Desde a manhã de quinta-feira (13), Maria Porcina da Silva Ramos, enfrenta a desolação e a chuva para tentar identificar os cadáveres de quatro parentes que moravam na zona rural de Teresópolis e não resistiram à catástrofe climática que devastou a região serrana do Rio de Janeiro. O município contabiliza mais de 220 mortos; no Estado já são 550.
?A gente fica muito angustiado, mas acho que vou conseguir reconhecer. A gente não deseja uma dor dessas pra ninguém?, disse Maria, que ainda tem dois familiares desaparecidos.
?São centenas de corpos. É impossível preservar todos eles para o reconhecimento. Muitos estão deformados. Já tem corpo com bicho?, contou Maurício Berlim, 35, atual dono de uma funerária que pertence a sua família há quatro gerações.
Maurício, que há bastante tempo trabalha com o transporte de cadáveres, se diz pasmo com a situação. ?Não estamos preparados. Estou acostumado a trabalhar no ramo, mas é a primeira vez que vejo isso e estou chocado?, afirmou. Sua funerária doou 100 urnas e está ajudando a fazer o transporte de cadáveres até o cemitério.
Em razão da demanda, que extrapola as mais pessimistas previsões, o Instituto Médico Legal (IML) da cidade teve de ser deslocado. Antes da tragédia, ele funcionava dentro da 110ª DP do município e tinha capacidade para apenas 14 cadáveres. Agora ele está improvisado num imóvel de dois andares e 3.000 m2, antiga sede de uma igreja evangélica, em frente à delegacia.
A coordenação do funcionamento do IML está a cargo do juiz José Ricardo Ferreira de Aguiar, da 2ª Vara da Família. Segundo ele, desde o início da tragédia, já chegaram 283 corpos ao local, dos quais cerca de 160 já foram levados para sepultamento. O governo local não confirma este número.
O juiz admite que alguns cadáveres terão de ser congelados a fim de impedir o avanço do estado de decomposição. O congelamento, porém, acaba com as chances de reconhecimento através de impressão digital. A alternativa passa a ser a análise do conteúdo genético dos dentes.
Desde a manhã de sexta (14), a prefeitura já havia alugado um contêiner frigorífico. Outro contêiner particular foi emprestado por um cidadão e mais duas pessoas, que não queriam ser identificadas.
Fila e mau-cheiro
O cheiro em frente ao IML é muito forte. Muitos familiares que esperam durante horas o momento de reconhecer os cadáveres usam máscaras para aliviar o odor. Improvisadas em pedaços de papel, as senhas tiveram a distribuição suspensa às 17h40.
Há, por enquanto, apenas um computador para imprimir as fotos dos corpos. Como alguns já estão no IML há dias, as fotos têm que ser tiradas novamente.
Apesar do grande número de vítimas e da pouca estrutura, Ferreira de Aguiar defende que o trabalho está organizado. ?Se não houvesse coordenação, hoje teríamos 180 corpos estirados onde cabiam 14?, respondeu.
?Eu não tive coragem de ir. Foi a minha sobrinha reconhecer o corpo. Eu não sabia que ia demorar tanto?, disse Ana Paula Correia, 41, que perdeu uma irmã. Ela chegou às 14h ao instituto e até o final da tarde não pôde fazer a identificação.
?Não tenho mais vida?
Luis Carlos dos Santos Barbosa, 41, é mais uma das pessoas obrigadas a suportar não só a dor da perda, mas a angústia de não saber se poderá enterrá-los. Na tragédia, Luis Carlos perdeu sua mulher, sua filha e duas sobrinhas. Ele, que é pedreiro, salvou-se porque estava a trabalho em Petrópolis quando a tromba d?água caiu sobre Campo Grande, região de Teresópolis que ficou completamente destruída.
?Não tenho mais vida?, disse. Ele sepultou sua mulher nesta sexta e tentou identificar uma de suas sobrinhas. Luis Carlos afirma tê-la reconhecido através de uma foto em frente ao IML, mas não sabe onde está o cadáver. ?A gente já sofre isso tudo... Até para retirar o corpo da minha mulher foi uma burocracia. Agora eu sei que minha sobrinha está aí, mas não estou encontrando.?