Financiar um carro pode ser uma armadilha para contrair dívidas e até mesmo perder o bem comprado. Segundo especialistas em finanças pessoais, consumidores atentam somente ao tamanho da parcela que cabe no orçamento e acabam esquecendo que no caso de um veículo o custo de mantê-lo pode fazer com que o peso do bem seja quase duas vezes maior que o calculado só com o financiamento mensal.
O acesso da pessoa física ao crédito tem crescido no Brasil. Nos últimos cinco anos, o montante de crédito à pessoa física em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) subiu de 8,4% em setembro de 2005 para o recorde de 15,1% em setembro de 2010. Com isto, consumidores que nunca tiveram a experiência de lidar com empréstimos para aquisição de bens ingressam neste mercado.
Segundo o educador de finanças pessoais Álvaro Modernell, o consumidor não deve comprometer mais de 30% de sua renda mensal com prestações, mesmo se a soma de outras despesas familiares, como estudo, alimentação e lazer for baixa em relação a sua renda.
"O acesso ao crédito está tão fácil e as financiadoras estão com uma postura tão agressiva que as pessoas compram um carro mesmo sem necessidade e sem ter o dinheiro para isso", afirmou Modernell.
Além de conseguir uma parcela que caiba no orçamento, o futuro dono de um veículo precisa levar em conta outros gastos associados a ter este bem: combustível, IPVA, revisões, seguro, licenciamento e eventuais manutenções geralmente não são consideradas pelo comprador.
O site fez uma simulação e apurou um aumento de 74% em relação ao gasto da parcela do financiamento do veículo com os demais custos. Foi feito um plano de de financiamento de um Volkswagen Gol 1.0 Nova Geração, que à vista é vendido por R$ 28 mil, em 60 meses. Se financiado sem entrada em 60 parcelas, o carro terá parcela mensal de R$ 750, no contrato CDC (Crédito Direto ao Consumidor).
O gasto médio mensal para circular com o carro na capital paulista é de R$ 557, pelo menos durante o primeiro ano de financiamento. Nessa conta, entram despesas com licenciamento do veículo (total de R$ 890, já com emplacamento e documentação), combustível a álcool (R$ 197 por mês, considerando uma média de 1 mil km percorridos e rendimento de 8km/l), IPVA (R$ 1.140 ao ano) e seguro (R$ 2.100 por ano, com um homem de 23 anos, solteiro, que utiliza o veículo para se locomover até o trabalho e o guarda em estacionamentos como perfil), além da revisão para não perder a garantia de fábrica (R$ 200) ao fim de três meses ou 10 mil km percorridos.
Somada às despesas, a parcela que antes cabia perfeitamente no bolso quase duplica, para R$ 1.307 mensais durante o primeiro ano de pagamento.
Modernell recomenda nunca financiar mais do que 50% do valor de um veículo. "Se você não tem esse dinheiro, é porque o carro é muito caro para o seu bolso. Pagar metade do carro como entrada não condiz com a realidade da maioria dos brasileiros, mas condiz com bons hábitos de consumo que servem para preservar o consumidor", afirmou ele. Quanto maior a entrada, menor o valor da prestação.
Segundo o presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras de Montadoras (Anef), Décio Carbonari de Almeida, os compradores que têm problemas com pagamento de financiamento, geralmente começam a se perder a partir do segundo ano de contrato. Eles então preferem trocar o carro por um mais barato e econômico. "Para não ficar inadimplente, ele dá o carro como entrada para entrar em novo financiamento e liquidar as dívidas", afirmou.
O que fazer?
Ao contratar um financiamento, o comprador deve optar pela modalidade de crédito que mais se ajusta à necessidade. O CDC (crédito direto ao consumidor) é o mais utilizado no País para a compra de veículos, representando 46% do total dos veículos comercializados em 2010 até setembro, seguido da venda à vista (37%), segundo dados da Anef. Nessa modalidade, o comprador tem o direito de antecipar a quitação do carro a qualquer momento e conseguir desconto por eliminar o custo dos juros das parcelas que ainda não venceram.
Contudo, os juros são maiores do que no leasing, uma vez que o banco corre mais riscos caso o pagamento não seja honrado. A instituição financeira precisa acionar judicialmente o proprietário para confiscar o bem.
Já no leasing (arrendamento), o financiador é dono do carro em contrato e "aluga" para o comprador. Por isso, a taxa de juros é menor, já que o risco que o banco financiador tem é praticamente zero, uma vez que ele não perde o veículo se o consumidor não honrar o pagamento, e pode retomá-lo mais rapidamente - em até 90 dias de inadimplência.
O contrato de leasing, mais usado por empresas, tem prazo mínimo de dois anos, definido pelo Banco Central. Assim, fica vedada a possibilidade de antecipar parcelas para quitação antes desse prazo.
Segundo o presidente da Comissão de Direito e Relações de Consumo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), José Eduardo Tavolieri de Oliveira, o consumidor pode pedir uma conciliação com o financiador e renegociar a dívida.
Também é possível transferir a dívida para outro comprador (no leasing, só a partir do segundo ano). Há uma taxa de R$ 500 a R$ 700, dependendo do banco financiador, para fazer a transferência de documentos entre pessoas físicas.
Em último caso, com a devolução do carro, o Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor (Idec) recomenda que o comprador faça um acordo por escrito com o banco, uma vez que as parcelas que ainda não tiverem vencido têm direito ao abatimento dos juros. Mesmo assim, segundo o Idec, nesse tipo de acordo não é garantida a quitação de toda a dívida - o carro vai a leilão, e o valor resultante da venda é usado para pagar as parcelas que restaram.