Em 2023, o Brasil registrou 145 casos de assassinatos de pessoas trans, um aumento de 14% em comparação ao ano anterior, conforme revelado no relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado no Dia da Visibilidade Trans, nesta segunda-feira (29).
Dentro desse total, 136 foram assassinatos de travestis e mulheres trans/transexuais, enquanto 9 foram de homens trans e pessoas transmasculinas. A Antra ressaltou que o número real pode ser ainda maior, uma vez que não há dados oficiais abrangentes sobre a violência enfrentada por essa população no Brasil.
O perfil das vítimas permanece consistente: a maioria (94%) é composta por mulheres trans/travestis, predominantemente pretas ou pardas (72%), com idades entre 18 e 29 anos (34,5%), envolvidas em atividades de prostituição (57%) e vítimas de homicídios com requintes de crueldade (54%).
Entre as histórias trágicas, destaca-se a de Ana Luisa Pantaleão, de 19 anos, que trabalhava como garota de programa em São Paulo. Ela desapareceu após entrar no carro de um cliente em setembro de 2023 e seu corpo foi encontrado 15 dias depois, às margens de uma rodovia, exibindo sinais de golpes de arma branca no pescoço. O local do crime foi indicado pelo homem que foi detido como suspeito, interrompendo o sonho de Ana Luisa, que havia deixado a cidade de Pão de Açúcar, interior de Alagoas, um ano e meio antes, almejando viver na Europa.
Pela 15ª vez consecutiva, o Brasil permanece como o país com o maior número de homicídios de pessoas trans no mundo. De acordo com o levantamento da ONG Transgender Europe, que monitora 171 nações, o Brasil liderou a lista de assassinatos de pessoas trans em 2023, superando o México e os Estados Unidos.
No período de coleta de dados anual da organização internacional, que abrange de outubro de 2022 a setembro de 2023, um total de 321 mortes foram registradas em todo o mundo. O Brasil se destaca negativamente nesse cenário, reforçando a preocupante tendência de violência contra a comunidade trans no país.
Mortes por estado
São Paulo reassumiu a liderança em registros de assassinatos de pessoas trans, com 19 casos, marcando um aumento de 73% em comparação a 2022, quando ocupava o segundo lugar no ranking nacional. Segundo a Antra, o Rio de Janeiro teve o dobro de assassinatos em 2023 em relação ao ano anterior, passando da terceira para a segunda posição, com 16 casos. O Ceará, terceiro colocado, também registrou um aumento, com 12 assassinatos, um a mais do que em 2022.
O dossiê destaca que 65% das mortes (90) ocorreram em cidades do interior dos estados, mantendo uma tendência observada em 2022. Entre os casos em que foi possível determinar o local do crime, 60% das mortes aconteceram em locais públicos.
A pesquisa também revela que cinco travestis/mulheres transexuais brasileiras foram assassinadas fora do país, sendo duas na Itália, duas na Espanha e uma no Paraguai. Além disso, o dossiê destaca 10 casos de suicídio, incluindo 5 de travestis/mulheres trans, 4 de homens trans/transmasculinos e 1 de pessoa não binária.
O dossiê, realizado desde 2017, aponta que o atual governo não conseguiu, seja por falta de gestos simbólicos ou de ações efetivas, priorizar a luta contra a transfobia e a proteção da vida das pessoas trans. Ele menciona, por exemplo, a decisão de manter a distinção entre "nome de registro" e "nome social" na nova carteira de identidade nacional, bem como o campo "sexo". Embora tenha sido anunciada em maio passado a unificação do campo "nome" e a exclusão do campo "sexo", o governo voltou atrás em dezembro. A autora do dossiê, Bruna Benevides, também uma mulher trans, destaca a falta de posicionamentos firmes por parte de partidos, agentes políticos, gestores, artistas, influencers e outras figuras públicas.