O goiano Gustavo Sacipieri, 33, sustenta a família vendendo produtos cobiçados pelos brasileiros que moram na Irlanda: feijão, achocolatado, guaraná, picanha. Todos os dias, ele e sua equipe acordam cedo para carregar item por item nas três vans da empresa criada por ele - a "Brasil na Van" - e saem por uma rota que percorre cidades em todo o todo o país e aproximadamente 860 casas.
Desde 2008, quando a Irlanda começou a sentir os efeitos da crise financeira internacional, Gustavo já viu suas vendas caírem 50%. Para manter o negócio, diz ele, usou o que chama de "flexibilidade" de brasileiro: além da entrega de comida, aproveita o trajeto do veículo fazer serviços de transferência bancária, oferecer cupons promocionais e até vender consórcio para carro, a ser contemplado por aqui. Planeja, para breve, vender também consórcios de imóveis.
"Não me importo de me adaptar e até fazer cortes se a situação pede. O irlandês não está acostumado a isso porque não tem a vida que a gente tem aí no Brasil, a instabilidade. Aqui é impressionante o tanto que o governo ajuda os irlandeses", opina o ex-metalúrgico, que chegou com a esposa ao país em 2006 - sem visto e sem falar inglês - para trabalhar como pintor. Hoje tem passaporte italiano e nenhum plano de ir embora. "Para quem já se estabilizou por aqui, ainda vale a pena ficar", diz.
Seus clientes, na maioria, são famílias brasileiras com pouca qualificação profissional que deixaram a terra natal para trabalhar em subempregos tradicionalmente rejeitados pelos irlandeses: dessossadores em frigoríficos, operários de construção civil, realizadores de pequenos serviços. A estimativa do Ministério das Relações Exteriores é de que, em 2009, 15 mil brasileiros estavam na Irlanda. Goiás liderou o movimento: muitos trabalhadores do estado chegaram à ilha nos últimos anos para trabalhar em frigoríficos e na construção civil.
Foi o caso de Waldeir Ferreira dos Santos, 31 anos, que volta definitivamente para Anápolis (GO) neste sábado (20), depois de quase sete anos morando em Ennis. Desde então, ele passou o tempo trabalhando muito e até arrumou uma noiva, também goiana, que volta com ele. O desânimo com o sonho irlandês veio depois que a construtora em que trabalhava faliu, há um ano e meio. Sem emprego fixo, passou a ajudar Gustavo nas entregas.
"Quando eu comecei a trabalhar com ele (na van) eu já estava com plano de ir embora, a firma já tinha acabado, eu já tinha desanimado. Quando eu cheguei era muito bom: faltava mão de obra e tinha trabalho todo dia, nunca faltava oportunidade de receber 60 euros por dia", relembra.
Escassez de emprego
Hoje, com a economia irlandesa retraída, a realidade é bem diferente. Apenas em 2010, 1,1 mil empresas fecharam suas portas. Em apenas cinco anos, a taxa de desemprego passou de 3% para 13,5%. Uma em cada três pessoas com menos de 30 anos está desempregada.
Resultado: vagas antes desprezadas por irlandeses passam a ser consideradas alternativas de trabalho - já que a tendência é que a Irlanda corte cada vez mais os benefícios "polpudos" tradicionais no país, como seguro-desemprego, como parte dos cortes fiscais que precisará fazer para sanear a economia.
"Às vezes você está em uma roda entre amigos e encontra um irlandês que está desempregado e você, brasileiro, empregado. Não é legal você abordar esse assunto, fica um clima chato", conta Thiago Silva, que trabalha em Dublin há dois anos como assistente de cozinha.
"Tem duas moças irlandesas que começaram a trabalhar comigo como garçonete e isso é uma coisa diferente. Você começa a ver mais irlandeses nesse tipo de trabalho que não se via antes, em atendimento, loja de roupa, caixa", diz Silva, que já teve redução nas horas de trabalho semanais por conta da queda na demanda.
A partir de janeiro, passam a valer novas regras de imigração: matriculados em cursos de inglês poderão ficar por um limite máximo de três anos. Ficar mais só fazendo cursos de graduação, que são bem menos acessíveis: não custam menos de 20 mil euros por ano.
"Antigamente fazendo curso você podia ficar o tempo que quisesse", diz o publicitário paulista Heitor Bonfim, 27 anos, que faz mestrado em Dublin desde abril deste ano e trabalha 20 horas por semana como chefe de cozinha. "Conheço muita gente que está voltando, não sei se por causa da crise, mas porque as regras da imigração vão apertar", diz.
A desvalorização imobiliária e o excesso de imóveis vazios, decorrentes da crise, tiveram impacto positivo em seu custo de vida. "Eu mudei recentemente para um apartamento bem maior e melhor localizado, pelo preço de um bem pior", diz.
ão significa, no entanto, que brasileiros estejam banidos das terras irlandesas. Acabou-se, no entanto, o tempo do subemprego farto.
"Isso afeta muito os brasileiros porque a maioria é informal. É compreensível, porque o país quer ajudar os irlandeses e não as pessoas de fora. Não deixo de dar razão para o próprio irlandês. Tem muito irlandês falido", diz Gustavo, da Brasil na Van.
"Hoje não dá para eu pensar em trazer um parente amigo que não fale inglês e tentar arrumar um emprego. Precisa falar bem e dirigir. No passado, o empresário dirigia 60 km para buscar alguém para trabalhar que não abrisse a boca para falar uma palavra em inglês o ano inteiro", afirma Roberto Camargo da Silva, que lidera comunidade brasileira da Irlanda e paga faculdade para o filho mais velho, que estuda engenharia aeronáutica na Universidade de Limerick.
Para John O"Reilly, irlandês aposentado aficcionado pelo Brasil e que há anos presta serviço voluntário de orientação à comunidade brasileira, o bom momento econômico do Brasil faz com que a Irlanda deseje atrair brasileiros dispostos a gastar dinheiro no país. "Quem veio para cá com intenção de se manter com emprego, sem dinheiro no bolso ou no banco, pode enfrentar dificuldade. Mas o país busca jovens para estudar e fazer graduação aqui, já que agora o Brasil que é rico", diz O"Reilly.