TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), monografia, artigo científico. O que são esses seres que parece fugir da realidade e aparecem para atormentar a vida de estudantes, com suas siglas difíceis e nomes quase impronunciáveis.
Além de ser responsável por uma tormenta na vida dos acadêmicos, a produção desses trabalhos tem gerado uma economia, digamos, escusa.
Existe uma infinidade de empresas que ofereceram trabalhos prontos no mercado. A comercialização chega a ser feita por meio da internet, sem nenhuma restrição ou disfarce, já que a prática é crime. Além das empresas, são muitos os relatos de profissionais do meio acadêmico que oferecem esse tipo de serviço.
Comercializar ou plagiar textos feitos por terceiros pode dar de três meses a um ano de prisão. Esse crime está previsto pelo Código Penal (artigo 184), a Lei dos Direitos Autorais.
Se a reprodução visa lucro, a pena prevista pode chegar a quatro anos de detenção. O aluno que apresenta uma monografia feita por outra pessoa pode cometer o crime de falsidade ideológica, com pena de um a cinco anos.
A falta de aproximação com a linguagem, técnicas e normas exigidas para escrever o trabalho científico é um dos obstáculos que induzem os estudantes a comprar um trabalho já pronto.
Maysa (nome fictício), estudante do curso de Letras Português, conta que iniciou essa prática, com correção de trabalhos científicos. Com o passar do tempo, a estudante começou então a receber trabalhos pela metade, aqueles que precisam de ajustes e finalização. A partir disso, tem recebido propostas para confecção de de trabalhos das mais diversas áreas do conhecimento.
Alunos têm dificuldades com trabalhos científicos
Os Trabalhos de Conclusão de Curso ou monografias são requisitos para que o estudante termine sua graduação, pois a maioria dos cursos faz essa exigência.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) vem regulamentando e exigindo hoje para todos os cursos de licenciatura, o que não era obrigatório antes. Em geral são trabalhos realizados no último período de curso.
José Luís aponta as problemáticas impostas aos alunos que recorrem a esse tipo de prática. Segundo ele, não é só o desinteresse o principal fator, mas também a falta de tempo para se dedicar à produção, já que muitos alunos trabalham e estudam.
Além disso, os estudantes argumentam que a faculdade não oferece tempo suficiente e suporte para que os alunos desenvolvam um trabalho científico.
Missylene Carvalho é estudante de Licenciatura em Geografia e está enfrentando este drama. "Estudo e trabalho e mal tenho tempo para escrever a monografia, porque ainda pagamos duas outras disciplinas, além do estágio.
A universidade não dá o subsídio necessário (livros, condições de pesquisa) e muitas vezes escrevemos sem um suporte a contento de orientador", desabafa.
José Luís coloca a necessidade de discutir de forma aprofundada e reflexiva essa prática que não cumpre a real função de produzir conhecimento em um curso que vivenciou durante anos. "Os professores esquecem-se que estão trabalhando a iniciação científica e fazem uma exigência autoritária".
Felipe Mota está finalizando o curso de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e conta que diferente das universidades do Piauí, ele inicia as disciplinas científicas desde o 5° período.
"Pagamos a disciplina científica junto com outras disciplinas, mas o fardo e a dificuldade são praticamente os mesmos. Tive que trancar disciplinas por dois períodos (1 ano) para encontrar tempo de escrever a monografia", diz.
Linguagem acadêmica é maior dificuldade
A professora doutora Lucineide Barros da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) tem formação em pedagogia, mas por acompanhar outros espaços da universidade acaba sendo bastante procurada por estudantes de outras áreas do conhecimento para prestar orientação.
"Estudantes têm medo deste momento da formação. Isso não é por menos, já que para muitos é o primeiro contato com a pesquisa. Apesar disso, este deve ser um momento prazeroso e não deve causar desespero", conta.
Lucineide Barros conta que as maiores dificuldades indicadas pelos estudantes é a falta de familiaridade com a linguagem acadêmica, já que estes não conseguem sistematizar o pensamento escrito.
Esse fator é uma consequência de uma defasagem do ensino. "Desde as séries iniciais não somos acostumados para produzir conhecimento e nem a escrever", diz a professora.
Para Lucineide, o momento da produção de um trabalho de conclusão deveria ser intrínseco ao momento de formação, sem que seja engavetado em momento específico. "Deveria ser uma vivência que envolvesse a prática, a pesquisa e o ensino.
Deveria ser um momento tranquilo, que perpassasse todo processo da formação do indivíduo. O que se vivencia na prática, deve ter a ver com o que se vivencia na pesquisa, que por sua vez deve ter elementos do ensino da sala de aula e dos estudos feitos de forma individual", explica Lucineide.
Para a professora, o que leva os estudantes ao desespero é justamente o fato de que esses processos se encontram engavetados. O ensino é cedido de forma precária nas salas de aula, a extensão que deveria ser prática que permitisse a aplicação dos conteúdos na prática quase não existe e a pesquisa é realidade de forma muito tímida.
Sites recebem pagamento com cartão de crédito
A internet é o grande balcão de negócios. Os preços cobrados variam em torno de 200 à 350 reais, dependendo do tipo de trabalho procurado. Nos sites, que a nossa reportagem visitou, tem a exigência de número de páginas, tema, área do conhecimento, tipo de material (se é TCC, monografia, artigo científico ou projeto de pesquisa), o que pode influenciar no preço ou no prazo de entrega. Existe, inclusive uma facilidade de pagamento em contas de bancos, sem que haja contato com o produtor do trabalho.
Há sites que oferecem uma equipe de doutores e mestres capacitados nas mais diversas áreas. Nesses espaços da internet, eles argumentam que possuem CNPJ e que sua missão não é entregar um trabalho para que o estudante diga que é seu, mas de ajudar teoricamente, embora em suas modalidades exista a categoria "materiais prontos".
José Luís (também nome fictício) está no ramo há quatro e conta que geralmente as pessoas que o procuram estão muito desesperadas, com medo de não conseguir o diploma se não apresentar o trabalho na data estipulada.
"Em geral eu procuro estabelecer um vínculo que me permita entregar algo pronto, mas que haja uma interação de produção coletiva. Procuro ajudar e me torno, muitas vezes, amigo das pessoas.
No entanto, muitas vezes as pessoas chegam sem tempo hábil e já entreguei materiais prontos. Apesar dos céticos não acreditarem, eu me sensibilizo com a situação", diz.
Na maioria das vezes, a pessoa que comercializa materiais prontos dispõe de produções em diversas áreas. José Luís e Maysa, por exemplo, embora sejam da área de humanas (Comunicação Social e Letras Português), já escreveram trabalhos para o curso de Enfermagem, Biologia, Pedagogia.
As bancas, em geral, aprovam com nota 9 ou 10. "Não existe uma fórmula de bolo para escrever, mas isso se torna possível quando estabelecemos um esquema de pesquisa, para facilitar uma linha de estudo", explica José.