Um dos donos da boate Kiss, Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, falou na noite deste domingo em entrevista ao "Fantástico" sobre o incêndio que ocorreu na casa noturna na madrugada do dia 27 de janeiro, que deixou 237 mortos. Kiko que está sendo mantido sob custódia, internado no Hospital Santa Lúcia, na cidade de Cruz Alta, a cerca de 130 quilômetros de Santa Maria, está sendo vigiado por agentes da Polícia Civil. Nas imagens, foi possível ver uma algema em uma das laterais da cama hospitalar.
Durante a entrevista, Elissandro Spohr se mostrou muito abatido e negou que tenha autorizado o uso de sinalizadores dentro da boate. Ele afirmou que não sabia que a banda Gurizada Fandagueira fazia esse tipo de apresentações. "A banda nunca falou comigo sobre isso. Eu nunca autorizei isso. Faz dois anos, eu acho, que a banda toca lá. Eu vi no mínimo 30 shows deles. Nunca fizeram isso, nem na Kiss. Vi shows deles em outros lugares, eles também nunca usaram isso. Se eu soubesse que iam usar, não deixaria".
A afirmação de Kiko contradiz um dos depoimentos do produtor do grupo, Luciano Bonilha, que garantiu que o empresário estava ciente das performances da banda em outros shows e que o grupo tinha hábito de usar artefatos com efeitos pirotécnicos.
Questionado sobre as falhas nos mecanismos de prevenção de incêndio e sobre as reformas feitas no estabelecimento sem ter comunicado à prefeitura, Spohr se defendeu ao dizer que as reformas foram feitas porque o barulho incomodava a vizinhança e que as mudanças para melhorar o isolamento acústico da casa norturna tiveram o acompanhamento do engenheiro Miguel Ângelo Pedroso.
"As opções eram gesso ou espuma. A espuma eu achava horrível, muito feio. Eu optei pelo gesso. Porém continuou o barulho. Eu voltei a chamar o Pedroso para trocar uma ideia, ver o que fazer. A gente botou espuma e madeira por cima. Concreto. E aí, por fim, espuma. Eles queriam que eu botasse espuma em toda a boate. Mas até que não precisou botar em toda a boate. Eu botei só no palco. Para mim, não pegava fogo. Eu sabia que ela era usada em estúdios e que esse era o material usado?, alegou.
A afirmação também entra em conflito com o que o engenheiro disse. Ele negou que tenha indicado o uso da espuma na boate. "Eu tenho uma quantidade grande de projetos e de laudos acústicos. Jamais em algum projeto acústico eu aconselhei usar espuma", disse Pedroso.
Fim de um sonho
Muito abalado, Spohr chorou ao falar sobre o incêndio e disse que o sonho havia acabado. O empresário descreveu como era sua relação com todos os clientes que frequentavam a casa noturna e que ele conhecia pelo menos quase todos que estavam presentes. ?Para mim, a Kiss era um sonho que eu tinha. Eu tenho uma banda, eu toco. Entrava dentro da Kiss e cumprimentava todo mundo. Todo mundo me conhece, todo mundo sabe o quanto eu batalhei. Eu sempre me preocupei em ter uma coisa que eu pudesse realizar e eu estava vivendo um sonho. Eu nunca tive uma vida tão boa. E acabou?, lamentou.
Kiko não soube informar o número total de pessoas que estavam na boate no dia do incêndio. Ele garantiu que nunca soube a capacidade exata do estabelecimento. "Eu geralmente entro e pergunto: ?E aí, como é que tá??. ?Tá bom, tá razoável, deve ter umas 700 pessoas?, disseram. Entrei e realmente acredito que tinha perto de 600 a 700 pessoas" disse o empresário.
Superlotação
Em relatório divulgado pelo Corpo de Bombeiros, a capacidade da boate era de 691 pessoas. As autoridades acreditam que mais de mil pessoas estavam presentes na casa noturna. O advogado de Kiko, Jairo Marques, alegou que seu cliente não teve conhecimento do número total de pessoas na casa noturna porque a noite foi interrompida por conta da tragédia. Ele acrescentou que os sócios nunca receberam nenhuma limitação da prefeitura, dos bombeiros, ou de qualquer autoridade. Ele disse, ainda, que mais de 800 convites foram impressos para a festa universitária "Agromerados" que reunia alunos dos seis cursos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O empresário também admitiu que a boate realmente estava com o alvará vencido desde julho do ano passado e afirma que pode ter ocorrido uma "falha". ?Quando veio uma notificação, imediatamente pedi que meu cunhado Ricardo e minha irmã fossem até os bombeiros e encaminhassem a papelada para deixar tudo em dia?, disse. ?O alvará nunca esteve atrasado. Ele sempre esteve em dia, as coisas sempre estiveram em dia. Extintores em dia, as portas. Conforme foi solicitado, aqui se fez, a gente fez tudo. Nunca me neguei a fazer nada?, garantiu.
"Não sei o que dizer aos pais"
Elissandro Sporh disse que não sabe como será sua vida nos próximos dias e que também não tem certeza se vai continuar morando em Santa Maria. Ele também não sabe o que dizer aos pais que perderam seus filhos na boate que pertencia a ele.
"A pergunta que eu mais tenho medo é ?o que dizer aos pais?? Eu não sei o que dizer aos pais. Não vou poder voltar a morar em Santa Maria. Não sei se vou ser preso, não tenho mais banda. Não sei se eu ainda tenho amigo?, lamentou.