Desalojada, filha de sem-teto luta para ir à escola

Após a desocupação, Júlia e sua família foram para um acampamento na avenida São João

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Enquanto policiais mandavam um grupo de sem-teto esvaziar um prédio invadido na avenida Ipiranga, centro de São Paulo, na terça-feira, Júlia, 7, só pensava em não deixar para trás todo o seu material escolar --mochila, três cadernos, lápis e borracha.

Em protesto contra a reintegração de posse, a família (pai, mãe, ela e uma irmã de dois anos) e parte dos sem-teto decidiram acampar na av. São João, em frente à Secretaria Municipal de Habitação.

Nas barracas de lona, Júlia guardou o material na cômoda ao lado da cama montada sobre o chão da rua. Paula Renata Andrade, 31, a mãe, diz que a filha não queria perder aula no dia seguinte.

Ainda haveria a noite pela frente, a primeira da família Andrade na rua. Eles estavam no prédio na Ipiranga desde o final de 2011, quando foram obrigados a deixar um quartinho em que viviam de favor em Guaianases, zona leste.

Fazia frio e a lona da barraca não impedia o vento de entrar. Mesmo protegida por cobertores, a menina acordou com os lábios rachados pelo frio, e o corpo dolorido pela cama dura. "Tava muito frio, parecendo gelo", disse.

Na quarta, ela acordou às 7h com preguiça, esperando o relógio marcar as 10h, diz a mãe. Júlia sabe que o banho antecede a ida para o colégio. Ela entra às 13h na escola estadual Prudente de Moraes, na avenida Tiradentes, a 1 km do acampamento.

PORTÃO FECHADO

Depois do café da manhã (um copo de refrigerante e pão com manteiga, doação de um restaurante), a mãe conseguiu que ela tomasse banho em outro prédio invadido na Ipiranga.

Só que havia fila, e Paula e Júlia demoraram mais do que o planejado. Chegaram às 13h08 à escola. Os portões haviam fechado.

Paula ainda insistiu com uma funcionária, que negou a entrada. Júlia teve que voltar para o acampamento. "Não acredito que não me deixaram entrar. Não faltei porque eu quis", disse à mãe. "Queria ir para educação física, estudar, ir no recreio."

Paula diz que Júlia sempre foi assim. E que, mesmo acampada, incentivará a filha a ir à aula. "Primeiro que é o direito dela de ir à escola, e ela gosta. Queria dar continuidade, para ela aproveitar esse prazer que ela tem."

A família não tem planos de sair tão cedo do acampamento, até porque não tem para onde ir. Paula, auxiliar de cozinha desempregada, concluiu o segundo grau. O sonho dela é que a filha faça curso superior. "Ela quer ser médica. Já tem o próprio sonho dela, vive dizendo: "Mãe, quando eu virar médica, vou te dar uma casa e um carro"."

Desempregados, a mãe e o pai vivem com os R$ 620 do seguro-desemprego dela, o que não dá para pagar aluguel e se sustentar, diz ela.

Ontem, Júlia saiu mais cedo de casa e, enfim, foi à aula. Ao chegar, disse, orientada pela mãe, que faltou em consequência da reintegração de posse. O dono do imóvel conseguiu liminar para retomar o prédio um mês antes.

A Secretaria da Educação do Estado lamentou que a aluna tenha sido impedida de assistir à aula e disse que o conteúdo seria reposto ontem. Afirmou ainda que ia apurar a conduta da agente que atendeu Paula e Júlia.

A Secretaria Municipal da Habitação disse que ofereceu às famílias retiradas do prédio na Ipiranga a possibilidade de ir para abrigos e que elas estão cadastradas em programas habitacionais. A família de Júlia não foi para abrigo pois isso os separaria.

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