A morte, em 8 de março, de Henry Borel Medeiros(4 anos) chamou a atenção sobre os riscos a que crianças e adolescentes podem estar expostos, mesmo dentro de casa ou em ambientes conhecidos. Especialistas afirmam que casos de violência contra crianças pequenas são mais comuns do que se imagina e destacam a importância de os pais ficarem atentos aos possíveis sinais físicos e comportamentais do problema, como marcas no corpo, alterações de sono, de alimentação ou mesmo mudança de comportamento na escola.
O menino Henry foi encontrado morto no apartamento da mãe, com diversas lesões graves pelo corpo. A mãe de Henry e Dr. Jairinho, vereador e padrasto do menino, disseram à polícia que o garoto teria sofrido um acidente doméstico no dia. Segundo as investigações, a criança morreu após uma série de agressões e torturas. Hoje, o casal está preso e foram indiciados por homicídio duplamente qualificado, por conta de tortura e impossibilidade de defesa da vítima.
De acordo com o delegado Antônio Barbosa, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) no Piauí, um dos principais alertas é uma mudança drástica de comportamento. É quando uma criança agitada passa a ficar mais quieta, acuada. Ou uma criança alegre que se torna triste e, em alguns casos, até agressiva.
“Os principais sinais de que uma criança ou adolescente está sendo vítima de algum abuso, se caracterizam pela questão da insônia, pesadelos, medo, a criança passa a ter comportamentos diferentes. Se antes era extrovertida, passa ser introvertida, tem receio de conviver com outras crianças ou outras pessoas, a questão da sexualidade aflora, ela passa ter comportamentos sexualizada com coleguinhas ou com ela mesma. Isso indica, geralmente, que ela foi vítima de um ato sexual, presenciou ou assistiu algum filme pornográfico, além de queda no rendimento escolar”, destacou.
Percepção é fundamental para identificar sinais
O delegado Antônio Barbosa ressalta ainda que o adulto também deve ficar atento a sinais de agressão aparentes no corpo da criança, como vergões, roxos ou machucados. O especialista explica, porém, que nem sempre as agressões deixam marcas no corpo.
A criança agredida também pode apresentar alteração no sono, seja ter insônia ou passar a dormir demais, e na alimentação. Outro possível sinal apresentado por uma criança que sofre violência é apresentar depressão, sinais de baixa autoestima e deixar de confiar nas pessoas ao redor dela.
"Os pais ou responsáveis tem que ficar atentos com relação a isso, fiscalizar, verificar o que está acontecendo com seus filhos, porque o comportamento da criança diz muito. As vezes, a criança não consegue se expressar verbalmente, mas o corpo dela fala, as atitudes dela, também. Os pais tem que verificar essa situação diferente que o filho está se comportando e tentar verificar o que está acontecendo”, acrescenta.
Cada criança apresenta uma resposta comportamental
A pedagoga e psicopedagoga, Yloma Fernanda de Oliveira Rocha, especialista em dificuldades de aprendizagem e mestre em saúde mental e transtornos aditivos, ressalta que toda criança dá sinais de alguma forma que está sofrendo algum tipo de agressão ou negligência.
O que diferencia é a resposta comportamental de cada criança mediante esses maus-tratos. “Algumas crianças mudam o comportamento, tornando-os mais agressivos ou disruptivos, outras crianças se isolam, ou denotam dificuldades na aprendizagem, nas atividades de planejamento e organização, ou então, até na memória”, enfatiza.
Os achados clínicos denotam que em longo prazo podem desenvolver transtornos de humor, de personalidade ou de comportamento, como também uso e abuso de substâncias psicoativas.
“O ideal é observar os comportamentos das crianças e dos adultos. Principalmente porque são comportamentos que podem ser velados. Um dos encaminhamentos é procurar ajuda profissional de psicólogos e/ou psiquiatras para avaliar a criança e ter fidedignidade do ocorrido, e assim procurar ajuda das autoridades, dos conselhos. Ouvir a criança e investigar a sua fala é primordial”, recomenda.
Ainda de acordo com a especialista, a escola também pode ser uma boa observadora e avisar aos pais as mudanças de comportamento ou no processo de aprendizagem das crianças. “Observar um adulto nas atividades da vida diária e nas relações entre os pares é primordial para levantar hipóteses sobre sua forma de se relacionar com as crianças”, destacou.
Cidadãos não só podem, como devem denunciar
O isolamento social e o confinamento em casa durante a pandemia de covid-19 têm aumentado o risco de violência física, sexual e psicológica contra crianças, embora estejam dentro de casa, onde deveriam estar mais protegidas de agressões e abusos. O alerta vem sendo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), ligado à ONU, e tem mobilizado órgãos de proteção de crianças e adolescentes em todo o mundo.
As escolas foram fechadas e não há atividades de lazer e esportivas, muitas vezes, nem dentro de prédios residenciais, levando a população infantil a permanecer o tempo todo dentro de casa, resultando em um aumento de violência doméstica, com amplitude de castigos físicos e espancamentos com chinelos, cintos, entre outros. Segundo o delegado Antônio Barbosa, titular da DPCA, sem o contato com funcionários de creches, escolas ou até mesmo outros familiares durante o isolamento social, as vítimas têm muita dificuldade para fazer as denúncias.
"Nos casos em que se identifique algum tipo de abuso, a orientação é procurar denunciar através do disque 100, site da Polícia Civil, na própria delegacia, pode ligar para Polícia Militar, pode denunciar no Conselho Tutelar e qualquer cidadão não só tem o poder, mas o dever de fazer. A própria lei diz isso, qualquer cidadão deve denunciar, é uma obrigatoriedade”, afirma.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) reconhece as crianças e adolescentes como sujeitos de direito e dá efetividade ao Art. 227, da Constituição Federal, que estabelece ser dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e adolescente direito à saúde, alimentação, educação, além de colocá-los a salvo de toda forma de violência e crueldade.
Tomando conhecimento da denúncia, a delegacia vai pleitear ao judiciário uma medida protetiva para aquela criança e em casos mais graves em que a situação requer uma ação mais enérgica, é solicitada a prisão preventiva do agressor. “Eu recomendo mais uma vez, não só recomendo, mas peço aos pais e responsáveis pelas crianças e adolescentes, que fiscalizem seus filhos, fiquem atentos a qualquer comportamento estranho, porque isso indica que está ocorrendo alguma coisa diferente, algum tipo de abuso. Você é o responsável pela segurança e vida do seu filho, então, fique atento a qualquer tipo de sinal estranho para denunciar para as autoridades competentes, que nós iremos tomar as providências da forma mais competente possível", finaliza.