Leis que criminalizam, discriminam e punem as populações com maior risco de contágio do HIV, como homossexuais, transexuais, prostitutas e usuários de drogas injetáveis, prejudicam o tratamento e atrapalham a luta contra a Aids.
É o que afirma um relatório divulgado ontem em Nova York, elaborado pela Comissão Global sobre HIV e Lei, ligado à ONU.
A comissão, que é apoiada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, é liderada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e formada por especialistas em políticas públicas, direitos humanos, legislação e HIV/Aids.
O texto detalha as leis ligadas ao HIV e à Aids em governos de 140 países. E mostra que, em mais de 60 deles, é crime expor outra pessoa ao HIV ou transmitir o vírus.
No Brasil, não há lei específica que criminalize a transmissão do HIV. No entanto, há registro de condenações por perigo de contágio venéreo, perigo para a vida ou a saúde, lesão corporal e até tentativa de homicídio.
Segundo levantamento da Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), já houve 11 sentenças condenatórias por exposição ou transmissão sexual de HIV nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
A entidade afirma que, nos anos 80 e 90, o indiciamento mais frequente ligado a casos de transmissão de Aids no Brasil era por homicídio doloso (com intenção).
Mas, segundo Marclei Guimarães, ex-assessor de projetos da Abia e um dos relatores do levantamento da entidade, há uma tendência no Brasil de julgar o ato como lesão ou crime de perigo.
Guimarães afirma que a legislação atual permite variadas interpretações.
ONGs e movimentos sociais ligados ao tema, no entanto, consideram que transmitir o vírus não pode ser considerado tentativa de homicídio. Isso porque os tratamentos existentes hoje fazem com que o HIV não seja uma sentença de morte.
Em 2008, a própria ONU recomendou a revogação de leis criminais específicas para o HIV que obriguem a revelação do status sorológico e que sejam contraproducentes para a prevenção do HIV e seu tratamento.
Outro entrave para conter a pandemia da Aids, de acordo com o novo relatório, é a criminalização de atividades sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Isso ocorre em 78 países do mundo.
Essas leis e práticas desencorajam as pessoas a divulgarem a sua condição e a procurarem serviços de saúde.
A comissão chegou a essas conclusões por meio da revisão de 680 textos de mais de mil autores de 140 países. Também foram ouvidas cerca de 700 pessoas afetadas por leis ligadas ao HIV.