Nos últimos anos, tanto as empresas quanto os consumidores vivenciaram uma verdadeira revolução positiva no ambiente de crédito no Brasil. Depois de décadas de espera, finalmente o consumidor pode experimentar condições favoráveis do mercado ? criadas após importantes reformas econômicas. Fatores como a estabilidade monetária, queda do desemprego, aumento do rendimento real, baixa das taxas de juros e ampliação dos prazos de empréstimos, entre outras ações, incentivaram a expansão do crédito, em especial para os novos consumidores.
De acordo com a pesquisa ?Mercados ? Endividamento e Inadimplência - Mitos e Verdades?, nos últimos cinco anos, 35 milhões de pessoas tiveram acesso ao crédito pela primeira vez. A pesquisa avaliou com profundidade o comportamento dos brasileiros diante do crédito e tem base em um levantamento nacional fruto de extensa pesquisa qualitativa com grupos de todas as regiões do Brasil.
É justamente por conta da aceleração do crédito, que se observa também o aumento do endividamento dos consumidores. Segundo o Banco Central, em janeiro de 2005 o endividamento das famílias com o sistema financeiro era de 18,4% da renda. Em maio de 2012 esse número mais do que dobrou, chegando a 43,4%. Da mesma forma, o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de amortização e juros das dívidas também aumentou, passando de 15,5%, em janeiro de 2005, para 21,9% em maio de 2012.
Tudo isso foi marcado pelas melhores condições de emprego e renda que garantiram uma importante mobilidade social, marcada principalmente pelo crescimento expressivo da classe média. Contudo, as facilidades de crédito não apresentam apenas aspectos positivos e um dos pontos que não soa tão favorável para o consumidor que vê os gastos saindo de controle é justamente o superendividamento.
A expansão da oferta de crédito e a falta de controle do orçamento doméstico torna cada vez mais comum o aparecimento de consumidores impossibilitados de pagar suas dívidas de consumo. Quando isto acontece, o consumidor endividado se torna superendividado.
Para o economista Luís Oliveira, que também é especialista em educação financeira, a falta de planejamento familiar e a forma como a nova classe média lida com dinheiro e oferta de crédito deve ser vista com atenção especial. ?Para quem vem observando essas mudanças da economia e o avanço do poder de compra dos consumidores, é também notório o avanço da inadimplência, que acaba elevando o risco nas operações de crédito e consequentemente dos juros?, pontua Oliveira.
Pessoas ficam adimplentes, mas dívidas voltam
Ainda de acordo com a pesquisa, a maioria dos brasileiros (65%) utiliza o dinheiro como principal forma de pagamento na compra de produtos ou serviços. Em segundo lugar aparece o cartão de crédito, com 21%, seguido do cartão de débito (10%) e do cheque (1%).
O uso do dinheiro é mais comum entre pessoas de renda familiar mais baixa: 79% das pessoas das classes D/E, contra 33% entre as da classe A. Já a utilização do cartão de crédito se dá em sentido contrário: enquanto 44% das pessoas da classe A o utilizam como principal forma de pagamento, nas classes D/E esse número é de 14%. E a inadimplência recorrente é um dos fantasmas que ainda assusta o mercado.
As causas para essa inadimplência são bem conhecidas. O desemprego aparece como o principal causador da incapacidade de pagamento das contas em dia para 34%, seguido de perto pelo descontrole das contas, com 29% das declarações. O desemprego é uma causa mais constante entre as classes D/E (40%) e C (36%), diminuindo para 21% na classe A.
O descontrole dos gastos faz o caminho contrário ? é maior na classe A (42%) e vai diminuindo de tamanho até chegar às classes D/E (24%). Vale lembrar também a inadimplência causada pelo empréstimo do nome a terceiros, o que representa 8% dos casos na classe A, chegando a 22% nas classes D/E.
?Eu emprestei meu nome para minha cunhada e depois ela ficou desempregada e não pode mais pagar. Como eu também não tinha como pagar lgo que não era meu, ainda hoje rola a dívida e o que me assusta é a quantidade de juros?, revela a dona de casa, Ana Patrícia Santos, que hoje paga a dívida da cunhada para poder estar com o nome limpo e financiar a casa própria.
Do total dos entrevistados, 19% declaram estar atualmente com o ?nome sujo?, porcentagem maior observada na classe C (23%). Entre aqueles que não estão atualmente com o nome sujo, 34% já estiveram em algum momento nessa situação.
?As pessoas devem ter cautela ao financiarem bens mais caros e em parcelas mais estendidas, porque a possibilidade de não pagamento aumenta e isso é um risco?, orienta o economista Luís Oliveira.
Classes C, D e E são as que mais se endividam
São exatamente as classes C, D/E que estão em uma situação mais delicada de comprometimento da renda e em risco de cair na malha de quem está com o nome negativado na praça. A pesquisa ?Mercados ? Endividamento e Inadimplência - Mitos e Verdades?, revela que apenas 40% das famílias ouvidas nessas classes declararam não possuir dívidas. E das famílias que possuem dívidas cerca de 45% reconhecem que é difícil quitá-las com a renda mensal atual.
As famílias em geral afirmam que a prioridade dos seus gastos seria a compra de alimentos e itens básicos. Ou seja, a restrição orçamentária leva as famílias mais pobres a priorizar gastos essenciais, principalmente na ?hora do aperto?, deixando de lado gastos que as afetem em menor escala, ou em prazo não imediato.
Concluindo, as classes C, D/E, que se declaram mais endividadas do que as outras classes, priorizam os gastos básicos em eventuais adversidades, deixando de lado outros compromissos financeiros não imediatos. Todos esses fatores levam a crer que, seja pela realidade social/econômica ou pelo seu endividamento atual, as famílias C, D/E aparentemente têm mais dificuldade de saldar seus compromissos financeiros que as outras.