Os números sobre o mercado de trabalho no Brasil são incontestáveis. Desde a década de 1970, época do milagre econômico, não se via nada tão positivo. Nos últimos oito anos, mais de 13,2 milhões de empregos foram criados, o salário médio de admissão teve um aumento real próximo a 30% e a arrecadação de impostos que incide sobre o trabalhador bateu recordes.
Tudo isto poderia indicar que o País entrou numa rota sustentável de crescimento não só da economia, mas também do trabalho, com uma renda maior que influencia diretamente o consumo da população e faz as empresas contratarem ainda mais. O problema é que o trabalhador não tem visto os números se materializarem no bolso.
Segundo um levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), 95% dos trabalhadores brasileiros ganhavam menos de dois salários mínimos em 2009 ? isso quer dizer que a renda verificada não ultrapassou os R$ 900. O diretor técnico da Seção Nacional do Dieese, Sérgio Mendonça, afirma que, dada a atual conjuntura econômica, poderia haver uma recomposição salarial mais digna ao trabalhador.
- A lógica é perversa: enquanto demitem-se aqueles com altos rendimentos, contratam-se funcionários com salários mais baixos.
Pelos dados divulgados no último dia 15 de julho pelo Ministério do Trabalho, a situação não mudou muito. Em 2010, o salário médio do trabalhador que acaba de entrar num emprego foi de R$ 821,13. O ministro Carlos Lupi comemora o número afirmando que é um crescimento real de 30% desde 2003.
- Esse é o dado que eu acho mais importante para o País porque mostra o ciclo virtuoso da economia. Porque o brasileiro trabalhando mais e ganhando mais ele compra mais e movimenta toda a economia.
Na outra ponta da corda, no entanto, o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), Márcio Pochmann, acredita que há, sim, um achatamento na massa salarial do trabalhador brasileiro. Em parte por conta do problema na formação educacional da população e nos programas de capacitação oferecidos pelo próprio governo.
- A cada ano, 15 milhões de brasileiros são demitidos. Essa rotatividade impede que acumulem mais salário ao longo do tempo. Isso poderia mudar se houvesse uma melhoria séria na escolaridade e no sistema público de emprego, que apenas concede seguro-desemprego sem ao menos consultar num banco de dados se há uma nova ocupação para o trabalhador que acabou de ser demitido. Do jeito que está, as empresas, de forma geral, não têm confiança em seus trabalhadores e vice-versa.
Pelo lado das empresas, o discurso é contrário. O economista-chefe da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Flávio Castelo Branco, afirma que a crise financeira que afetou o emprego no início do ano passado já foi controlada e que os salários estão voltando ao patamar de 2008.
- Eu não diria que está havendo um arrocho. A expansão do emprego está se materializando num aumento da massa salarial que cresceu, nos primeiros quatro meses do ano, 4,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Se não tivesse certeza disso, não teríamos um efeito tão positivo disso no consumo. Estamos realimentando o ciclo.
De fato, o Índice Nacional de Expectativa do Consumidor, medido pela CNI, manteve-se estável em julho, mas ainda numa trajetória de crescimento histórico. O resultado é de 114,7 pontos, 5,6% acima da média histórica. O problema é que o indicador está elevado em razão das condições favoráveis de acesso ao crédito, um dos sinais de que, apesar de ter uma ocupação, o trabalhador vem procurando cada vez mais dinheiro de bancos e financeiras.
Situação atual é melhor
Ainda que tenha de conviver com um salário curto, o trabalhador brasileiro pode respirar mais aliviado hoje do que nas décadas anteriores. No anos 90, por exemplo, os empregados formais respondiam por apenas 44,5% do mercado e o crescimento do trabalho informal foi de mais de 62% em comparação com a década de 1980. O economista Eduardo Otero, da Um Investimentos, lembra bem do período.
- Era um período de incertezas, com inflação descontrolada e o Brasil já vinha de sucessivos planos econômicos e congelamentos de preços. Era difícil para a empresa manter um empregado e para o trabalhador achar uma ocupação.
Diante do retrospecto, ao menos uma unanimidade pode ser vista. É quase impossível o Brasil experimentar um retrocesso nas conquistas que alcançou. Com uma economia sólida e respeitada no exterior, principal fonte de investimentos que estimulam as empresas a contratar mais, o mercado de trabalho deve continuar no ciclo sustentável de geração de empregos. Mas, adverte Márcio Pochmann, sem novos grandes recordes.
- A despeito da recuperação do salário mínimo e da escolaridade, a economia está gerando mais empregos. Não é mais um problema de oferta, mas sim de desempenho da demanda. E quem vem sustentando isso é o mercado interno, principalmente em setores intensivos como mão de obra, construção civil, serviços e pequenas empresas, que empregam mais que as grandes. Novos recordes são difíceis, mas a estabilidade da geração está praticamente garantida. Agora é trabalhar para tentar recuperar um salário mais adequado à população.