Um copo do "Beijo de Judas" saía por R$ 4 na ExpoCristã, maior feira religiosa de negócios na América Latina, que movimentou R$ 100 milhões no mês passado em São Paulo. Vendido no estande "Cocktail Gospel", o drinque de caju, maracujá, grenadine e leite condensado (sem álcool) é apenas um dos refrescos da indústria voltada a consumidores evangélicos.
A expansão desse grupo tem magnetizado a atenção de vários setores da economia brasileira. Gigantes como a seguradora Mapfre e o banco Bradesco (fundado pelo evangélico Amador Aguiar) já têm departamentos especializados para essa clientela -e serviços que vão de auxílio-funeral a previdência privada para pastores.
O mercado imobiliário é outro que segue o galope demográfico dos evangélicos. Segundo dados do IBGE liberados em junho, eles saltaram de 15,4% da população em 2000 para 22,2% dez anos depois. Até 2020, prevê-se que serão 57 milhões.
A entidade Sepal (Servindo aos Pastores e Líderes) estima que, a cada ano, surjam 10 mil novos templos. Hoje há cerca de 300 mil pelo país. Só a construção de dois megatemplos no Brás (zona leste de São Paulo), encomendados por igrejas rivais e previstos para 2013, deve absorver quase R$ 400 milhões.
MULTIPLICAI-VOS
Números que enchem os olhos e os cofres das construtoras. Em 2011, a Sobrosa enviou, por e-mail, sua proposta para erguer um templo da Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago, dissidente da Igreja Universal que hoje lidera a denominação neopentecostal que mais cresce no Brasil.
O orçamento inicial, de R$ 70 milhões, sofreu reajustes para cima (a igreja prefere não divulgar o novo valor). A estrutura terá 35 mil m² e abrigará 15 mil fiéis. A planta também inclui edifício garagem com mais de mil vagas.
Virou a maior obra da empresa, que lista Kellogg"s e São Paulo Futebol Clube em sua cartela de clientes. E trabalhar com os religiosos requer adaptação. "A igreja concentra bastante poder de decisão em poucas pessoas. O próprio Valdemiro opina muito", afirma o sócio-diretor Eduardo Sobrosa.
Já o bispo Edir Macedo escolheu a Construcap para erguer uma réplica, orçada em R$ 300 milhões, do Templo de Salomão -o muro das Lamentações, em Jerusalém, é o que teria restado após a destruição do local, no ano 70.
A nova Igreja Universal ocupará 74 mil m² na av. Celso Garcia, num prédio de 11 pavimentos, com estúdio de TV, escolas bíblicas para 1.300 crianças e hospedagem para pastores visitantes.
O bispo, que em seu culto já propôs "uma vaquinha" entre fiéis para pagar contas de luz e água da estrutura em "fase de acabamento", promete dimensões que superam "as do maior templo da Igreja Católica da cidade de São Paulo, a Catedral da Sé".
PREVINIDOS
Com tanto dinheiro fluindo, sentir-se seguro é preocupação crescente no meio. Há uma miríade de dispositivos de segurança à venda para igrejas, como uma urna blindada antifurto, lacrada com alumínio, para a coleta do dízimo. "Há pessoas que se infiltram e, em vez de doar, tiram da oferta", afirma William Dumont, sócio da empresa responsável pela novidade, a Pão da Vida.
Teme-se também prejuízos com o "sinistro" (como o desabamento do teto da igreja Renascer em 2009). De janeiro a setembro, o grupo de seguros BB Mapfre arrecadou R$ 7 milhões só com o segmento religioso. Atualmente, atende 19 instituições -além do Brasil, opera na Argentina, no Chile e no Uruguai.
"Temos produtos desenvolvidos para diferentes instituições, como acidentes pessoais, automóveis, vida e microsseguros. E também seguros empresariais para templos e previdência grupal para pastores e fiéis", afirma o superintendente da companhia Pablo Gonzalez Alvarez.
Criador da ExpoCristã, onde vários desses produtos eram negociados, Eduardo Berzin Filho aponta erros comuns quando empresários de fora buscam dialogar com esse filão -como usar o termo "rezar" em vez de "orar". Mas vê avanços. "Agora já sabem que evangélico não é extraterrestre nem xiita."
Para o pastor carioca Silas Malafaia, que planeja abrir mil igrejas de sua Assembleia de Deus Vitória em Cristo até 2020, o mercado ainda não chegou lá. "São seres humanos que estão aí, comendo, comprando roupa, penteando, usando cartão de crédito. Mas é uma linguagem muito própria, entende?"