Tetracampeão brasileiro e paulista de tuning, "astro" de capa de revistas, personagem de propagandas e participante de lançamento de produtos... Mesmo com esse currículo descrito pelo dono, o carro do consultor Paulo Della Líbera, de São Paulo, está "encalhado". O Peugeot 206, ano 2000, foi completamente transformado ao gosto dele: tem portas no estilo Lambo (?tesouras?, como as da Lamborghini Diablo) e a pintura é verde e roxa, entre outros diferenciais. No entanto, não encontra compradores.
"Estou tentando vender há uns 2 anos. Talvez um pouco mais. Comecei pedindo R$ 38 mil do jeito que estava. Tentei negociá-lo via internet, eventos, amigos, revendedoras, redes sociais. Fiz de tudo um pouco", diz Líbera. Nesse tempo, ele recebeu propostas alternativas pelo carro. ?A maioria era por outro veículo preparado. Também já teve gente me oferecendo terrenos em clube de campo, título de clube e coisas assim meio esquisitas?, conta.
O dono não sabe o quanto o carro vale exatamente, mas calcula que, desde 2003, quando adquiriu o veículo, já gastou mais de R$ 60 mil. Por isso descarta voltar o carro à sua originalidade para facilitar a venda. ?Não compensa, pois o meu carro está em um nível em que, para retornar aos 100% de originalidade, os gastos ficariam na casa de uns R$ 6 mil, o que inviabiliza o processo.?
Além de alterar as portas, o consultor colocou rodas de 17 polegadas, modificou as lanternas, fez pintura personalizada, rebaixou a suspensão, colocou teto solar, bancos em couro e sistema multimídia. Sob o capô, o motor 1.6 teve o chip reprogramado para gerar mais potência ? além de outras ?coisinhas? mais, diz o dono.
Para Líbera, a dificuldade de vender o veículo está ligada a um preconceito com o tuning. ?A cada acidente que ocorre com carros de alta potência, com motoristas embriagados, rachas de rua e essas coisas, a visão sobre quem gosta apenas de personalizar um carro piora. A comparação entre tuning e rachador é enorme?, explica.
No entanto, o motorista assume que a documentação do veículo modificado não está em dia. ?Já esteve, hoje não está mais e por isso ele está parado. Não deixei isso tudo certo, pois, a cada dia, as coisas (leis) foram ficando mais complexas?, afirma.
Corsa transformado
A situação de Danilo Nunes, de 19 anos, é um pouco menos complicada. Há um mês ele tenta vender seu Chevrolet Corsa Super 1997 por R$ 14,3 mil. Como não realizou tantas alterações no ?possante?, espera conseguir comercializar o hatch até o fim do ano? e pelo preço desejado. Nunes afirma que investiu mais de R$ 5 mil em rodas, suspensão, farol xênon, novos bancos em couro, kit milha e equipamentos de som.
O auxiliar administrativo já recebeu algumas propostas, inclusive para trocar o carro por motocicletas, mas nenhuma o agradou.
Ele tentou levar o carro a uma concessionária, mas não aceitaram sequer conversar, diz. ?Falam que está modificado e que para eles também fica difícil a venda. Se eu tirasse tudo e o deixasse original, eles compravam sem problemas.?
Por que a venda é mais difícil
O comércio de carros modificados é restrito. Relações públicas do Comunidade Tuning, o empresário Rodrigo Perini, de 28 anos, explica que a compra e a venda de carros ?tunados? acontecem normalmente entre entendedores e apreciadores dessa cultura. Em regiões onde a mão de obra para customização de veículos é mais escassa, como no Nordeste, as negociações são mais frequentes. "Neste locais, o indivíduo muitas vezes prefere adquirir o carro pronto, em vez de modificá-lo por conta própria", diz Perini.
Lojas costumam rejeitar carros modificados. Quando aceitam conversar, afirma o empresário, a contraproposta quase em 100% dos casos é muito abaixo do valor pedido por quem quer vender. Para Perini, a falta de informação do público é um dos principais empecilhos para o comércio de carros transformados. "Muitas vezes as pessoas acham que o carro foi batido e que o proprietário não encontrou peças de reposição para fazer a funilaria", revela. "É preciso ter consciência que um veículo transformado é muitas vezes mais bem cuidado que um comum."
Cálculo do preço
A fixação do valor de venda de um carro transformado depende de quanto foi investido nas modificações, diz Perini. "Se o veículo sofreu muitas alterações e teve um alto investimento, o proprietário pega o valor de tabela do modelo e aumenta em aproximadamente 50% do que gastou nas modificações", detalha.
Quando as transformações são menores e mais discretas, além de mais fácil a venda, a determinação do preço é mais simples. "Tenho um amigo que transformou o Chevrolet Corsa 1999 em um modelo 2002 e o serviço ficou tão bem feito que ele conseguiu passar para frente rápido e no preço que queria", conta Perini, que também tem um conhecido que transformou um Volkswagen Golf mas não teve a mesma sorte.
Dicas para a compra
Ao decidir pela compra de um veículo modificado, primeiro o comprador deve averiguar a documentação. De acordo com o presidente da comissão de direito de trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, Marcelo José Araújo, é fundamental saber se as alterações foram autorizadas e vistoriadas pelo Detran -nesse caso estarão descritas no documento do veículo.
"Em caso de dúvida, leve o carro até um posto do Detran para ter certeza de que todas as modificações estão legalizadas", sugere. Rodar em veículos alterados sem a documentação necessária acarreta em multa de R$ 127,69 e cinco pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Perini, do Comunidade Tuning, também aconselha fazer um levantamento do histórico do carro. Procure se informar com o proprietário do veículo desejado sobre quais modificações, quando, como e onde elas foram feitas. "Se possível, converse com pessoas ligadas ao tuning ou que façam parte de repente de um fórum ou comunidade da qual o vendedor também participe", recomenda o empresário. Outra dica é consultar um corretor de seguros. "Muitas seguradoras rejeitam esse tipo de veículo", diz o representante da OAB.