Em depoimento prestado na quarta-feira à Polícia Federal, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro reconheceu ter operado caixa dois do PMDB e fez acusações ao presidente Michel Temer. Segundo uma pessoa com acesso ao interrogatório, o doleiro sustentou que Temer, que presidiu o PMDB de 2001 a 2016, tinha conhecimento de doações ilícitas de campanha feitas à legenda. A fonte, porém, não detalhou o grau de conhecimento de Temer sobre essas doações.
Procurada, a assessoria do presidente Michel Temer negou em nota ter tido conhecimento de financiamento ilegal de campanha para a sigla. “O presidente Michel Temer somente tinha conhecimento de doações legais ao partido”, informa a nota.
Ao longo de quatro horas, o doleiro falou também sobre como funcionavam nomeações a cargos públicos articuladas pelo PMDB e associadas a desvios de recursos. Apontado como aliado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em esquemas de corrupção, Funaro está preso há quase um ano. Nas últimas semanas, ele contratou um advogado especialista em delação premiada. Apesar dos contatos com o Ministério Público Federal (MPF), não há informações de que o acordo tenha sido fechado.
Ainda na audiência desta quarta-feira, Funaro negou, no entanto, que ele ou seus familiares tenham recebido recursos da J&F, holding que controla a JBS, para se manter calado. O doleiro atribui o recebimento de recursos dos irmãos Batista, donos da multinacional, a três contratos legais que mantinham com ele para prestação de serviços em operações de mercado.
Segundo o doleiro, a mala com R$ 400 mil em dinheiro vivo recebidos por sua irmã, Roberta Funaro, que chegou a ser presa na Operação Patmos, deflagrada a partir das delações da JBS, também é parte do pagamento por serviços prestados de forma lícita. As investigações, no entanto, apontam que o dinheiro seria para comprar o silêncio de Funaro na cadeia.
A Procuradoria-Geral da República sustenta, a partir de uma gravação feita por Joesley Batista, que o presidente Temer deu aval para que o empresário continuasse comprando o silêncio de Funaro e de Eduardo Cunha. O presidente contesta a versão. A gravação está sendo periciada pela Polícia Federal.
Assim como Funaro, Eduardo Cunha também negou, em depoimento prestado na quarta-feira em Curitiba, onde está preso, ter recebido dinheiro da JBS para ficar calado. Segundo o advogado Rodrigo Sanchez Ríos, que acompanhou a oitiva do ex-deputado, Cunha afirmou que seu silêncio nunca esteve à venda. Ele foi condenado a 15 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro por colaborar no esquema de corrupção da Petrobras.
Funaro é réu na Operação Lava-Jato e está preso desde julho do ano passado. A denúncia sustenta que o doleiro operava um esquema de corrupção que cobrava propina de empresas interessadas em obter empréstimos do FI-FGTS (Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), feudo controlado pelo PMDB.
RESERVA POR DESRESPEITO A ACORDO ANTERIOR
Investigações apontam ainda Funaro como suspeito de ter intermediado um repasse de R$ 4 milhões da Odebrecht para um grupo de políticos do PMDB mais próximos ao presidente Temer. A avaliação é de que uma delação de Funaro pode complicar a defesa de Temer, que passou à condição de investigado por autorização do Supremo Tribunal Federal.
Uma eventual delação de Funaro, porém, é avaliada com cuidado pelos procuradores. Investigado no processo do mensalão, o doleiro fechou colaboração com o Ministério Público Federal e acabou se livrando de punições. Mas quebrou um dos termos do acordo, que era não voltar a praticar crime doloso.
O entorno do presidente Michel Temer também receia que Cunha resolva fazer delação e possa implicar o presidente. Segundo interlocutores do ex-deputado, no entanto, Cunha ainda avalia os próximos passos e não pretende tomar decisão enquanto não tiver acesso à íntegra dos documentos do inquérito aberto a partir da delação da JBS. Ele teme que sua situação se complique.
Cunha pode ser implicado numa eventual delação de Funaro. No mesmo depoimento que negou ter o silêncio comprado, o ex-deputado foi interpelado com 47 das 82 perguntas formuladas pela PF ao presidente Temer no inquérito que investiga se ele cometeu crime de corrupção, obstrução à Justiça e organização criminosa.
O ex-deputado respondeu 23 questionamentos, segundo o advogado, que não estavam relacionados ao processo sobre cobrança de propina para facilitar empréstimos do FGTS. Isso porque, em relação a esse tema específico, conforme a defesa, é mais fácil responder nos autos. O presidente Temer se negou a responder as perguntas da PF.