arqueologia o espaço para a curiosidade e a investigação, que sempre a acompanharam. Conseguiu bolsa da Embaixada da França para estudar Arqueologia na Universidade de Sorbonne, em Paris, onde fez carreira como professora universitária. Aprofundou-se em pesquisas sobre a pré-história do Brasil com descobertas revolucionárias a respeito da chegada do homem à América. Em Brasília, para abertura do evento Serra da Capivara: os brasileiros com mais de 50 mil anos, que engloba exposição e ciclo de conferências, Guidon falou ao Correio sobre a preservação da arte rupestre, arrependimentos, medos e dificuldades para o desenvolvimento do turismo na região.
Trabalho no Brasil
Começamos a pesquisa há 40 anos. Eu morava na França e vim ao Brasil em missão financiada pela governo francês. Todos os anos, eu voltava com meus alunos para fazer pesquisas aqui. Depois, a partir dos anos 1990, nós tivemos o apoio do CNPq e de universidades brasileiras, que participam das pesquisas até hoje. Desde 1978, os professores brasileiros tinham o apoio do CNPq, da Finep? Nunca houve um problema para a questão das pesquisas. No começo, era difícil porque era uma região distante sem infraestrutura, pobre, típica do Nordeste. Nos primeiros anos, tinha o problema de infraestrutura, mas as pessoas que tinham roça lá sempre nos ajudavam dando água, comida? Sempre houve colaboração da população rural.
O parque
Foi criado o Parque Nacional da Serra da Capivara, em 1979, e, depois foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade. Na realidade, o governo brasileiro é responsável pela preservação disso: a parte da natureza pelo Ministério do Meio Ambiente, e parte da cultura pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O problema é a questão do financiamento, porque o ministério não tem recurso e o Iphan também não. Os guardas não são suficientes e são terceirizados. Agora, teve um corte muito grande dos recursos. Parece que os contratos dos guardas florestais não serão renovados? Não sei como ficará a proteção da área. Temos o suficiente para chegar até o fim do ano, mas, depois, eu não sei como vai ser, o que vamos fazer. Estávamos investindo na autossustentabilidade com o turismo. Nós compramos os terrenos mais bonitos para construir hotéis, buscar parcerias e obter recursos. Mas, infelizmente, o aeroporto até hoje não saiu. Já tivemos gerentes e diretores de grandes empresas hoteleiras, que foram lá, querem construir hotéis de cinco ou seis estrelas, porque todos os patrimônios da humanidade têm hotéis dessa classe para receber os turistas. Mas esses investidores condicionam as obras hoteleiras à construção do aeroporto. Estamos esperando desde 1998.
Ação de caçadores
Quem deve prender os caçadores é o governo federal, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Mas o que acontece: prende e o vereador manda soltar. A polícia obedece aos vereadores. O político não está interessado que a lei seja cumprida. Ele quer voto. Então, se ele solta o caçador, a família toda vai votar nele. É muito difícil porque a lei, na realidade, não é aplicada. A lei depende da vontade do político.
Ameaças de morte
Agora, eles desistiram das ameaças porque eu disse que tinha um dinheiro guardado e que, se eu morresse, tinha a lista das pessoas e que um amigo meu mandaria um pessoal da Rocinha, do Rio de Janeiro, ir lá e acabar com a família inteira. Aí eles desistiram. Ainda mostrei o extrato bancário.